Coisas de Mineira 30/10/2020
O Menino na Ponte se passa no mesmo mundo de A menina que tinha dons, do autor M. R. Carey, um dos roteiristas de X-Men e Hellblazer, publicado no Brasil pela editora Rocco, através do selo Fábrica231.
Nessa história, um fungo foi o condutor pela quase eliminação da civilização humana – o Cordyceps. Bem legal que esse fungo realmente existe, e é o responsável por tornar algumas espécies de formigas verdadeiros zumbis ao liberar substâncias que, depois de um tempo, alteram o sistema nervoso delas, controlando suas ações. Carey imaginou esses fungos infectando os seres humanos!
“Na metade das vezes, eles não parecem perceber que estão mortos”
As pessoas que são infectadas pelo fungo perdem o controle do sistema nervoso, e consequentemente perdem o controle total de suas ações – é quando são chamadas de famintos, pois sua única atividade passa ser transmitir as estruturas reprodutivas para outros seres humanos através de fluidos corporais – bem zumbis…
Um grupo de sobreviventes montou um refúgio – em Beacon, Inglaterra, onde pesquisadores tentam encontrar uma vacina para a doença. E, para poder pesquisar em campo, constroem um blindado gigantesco – o Rosalind Franklin, equipado com um laboratório, com um grupo de pesquisadores e um de soldados que terão em mãos o futuro da humanidade.
Um dos pesquisadores é Stephen Graves, um jovem prodígio de apenas 15 anos e que foi responsável pela criação de um produto que repele os famintos. Mesmo tendo sucesso na criação do repelente, a equipe não está confortável com o menino, que parece estar no espectro autista – ao menos, foi assim que o percebi, já que isso não é discutido no enredo. Stephen mantem um laço afetivo com a epidemiologista Samrina Khan, que o resgatou em um ataque, no qual seus pais se jogaram sobre ele enquanto eram devorados por famintos – o que também poderia explicar o afastamento que Stephen tem de todos.
“O jeito como Greaves age, as coisas que faz… são extraordinários. Mas isso apenas é outro jeito de dizer que ele tem seus próprios mecanismos para lidar com as coisas. Não é prova de nada (de que ele é um gênio).”
Mas o restante da tripulação não enxerga o potencial no pesquisador, e acabam vendo-o mais como um estorvo, de tal forma que ele só consegue utilizar o laboratório do Rosalind quando nenhum outro pesquisador está trabalhando. Além disso, uma tripulação dividida em civil e militar, com seus respectivos comandantes, vivendo em um espaço confinado e à mercê das condições ambientais, acabam por entrar em choque, e o futuro da humanidade pode custar mais do que eles esperavam.
Eu havia iniciado a leitura de A menina que tinha dons anteriormente, e acho que, mesmo que os dois livros tenham personagens distintos, acredito ser melhor começar pelo primeiro. E, como sou bióloga, achei deliciosas todas as descrições tanto do fungo quanto da forma de infecção. Mas, não se preocupe, o autor traz as explicações científicas de uma forma bem simples, mas que pode deixar a leitura um pouco devagar.
O menino na ponte pode parecer apenas uma história diferente de zumbis, mas acaba sendo muito mais que um livro de ficção cientifica. Conhecemos bem a fundo a maioria dos tripulantes, mesmo que o foco seja no Stephen. Dentro do Rosalind, as interações entre eles tratam de amor, amizade, lealdade, ambição, subserviência, dever… É aquela leitura em que vamos ficando muito conectados ao que está acontecendo porque a situação é bastante humana e atual – um microrganismo sendo o responsável pela possível queda da civilização…
“O objetivo da história, sua própria essência como campo de estudo, é encontrar correspondências. Você olha para o passado para poder entendê-lo e, por meio disso, chegar a uma compreensão melhor de seu próprio tempo.”
Claro que um tema recorrente em histórias de zumbis é a perda da humanidade, e em como ela vai se desintegrando ao mesmo tempo que a própria civilização. Percebemos como isso acontece mesmo dentro do Rosalind, como as relações humanas se deterioram, e que depois é transposto para o próprio refúgio de Beacon. Mas, além da capacidade do personagem em buscar soluções, temos a presença da Doutora Khan, que é incansável na defesa do garoto, e coloca nele toda sua fé.
Eu gostei muito da escrita de O menino na ponte, e do teor, porque é sobre esperança, também. E achei interessante a reflexão sobre a ponte: dizem que
“A ponte mais difícil de cruzar é aquela que separa as palavras das atitudes.”
Sendo assim, a obra, já no final, a difícil decisão que coube ao protagonista, e como ele fez uma escolha que não foi fácil, já que significou abrir mão de coisas importantes em prol de um bem maior. Ainda, depois do final, temos uma passagem de 20 anos, quando a personagem do primeiro livro faz uma aparição… achei poético!
Recomendo para quem gosta de ficção científica, de estórias de apocalipses zumbis, de biologia e, por que não, para quem gosta de finais sobre esperança!
Por: Maísa Carvalho
Site: www.coisasdemineira.com/o-menino-na-ponte-m-r-carey-resenha/