As meninas

As meninas Lygia Fagundes Telles




Resenhas -


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Marcos Nandi 15/02/2023

Pois o cheiro do caramujo é como o cheiro da memória.
Meu Deus, a saudades que eu estava de um romance com fluxo de consciência. Lygia alterna a narração entre as três protagonistas e também, aparece às vezes um narrador em terceira pessoa. A autora faz isso de maneira sublime e bem frenética, como eu adoro.

A edição é cercada de fortuna crítica, em um dos textos, é dito que a história se passa em apenas dois dias. Em outro texto a própria autora diz que o relato de tortura contido no texto, é real, um dos primeiros revelados.

Sobre o enredo, se contará a histórias de três amigas, universitárias (na ordem: direito, ciências sociais e psicologia), vivendo na época da ditadura militar do Brasil e morando num pensionato de freiras.

A Lorena, é a amiga rica, virgem, e que tem envolvimento com um homem mais velho e casado e vive esperando seu telefonema. Lia, é a comunista cujo noivo está preso. Tem alguns complexos e é chamada de gorda e retirante pelas amigas, filha de uma baiana com um alemão ex-nazista, a única negra do trio, escreve para um jornal comunista e quer ser romancista.

Já a Ana Clara, é das três, a mais interessante: ela usa drogas, é extremamente racista, talvez tenha mitomania, sonha em ser capa de revista, tem muitas dívidas. Sofreu abuso na infância, e se relaciona com um jovem que já foi rico, portanto, ela procura um homem rico para se manter, mesmo tendo (supostamente) um noivo.

Não me aprofundarei nas desventuras para não dar spoiler, é muito legal ir descobrindo o passado das meninas, suas ambições e seus problemas que às vezes, soam como fúteis, às vezes são preocupantes, como o medo de morrer, a repressão,a pressão estética e a ambição, o terror, os sonhos, etc.
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Stella F.. 12/05/2022

Ótimos ingredientes!
As Meninas – Lygia Fagundes Teles – Companhia das Letras – 2009

Três amigas, Lorena, Lia e Ana Clara vivem em um pensionato de freiras, Pensionato Nossa Senhora de Fátima. Muito diferentes entre si, com personalidades marcantes e com histórias de vida diversas. Sabemos conforme vamos lendo, que o ano é de 1969 e a ambientação é em São Paulo e que são estudantes universitárias.

Lorena (Lena) pode ser considerada a liga do trio, pois a ela recorrem toda vez que precisam de dinheiro ou tem algum problema. Vem de uma família abastada, que possui terras, mas que sofreu muitos abalos com uma tragédia familiar e o final do pai em um sanatório. Sua mãe depois disso se envolveu com amantes não tão confiáveis e está sempre meio perdida. Lorena é romântica, virgem, e tem um amor, M.N., um homem casado com cinco filhos. Um amor mais idealizado do que realizado, sempre na espera de um telefonema dele. Adora trocar vinis na vitrola. Cheia de nhem-nhem-nhem.

“Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo.” (posição 1061)

Lia (Lião) veio da Bahia, é filha de nordestina com um alemão, um ex-nazista. E ironicamente vem para São Paulo e entra para a guerrilha, para a luta armada. Mais sensata, lê muito, estuda ciências sociais, panfleta, tenta ajudar os amigos que estão em perigo, e seu namorado Miguel foi preso. Sem vaidade nenhuma, sempre com os cabelos metidos em um gorro, as calças arrastando e a blusa para fora. Sabemos pelos relatos que Miguel vai ser trocado pelo embaixador, e a namorada o encontrará na Argélia.

“O povo não é espiritual porque o povo quer fazer parte da adoração e não pode nem chegar perto, está desesperado, aquele brilho, aquele exemplo de conforto, gozo. Esses desastres, esses crimes, tudo isso é desespero, o povo está sem esperança e nem sabe.” (posição 2276)

Já a Ana Clara (Ana Turva), muito bonita, tipo modelo, é viciada em drogas e tem um namorado, Max, que é traficante. A vida dela é um caos, acompanhamos muitos delírios dela, onde ela diz que quer parar de pensar, que os pensamentos ficam roque-roque, ruminando em sua cabeça. Parece ter um noivo rico, que tudo vai mudar no próximo ano, que ela vai ser rica, ter muito dinheiro e com isso sair dessa vida desgraçada. Fez análise, é ajudada psicologicamente por Madre Alix. Foi abusada sexualmente, sua vida foi muito difícil e nunca superou. E terá um final trágico.

“Se pudesse lavar por dentro minha cabeça. Com escova. Esfregar esfregar até sair sangue.”

Lorena ajuda as duas com dinheiro, com banhos de banheira, e sendo mais prática, parece ser uma líder. Elas têm a superstição de falar palavras ao contrário, por exemplo, oriehnid (dinheiro) para não dar azar. Fiquei no primeiro capítulo tentando descobrir que palavra era essa, mas aos pouquinhos entendi. Empresta o carro da mãe para Lia e dinheiro para a viagem e para Ana Clara vai emprestar dinheiro para reverter a virgindade.

O pano de fundo é a ditadura e seus horrores, mas vai nos falar também de aborto, virgindade, abuso sexual, homossexualismo, drogas e masturbação.

A narrativa a princípio foi bastante difícil para mim, mas aos pouquinhos fui me acostumando com a mudança de narrador a todo momento, às vezes, tendo que voltar um pouquinho no parágrafo, mas logo peguei o ritmo. E embalei nesse livro que adorei. Achei delicioso o uso de frases incompletas, de gírias da época (bossa, joia, pomba), as perspectivas de cada menina de acordo com sua educação e histórico de vida, e percebi que não dava para lê-lo sem uma atenção extrema, para poder usufruir de todos os seus recursos e estilos.

O final foi surpreendente, para mim, pareceu um filme de terror. Será que as amigas estavam certas em sua decisão? O argumento de Lorena era válido, mas era necessário chegar a esse extremo? E Lia embarca na sua viagem e a ajuda a deixar Ana Clara na praça debaixo da árvore.


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