Raquelita 16/04/2024
"A vida sem ternura não é lá grande coisa "
Escrever essa resenha foi mais difícil do que todas as palavras difíceis que o Tio Edmundo poderia ensinar ao Zezé, porque primeiro eu tive que sair do mar de desconsolo em que eu mergulhei depois de saber de certas aflições vividas pelo pequeno "Gum".
A obra traz à tona o lado mais duro da vida, e em alguns momentos a sensação que eu tive foi a de caminhar sobre um campo repleto de espinhos. Mas quando a realidade é implacável demais pra uma criança encarar de frente, essa criança passa a enfeitá-la como pode.
Zezé deu o melhor de si para enfeitar a sua, ele se mostrou a mais doce das criaturas, mas não podia deixar de ser travesso. Esse parecia ser um traço que ele se orgulhava muito de ter, mesmo que todos à sua volta tentassem apagá-lo das maneiras mais injustas, por não saber, talvez, que essa era a forma do pequeno guerreiro pinagé de tornar a vida um pouco menos amarga.
O menino era mesmo muito incomum, porque quanto mais amarga a vida, mais doce ele era, isso fez meu coração esfarelar aos pouquinhos. Embora ele já estivesse convencido de que era mesmo tudo de ruim que diziam, fazer o bem era tão natural pra ele quanto respirar. Ele sequer percebia que era quem mais compreendia e via sempre o lado mais bonito de quem mais o negligenciava.
Não podemos dizer que ninguém soube reconhecer a doçura de menino que ele foi, eu não teria suportado se a história fosse essa. Mas me lembrei que por vezes, fora das histórias é assim, e isso me doeu mais que cortar o pé com caco de vidro e depois disso talvez o meu passarinho que cantava por dentro também tenha voado pra longe.
Zezé precisava de alguém que acreditasse que algo de bom pudesse florescer a partir dele, porque em sua curta vidinha, além das histórias fantásticas, bolinhas de gude e um pequeno pé de laranja lima, ele só tinha camadas e camadas de uma certeza muito sólida: ele era tudo de ruim que poderia haver no mundo.
Embora essa certeza fosse muito dura em seu coraçãozinho de menino de 6 anos, ela não poderia ter sido mais fácil de quebrar pra quem estava de fora. Nem todos quiseram quebrar, e alguns sequer sabiam que havia algo a ser quebrado ali, mas houveram sim pessoas com coragem de quebrá-la, e quando o fizeram, Zezé não se aguentou e faltou muito pouco pra que ele explodisse em ternura, afeto, amizade, amor e todas essas coisas que fazem da vida algo bom de se viver. Nesse momento eu vi que é muito simples fazer alguém explodir de ternura e isso é tão bom que pode fazer a gente explodir junto. Se um dia eu puder iluminar a vida de alguém dessa forma, vou sentir que a minha valeu a pena.
Assim como as fábulas, outras histórias podem nos ensinar lições, e esse me ensinou que [...] " A vida sem ternura não é lá grande coisa"[...]
Talvez seja um desejo impossível, mas queria que todas as crianças fossem mais comprendidas pelos de sua própria casa do que por um pequeno pé de laranja lima que cresce no fundo do quintal.