Ana Luiza 26/06/2013
Resenha do blog Mademoiselle Love Books - http://mademoisellelovebooks.blogspot.com.br
Gilberto dos Anjos sofre de tanatofobia, uma fobia que se caracteriza pela sensação de extremo medo da morte. Ele já quase foi arrebatado pela Esquelética que tanto teme, mas, ironicamente, escapou ileso. O grande medo de morrer faz com que Dos Anjos tenha uma verdadeira obsessão pela morte, o que o leva a visitar necrotérios e enterros, ler a seção de obituários do jornal e até mesmo falar com aqueles que já não mais habitam entre nós.
Por causa do seu medo, Gil não consegue manter um emprego, relacionamento sério ou mesmo rotina certa, já que, de uma hora para outra, ele começa a achar que vai morrer e se isola na sua segura casa na serra carioca. Graças à herança deixada por seu pai, o homem fez do lugar um esconderijo impenetrável e moderno, cheio de atrativos para seus períodos de, como ele mesmo chama, “hibernação” e claro, muita segurança.
Em mais uma de suas crises, Dos Anjos arruma suas malas e cai na estrada, rumo a seu porto seguro. Por causa da chuva, ele para no meio do caminho para fazer um lanchinho, onde é abordado por uma bela e grávida mulher. Talvez pela beleza da mulher, ou por seu nome, Estela, ser o mesmo de uma coluna funerária, Gil acaba concordando em levá-la até a cidade mais próxima.
“Em meio à coreografia íntima que os embalava, Gil se deixou levar pelo espanto ao perceber sua entrega a uma perfeita estranha, tornada próxima, muito próxima, pelas circunstâncias. Era impressionante como certos tipos de perrengue aceleravam um relacionamento, impulsionando-o a ponto de queimar etapas que durariam meses ou ultrapassar barreiras que levariam anos.” (Pág. 116)
Entretanto, ao perceber que Estela não está exatamente indo para a cidade mais próxima, ou qualquer outra que venha depois dela, Gil entende que algo não está certo. Acontece que Estela está fugindo de um homem que, pelo o que ela dá a entender, é muito perigoso. Conforme vai se aprofundando nessa história em busca da verdade, Dos Anjos acaba por entrar em um caminho sem volta, que pode acabar naquilo que ele mais teme: morte.
“O homem é o único animal que sabe que vai morrer. Gilberto dos Anjos, mais do que qualquer outro exemplar da espécie, acredita piamente nessa hipótese. Agora ele tem consciência, inclusive, de que a morte está mais próxima do que nunca. Ela tinha até uma cara. No caso, uma fuça coletiva, com direito a trilha sonora.” (Pág. 111)
Recheado de ação, humor e belíssimas referências cinematográficas, “Carniça” se mostrou uma leitura surpreendente e muito divertida. Peguei o livro com boas expectativas, confesso que atraída principalmente pelo título incomum e capa divina, mas acabei sendo surpreendida e encantada pela trama e narrativa do autor. Liporage executou com perfeição uma narrativa em terceira pessoa super cativante, divertida, inteligente e que flui com muita facilidade, além de trazer uma belo toque brasileiro, com expressões comuns do nosso dia a dia (ou não). A trama, também traçada e desenvolvida com maestria, é inteligente e cativante, além de se desenrolar rápida e naturalmente.
Os personagens, assim como a trama e a narração, me conquistaram logo no início. Com características e papel próprios na trama, cada personagem deixou sua marca e contribuição e, apesar de terem se desenvolvidos em cima de clichês, em momento algum foram entediantes ou pouco convincentes. É impossível não gostar de Gilberto dos Anjos, que, apesar de sua paranoia e obsessão pela morte, tem uma postura realista e completamente anti-heroica que o deixa um personagem divertido e cativante. Estela, a misteriosa e bela mulher, também conquista com seu romantismo escondido por trás do passado perturbado e postura despojada.
A editora, como sempre, fez um belíssimo trabalho com o livro. A diagramação estava perfeita e, apesar de não gostar de páginas brancas, aqui elas não se tornaram cansativas. O tamanho e tipo de fonte também ajudaram a deixar a leitura ainda mais confortável. Mas, o maior mérito dessa edição é a capa. O contraste das penas pretas, assim como o vermelho do título, contra o fundo branco ficou incrível. O nome do autor, assim como o nome do livro, são em relevo, mas, o melhor foi o título em letras disformes, como se escritas com sangue. Quem me conhece sabe que amo esse tipo de detalhe, que deu um toque mórbido e elegante para o livro.
“Carniça” acabou entrando para minha lista de favoritos. Com uma edição e história divinas, é possível não amar o livro. Entretanto, não o recomendo para todos. Aqueles que, como eu, amam uma história bem construída e narrada de forma divertida, quase irreverente e beirando ao humor negro, mas que não deixa de ter um toque de morbidez e terror, podem ir em frente, tenho certeza de que irão gostar. Agradeço a editora pela oportunidade de ler um livro tão bom e descobrir um autor tão talentoso. Não conhecia o Liporage, mas me encantei por ele e fiquei curiosa para ler outras obras suas. Mas, pelo que pude perceber, ele é mais do ramo do cinema, o que explica o fato de eu ter lido “Carniça” com aquela sensação de que estava vendo um ótimo filme.
Autora da resenha: Ana Luiza Ferreira (La Mademoiselle)
Resenha do blog Mademoiselle Love Books - http://mademoisellelovebooks.blogspot.com.br
site: http://mademoisellelovebooks.blogspot.com.br/