Antonio Luiz 15/03/2010
Ao contrário da saga vampiresca de Vianco, cuja movimentada violência lembra um filme de ação hollywoodiano ou um folhetim de aventuras do século XIX, este livro, assim como "Caminho do Poço das Lágrimas, procura ser sensível e explorar com calma a subjetividade e as angústias de pessoas comuns, com tons espiritualistas que lembram romances espíritas e Paulo Coelho. Mas a maneira de usar a linguagem é exatamente a mesma, como se a forma fosse independente do conteúdo.
Tanto o narrador quanto os personagens, adultos ou crianças, se expressam pelas mesmas frases curtas e desarticuladas, meros registros de emoções e percepções brutas. Deixam-se conduzir por elas como se não fossem capazes de refletir, tirar conclusões e fazer planos, mesmo quando supostamente são empresários bem-sucedidos, profissionais competentes ou artistas capazes.
Ambos os livros falam de pessoas que sofrem por decisões e atitudes do passado, recente ou distante, que por ressentimento, ambição egoísta ou obsessão pelo trabalho causaram a infelicidade de parentes já mortos, todas igualmente incapazes de articular alguma consciência de seu arrependimento até serem orientadas por algum tipo de guia mágico que lhes dá oportunidade de conseguir (mais de si mesmos do que das pessoas ofendidas) o perdão milagroso e, por meio dele, encontrar paz e redenção.
São histórias que visam comover o leitor até as lágrimas, valorizar o sentimento e a atenção para com a família e os entes queridos, ameaçados pela incompreensão ou pela ânsia por sucesso. Como no caso de Rowling, a cumplicidade do leitor não parece difícil de explicar: em um tempo de culto à autoajuda, ao pensamento positivo e de obrigação de ser feliz e otimista, pode ser um alívio ler que outras pessoas, algumas delas representadas como inteligentes e bem-sucedidas, secretamente levam uma vida miserável, de profunda carência emocional e espiritual.
Mas talvez a falta de elaboração e articulação do pensamento e a pobreza do estilo facilitem a identificação com seu público específico (ao mesmo tempo que repelem leitores mais exigentes). Não que seu leitor seja necessariamente pouco articulado, mas essa característica dá aos personagens uma superficialidade que passa por universalidade.
Pormenores externos aproximam o quotidiano dos personagens do leitor paulistano de classe média: a marca do carro, o ator favorito, o esporte da moda, o personagem de videogame, o sanduíche de uma conhecida franquia paulistana. Mas o que lemos é algo que qualquer pessoa poderia sofrer em seu lugar, pois apenas registram passivamente sentimentos genéricos, sem articulá-los com uma individualidade especial. Um exemplo de "A Casa" (mantenho a pontuação e gramática do original):
"Rosana fez um lanche rápido. A hora do almoço tinha escoado com a ida não planejada ao doutor Samuel. Parou na Casa do Pão de Queijo e pediu um sanduíche Tropical. Não sabia que estava vivendo feliz, pois preocupada com a loja cheia e a possível demora na feitura do seu pedido, tinha esquecido momentaneamente dos comprimidos e do passado. Era por isso que lutava para continuar empregada. Precisava trabalhar para manter a casa, as filhas. Uma luta, sem dúvida. Mas o trabalho era necessário principalmente para absorver seus pensamentos, alienar seu eu e conservá-la longe do passado. O trabalho era necessário para mantê-la viva."
Esse efeito de superfície é análogo ao que consegue Paulo Coelho com seus personagens quase abstratos. Um minimalismo que exige pouco esforço de compreensão e simpatia, mas que também provoca pouco e rende pouco em termos de ampliação de horizontes humanos e culturais.
Por isso, é com mágica simplicidade com que a angústia é curada quando os personagens de "A Casa", graças à intervenção do fantástico, voltam a enfrentar as situações e as escolhas que os sobrecarregaram de culpa e consequências indesejadas. Corresponde à fantasia de quem sonha livrar-se do sofrimento com uma só sessão de exorcismo, descarrego ou terapia e seguir com uma versão mais feliz da vida de sempre, quando na vida real, isso exige um longo trabalho de reconhecimento e reflexão e, muitas vezes, o enfrentamento de decisões difíceis e de uma mudança de rumo. Mas como expor uma justa metáfora desse processo na linguagem simplista dessas obras?
Também chama a atenção a excessiva rapidez e facilidade com que filhos perdoam e esquecem longos períodos de descaso ou crueldade por parte dos pais e vice-versa. Reflete a convenção, cômoda, mas infelizmente falsa, de que no fundo, todos os filhos amam os pais e vice-versa e que cairão nos braços dos outros sem ressentimentos, uma vez que os mal-entendidos sejam esclarecidos.
Seria injusto, porém, dizer que André Vianco segue sistematicamente o caminho mais fácil: também aceita riscos. O primeiro deles foi o de escrever histórias de vampiros, anjos e demônios em cenários brasileiros urbanos (e suburbanos), contrariando o leitor acostumado com associar tais histórias ao glamour de ambientes de Primeiro Mundo. Depois, quebrou a expectativa de um público que esperava por novas histórias de seres sobrenaturais ao escrever sobre seres humanos como qualquer outro, embora confrontados com experiências inusitadas. Poderia apostar apenas em personagens e situações de fácil aceitação por um leitor mediano, mas também ousa convidá-lo, por exemplo, a pensar no ponto de vista de uma artista lésbica viciada em drogas (em "A Casa") ou de quem perde filhos de maneiras trágicas (em "O Caminho...").
Provavelmente, seus leitores estão preparados para descobrir uma linguagem um pouco mais refinada e ideias um pouco mais complexas e o autor é capaz de fornecê-las. A literatura popular também é necessária, e seria bom que tanto os autores se esforçassem para torná-la o melhor possível quanto os teóricos e críticos se dispusessem a orientá-los e esclarecê-los sobre a melhor maneira de entreter seu público sem subestimá-lo.