Gabriella 06/08/2022
Um pouco decepcionante... "o orador dos mortos teria que explicar a sua narrativa pessoal - o que eles pretendiam fazer, o que eles realmente fizeram, o que eles lamentavam, do que eles se orgulhavam de terem feito (...) na hora da morte, é a única histór
O primeiro livro da saga, Ender's Game, foi uma experiencia belíssima para mim: acho o livro original, inteligente, interessante, com drama na quantidade suficiente, plot twist, ação, um personagem a qual ficamos completamente envolvidos... e era com essas expectativas que eu fui pro segundo livro da saga, mas acabei decepcionada (até porque, li que esse era ainda melhor que o 1).
A ideia da estória e o potencial dela é ainda melhor que o do 1 livro, aqui vamos abordar sobre o conhecimento de uma nova raça alienígena, os porquinhos - assim chamados, que vivem em um planeta habitado por quase nada além deles e brasileiros de uma pequena colônia. As duas espécies são isoladas através de uma cerca, a qual somente os xenologos (que estudam os porquinhos) podem ultrapassar. Porém seu estudo e intervenção é extremamente limitado, foi determinado que eles eram proibidos de até mesmo mencionar qualquer coisa que pudesse trazer aos porquinhos alguma mudança de cultura, não podiam fazer perguntas diretas ou até mesmo perguntas indiretas. Quando os porquinhos cometem uma atitude que nunca antes cometeram e que ninguém esperava, ai é que se da todo o plot central do livro.
O livro começou muito bom! Eu fiquei fascinada nos primeiros capítulos, até que temos uma passagem de tempo que me decepcionou um pouquinho (eu acho que preferia que o autor tivesse tomado um rumo diferente ai) mas mesmo assim continuei adorando a estória.
A partir do meio pro fim, eu fui desgostando das coisas:
- O autor resolve inserir outro drama, que pro fim do livro toma o lugar do plot central - o que ai já me irritou, porque quando chegamos a finalmente descobrir as coisas, quando finalmente o livro chega onde queríamos, pula pro plot do drama familiar. O maior problema pra mim foi que o autor colocou um plot de violência domestica e eu não acho que ele tratou com a sensibilidade que devia. Temos uma mulher que era uma personagem no começo, foda para um 🤬 #$%!& , que prometia tanto, mas ao invés de cresce-la, foi transformada em alguém que precisa ser salva (adivinhem, por um homem), com pensamentos de auto-humilhação até demais e uma culpa que não foi tirada totalmente dela, que não fez nada de errado.
Já o personagem autor da violência, apesar de ser responsabilizado, tem uma passada de pano ali. Eu entendo sobre explicar a estória de alguém e como agressores muitas vezes vem de toda uma criação e traumas e próprios abusos sofridos; mas esse não foi o ponto que o autor passou: o agressor sofria de amor não correspondido kkk fala serio! O agressor é justificado, "agiam mais como cães, do que * jamais agiu" (ou seja, o agressores do homem são monstros mas o agressor da mulher é vitima!) e ainda por cima igualado a sua vitima "Todas as pessoas nesta historia sofreram dor... todas as pessoas causaram uma dor terrível" só que a vitima que ele iguala ao agressor, nunca fez nada pra realmente machucar outro & sempre foi honesta com seu agressor - porque o autor iguala a dor de um amor não correspondido com a dor de uma violência física, como se os dois fossem criminosos iguais??
- A colônia no começo da historia é dada como hipócrita: via a violência de crianças e da mulher e não faziam nada para ajudar, por mais de 1 década ninguém mandou prender o agressor, a qual não tinham duvidas que ele era, ou fizeram esforços para ajudar crianças em uma situação de abuso psicológico. Mas ai tudo isso é meio que jogado no lixo, umas palavrinhas aqui e ali para falar que a atitude foi errada, mas os governadores e grupo religioso daquela colônia, que eram quem tinham todo o poder e autoridade, foram mostrados depois como pessoas ótimas e empáticas e afetivas - não ouve nenhum pedido de desculpa a vitima, na verdade, ouve só mais humilhação. Algo ai não se encaixa?
- A melhor parte do livro, e pra qual vai minhas avaliação positiva, é a do plot dos porquinhos. Porém ouve uma hipocrisia danada no final de tudo: a ideia de querer mudar um evento biológico deles com a intenção de tentar melhorar a qualidade de vida foi vista como supremacia cultural e como errado, e uma ideia de pessoas que olham para uma comunidade e só querem se sentir superiores a ela, muda-la e não ve-la, entende-la, aceita-la.
MAS HAHA os bispos querendo converter ao catolicismo é visto como normal e OK e "bora lá!" como se fosse o moralmente correto. Oi? Depois ao ler o final, não é de se surpreender que o Orson S.C foi missionário (aqui no Brasil). Como escrever um livro falando da compreensão de novas espécies de vida e ao mesmo tempo achar que sua religião é a certa e que a prioridade seria converter todos os povos a SUA religião? A ideia é vista como certa pelo livro.
Detalhe, a religião católica já havia sido descartada pelos porquinhos, queriam é forçar aquilo.
- Alguns furos: um personagem que supostamente é o mais inteligente tomando atitudes totalmente idiotas, o mundo está super avançado, existem mil planetas que podemos habitar, a P*RRA DE UM ANSIVEL, tem tudo no maior nível de tecnologia! Mas o conhecimento medico avançou 0 né? Haha; muita forçação daquelas que você percebe claramente que está lendo uma ficção: romances apressados e desenvolvidos a partir de nada, aqui o plot do personagem que salva todos e que todos dependem dele pra ser salvo foi muito preguiçoso, umas falas e situações clichês até demais, anti-natural.
- As vezes parecia que eu estava lendo um livro de religião, e não um sci-fi. Eu entendi do porque do Orson escolher uma colonia religiosa, mas meu deus, chatisse demais. Muitos dialogos religiosos, esse não era o foco do livro, deixou o livro muito arrastado. No final do livro, quando tu ta nos finalmentes, pula para dialogos religiosos DISCUTINDO SOBRE MULHER ADULTERA, umas historinhas de tacar pedra em mulher adultera, umas coisas chatas pra c*ralho, um contraste de inteligência e avanço vs conservadorismo que não fazia sentido e só dava raiva.
- No começo de cada cap. tinha uns documentos variados, cada cap. eram de fontes diferente. Achei isso muito legal mas por esses documentos meio que mostraram um plot dos mandadores do universo lá confrontando os xenologos - esse plot nunca chegou a acontecer, que realmente deixariam a historia mais desenvolvida, interessante, complexa. Ou seja, acho que o final foi meio que um caminho fácil e vontade de vender um 3 livro. Meio decepcionante.
Enfim, se não fosse todas essas problemáticas, pela historia do livro sobre aceitação do outro (a não ser que ele seja gay né, Orson) toda a jornada que começou no 1 livro onde o final dele se juntou ao final desse, eu daria uma nota 4 pro livro.
O que salva muito ele é todo o plot dos porquinhos, muito interessante e diferente do que eu já tinha lido. Achei uma coisa meio forçada e preguiçosa também a explicação cientifica sobre eles e como viviam? Sim, um pouco. Mas deu pra engolir e deu pra imagina-los e vê-los como ramen :)
Eu acho que a estória tinha o potencial de ser muito mais, se ao invés de se concentrar em plot de religião e violência domestica (ele poderia escrever sobre isso e sua missão religiosa em outro livro que foque nisso) ele se concentrasse totalmente nos porquinhos e talvez fizesse um plot mais complexo e mais sombrio e misterioso do que foi. A resposta pra pergunta climax do livro inteiro foi meio que: ah ta.
Se o livro fosse focado no Libo e na Novinha, acho que seria melhor também, gostaria que eles fossem os protagonistas do livro todo e o resto mais secundários.
Não me arrependo de ler mas não recomendo o livro a ninguém pela situação do abuso domestico, que me incomodou bastante.