Gabriela 27/03/2024
O que é ser gaúcho
Ler esse livro sendo brasileiro e ler esse livro sendo gaúcho são duas experiências completamente diferentes. Todo gaúcho que ler vai ver um retrato falado dos seus antepassados - e talvez até de alguns contemporâneos. Érico Veríssimo escreveu com precisão o que é ser gaúcho: um bando de chatos, preconceituosos, machistas, cabeças-duras, metidos, orgulhosos, que amam briga, cachaça e jogo. Ao mesmo tempo, valentes, divertidos, humildes, sociais, que amam a família, festas e a natureza. Todas as personagens desse livro ten essa dualidade. Ninguém é apenas bom, ou apenas ruim (apesar do Cap. Rodrigo chegar o mais perto possível do adjetivo "péssimo").
O livro realmente engatou com a chegada do Pedro Missioneiro. Foi subindo e melhorando conforme conheci a história da Ana Terra, atingindo um auge nos capítulos que se passam em Santa Fé, com o Pedro (filho da Ana), e seus filhos: Bibiana e Juvenal. Admito que a chegada do Capitão Rodrigo deixou a história super interessante e divertida de ler.
Já os capítulos do Sobrado demoraram a me cativar. Acho que foi apenas no terceiro que eu realmente estava investida na história. Tanto que li os primeiros 15% como se fosse uma tarefa. Dali pra frente, a escrita flui, a história corre, e em alguns dias terminei o livro.
No nascimento de Bibiana, Ana Terra resmunga: "Mais uma escrava".
Todo mundo comenta sobre a qualidade da escrita das personagens femininas, e eu assino embaixo. Muito bem desenvolvidas. Todas carregam o peso do que é ser mulher em tempos de guerra, e o peso de ser mulher em tempos de paz - o que não muda muita coisa. Existe um fardo que só as mulheres carregam, em qualquer tempo. O fardo da obediêndia, da subserviência, do silêncio.
"Morreu em boa hora. Essa não tem de trabalhar, sofrer, casar, criar filhos, e ficar esperando quando os filhos vão pra guerra. Primeiro precisam da gente, mamam nos nossos peitos, mijam no nosso colo. Depois crescem, se casam e tratam a gente como um caco velho."
O tempo passa voando igual o vento; carrega tudo, deixa algumas coisas pra trás; é lindo de ver a maneira com que o Veríssimo escreve essa passagem de tempo, nos levando pela mão num teatro - quase um filme - tão real quanto a vida. É uma leitura fácil, com palavras fáceis, salvo algum vocabulário gaúcho.
Livro sensacional, recomendo demais - principalmente pra quem é gaúcho.
É um verdadeiro retorno às origens, uma viagem pra casa.