Giro Letra 04/06/2011
Queda de gigantes
"- A Alemanha agora ficou sem alternativas - disse Walter. - Não podemos lutar contra a Rússia com uma França hostil atrás de nós, armada e ávida para recuperar a Alsácia-Lorena. Então devemos atacar a França. O Plano Schlieffen já foi acionado. Em Berlim, as multidões estão cantando o Kaiserhymne nas ruas.
- Você vai ter que se juntar ao seu regimento - disse ela, sem conseguir segurar as lágrimas.
- Naturalmente.
Ela enxugou o rosto. Seu lenço era pequeno demais, um retalho idiota de cambraia de linho bordada. Em vez do lenço, usou a manga da roupa. - Quando? - indagou. - Quando terá que ir embora de Londres?
- Vai demorar alguns dias. - Maud notou que ele próprio estava contendo as lágrimas. - Existe alguma chance de a Grã- Bretanha ficar de fora da guerra? - perguntou. - Assim eu pelo menos não estaria lutando contra o seu país.
- Não sei - respondeu Maud. - O futuro dirá. - Ela o puxou para mais perto. - Por favor, me abrace forte. - Então, recostou a cabeça em seu ombro e fechou os olhos."
Queda de Gigantes é o primeiro livro da trilogia O século, que pretende narrar os acontecimentos mais marcantes do século XX, mas com um diferencial em relação a muitas narrativas históricas que conhecemos: os personagens que vivenciam esses acontecimentos não são apresentados como heróis ou malfeitores, são pessoas com sentimentos, interesses, paixões e diversas outras emoções intensas. São essas emoções que as levam a participar dos fatos históricos, a fazer História, que, assim, não aparece no livro como um mero pano de fundo da vida dos personagens. Nessa interface entre o real e o imaginário, à medida que conhecemos os personagens, com seus sentimentos e motivações, somos envolvidos pela História e nela penetramos por uma perspectiva humana. Sobretudo, humana.
A trama se desenvolve em torno de vários personagens em países diferentes. Na Grã-Bretanha, conhecemos Billy William, um rapaz cuja ingenuidade pouco a pouco será perdida, à proporção que é submetido ao trabalho desumano em uma mina de carvão. Perseguido pelos patrões, que nele enxergam um perigo, já que é filho do presidente do sindicato dos trabalhadores, Billy rapidamente terá que se transformar em um homem forte, a fim de que possa sobreviver aos desafios que surgirão em sua vida.
Enquanto isso, sua irmã, Ethel Willians, trabalha como governanta na casa do conde Fitzherbert, dono da mina em que Billy trabalha. Casado com Bea, uma princesa russa, Fitz não está plenamente satisfeito com seu casamento e, quando conhece Ethel, fica encantado com sua inteligência, sagacidade e senso crítico. Ela, por sua vez, também apaixona-se pelo patrão. Mas o destino reserva surpresas para o conde e a governanta.
Muitas surpresas também ocorrerão para Maud, irmã de Fitz. A aristocrata inglesa é uma moça que, aos 26 anos, de acordo com os padrões da época, já está velha demais para ser solteira. E o fato de ser feminista e lutar pelos direitos dos mais pobres não é algo que desperte o interesse dos aristocratas com quem Maud convive. Isso, no entanto, não impede que ela e um amigo de seu irmão, o jovem alemão Walter von Ulrich, apaixonem-se. Trabalhando para a embaixada alemã na Grã-Bretanha, Walter sabe que o relacionamento trará dificuldades para sua carreira e sofrerá a resistência de seu pai, que está disposto a tudo para separá-los. Mesmo assim, os dois estão decididos a enfrentar o que for preciso para viver esse amor.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o jovem americano Gus Dewar descobre não ter muita sorte no amor. Assessor do presidente Woodrow Wilson, Dewar, que já tem uma carreira brilhante, dedica-se ainda mais ao seu trabalho, como uma forma de esquecer a decepção amorosa pela qual passou. Até que, um dia, ele reencontra uma amiga de infância, Olga Vyalov, por quem Dewar se apaixona e a quem pede em casamento. Será o fim das decepções amorosas de Dewar? Terá o jovem americano, finalmente, encontrado o amor verdadeiro nos braços da jovem filha de um imigrante russo?
Pai de Olga, o russo Josef Vyalov havia prosperado bastante nos Estados Unidos. Seu primeiro emprego fora expulsar bêbados de um bar, mas havia crescido o suficiente para se tornar um importante mandachuva, cujos negócios nem sempre eram feitos por vias legais. Graças aos negócios (e a essas vias nem sempre legais), Josef conhece Lev, seu conterrâneo.
Lev e Grigori Peshkov são irmãos. O pai deles foi morto quando ainda eram crianças, a mando da princesa Bea e de seu irmão, Andrei. A mãe dos dois jovens também foi morta quando eram crianças, assassinada a tiros pelos soldados do czar, por participar de uma passeata pacífica. Marcados pela tragédia, os dois irmãos, unidos, passavam por muitas adversidades para sobreviver como operários na Rússia. Eles alimentavam o sonho de ir tentar uma vida melhor nos Estados Unidos. Contudo, a vida deles se transforma a partir do dia em que conhecem Katerina, por quem ambos ficam interessados. Ela terá que escolher entre Grigori, o rapaz bondoso, trabalhador e sério, e Lev, o irmão irresponsável, imprudente e sedutor.
Além dessas, muitas outras tramas se desenvolvem nesse romance. Vidas que se entrecruzam e serão indelevelmente marcadas pelo início da Primeira Guerra Mundial, pela Revolução Russa e por outros acontecimentos desse início de século.
Com uma narrativa envolvente, na qual se misturam ação e romance, Queda de Gigantes mostra como acontecimentos políticos se refletem na vida de todos, de presidentes e reis a mineradores e operários; como acontecimentos históricos, tais como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, afetam amizades e relacionamentos amorosos; como esses fatos promoveram transformações político-sociais, levando, por exemplo, mulheres ao mercado de trabalho e à luta pelo direito ao voto. Narrando o dia a dia, nas trincheiras, de soldados lutando por lados opostos, é capaz de apresentar tão bem as motivações de ambos que somos levados a torcer, numa mesma batalha, pelo sucesso de tropas galesas, americanas, francesas, russas e alemãs.
Sem dúvida, uma obra fascinante, que, mesclando personagens fictícios e reais (como o presidente norte-americano Wilson, o parlamentar Winston Churchill, os revolucionários Lênin e Trótski, o rei Jorge V, o Kaiser Guilherme, entre outros), vai nos enredando na teia histórica que constitui não apenas os fatos reais de um dado contexto, mas também a tessitura em que se organiza o romance. Um livro apaixonante e imperdível, o melhor que li nos últimos tempos.
Marcela Vasconcelos