Evy 14/03/2022Surpreendente!Segundo e último livro escrito por Anne Brönte e que se tornou o meu favorito da autora. O impacto que senti falta ao ler Agnes Grey, apesar de também ter gostado muito da leitura e não discutir a inegável importância social da crítica que ele carrega, encontrei aqui em A senhora de Wildfell Hall.
Esse livro aborda temas desconcertantes para a sociedade da época e importantíssimos até os dias atuais. Não à toa o livro não só foi, de certa forma, censurado por um período, e pasmem, pela própria irmã Charlotte Brönte, como também teve algumas partes de seu texto cortadas quando voltou a ser publicado. Daí minha escolha por esse exemplar da editora Record que traz o texto na íntegra, sem cortes.
Talvez, ou com certeza, esse é o motivo pelo qual Anne seja a irmã menos famosa e tenha seu talento comparado e algumas vezes, desprezado em relação às demais irmãs, o que discordo totalmente já que é inegável a imensa capacidade narrativa das três e dos romances importantes que escreveram para a época e que ressoam até os dias atuais.
Em A Senhora de Wilfell Hall temos um romance vitoriano e epistolar, o que pode ser um dos motivos de ter sido favoritado já que adoro obras escritas em formato de cartas e diários, e traz como narrador um homem, fato que me deixou bastante surpresa. Gilbert Markham é um jovem fazendeiro de uma cidade pacata do interior da inglaterra onde uma nova moradora, Helen Grahan, surge para ocupar um casarão até então abandonado.
A jovem é mãe e uma pessoa extremamente reservada, com pouco interesse em conhecer as pessoas da cidade e dividir qualquer detalhe sobre sua vida. Esse fato deixa todos ainda mais curiosos, e a família de Gilbert começa a visitá-la e convidá-la para participar de alguns jantares e festas. Gilbert, que se corresponde com um amigo através de cartas, pelas quais vamos tendo conhecimento da história, começa a contar sobre essa jovem senhora e seu filho e o desenrolar dos acontecimentos.
Logo de cara eu já me afeiçoei a Helen, sua maneira direta e bastante ácida ao responder os julgamentos sociais de todos em relação à sua reserva e até mesmo a forma como cria seu filho. Claramente Gilbert e Helen tem um interesse mútuo, mas a reserva dela gera muitos boatos e na tentativa de apresentar sua verdadeira história entrega a ele seu diário. É a partir daí que vamos adentrar uma história mais sombria e que abordará dois assuntos pesados e importantes: relacionamento abusivo e o abuso do álcool.
Somos magistralmente envolvidos por Anne nessa segunda parte com uma narrativa mais sombria e extremamente instigante dos acontecimentos que me deixaram chocada e ao mesmo tempo extasiada com a coragem da autora na época em que escreveu essa história. Coragem que Charlotte deveria ter tido em mantê-la íntegra e publicada, mas enfim...
Anne escancara o que muitas mulheres passavam em casamentos abusivos com homens e seus vícios em álcool, jogos e libertinagens. Não a toa, sua obra sofreu duras críticas, de homens que muito provavelmente não gostaram de ver seus hábitos e atitudes amplamente retratados no livro. Essa edição ainda conta com um prefácio à segunda edição, escrito pela própria Anne, simplesmente maravilhoso onde a autora diz que "
se conseguir advertir um só rapaz estouvado a não seguir seus passos, ou impedir uma única moça leviana de cometer o erro compreensível de minha heroína, então este livro não terá sido escrito em vão".
Esta obra não carrega em si somente uma crua crítica social aos vícios da época, mas é também um alerta vermelho, um "wake up call". Anne ainda fecha com chave de ouro: "
quando sentir que é meu dever proclamar uma verdade pouco palatável, com a ajuda do Senhor, haverei de proclamá-la, mesmo que isso prejudique minha reputação e seja em detrimento do prazer imediato do meu leitor, assim como do meu".
E eu pergunto, tem como não amar? Recomendo muitíssimo a leitura!