Angélica 19/03/2012O Mapa do Tempo A possibilidade de viajar no tempo é um tema que, desde o seu surgimento, encantou a humanidade. Afinal, quem não gostaria de ter a chance de corrigir os erros do passador, ou de viajar ao futuro para descobrir o que afinal nos espera? Mas apesar de ser um tema ainda muito sonhado e discutido, o auge da popularidade das viagens temporais foi certamente o século XIX. Com a ciência gerando novas descobertas a cada dia, o homem passou a sonhar cada vez mais longe, até que os romances de ficção científica o levaram a imaginar o que estaria esperando pela humanidade no futuro distante. Um dos principais estopins para esta discussão foi o livro “A Máquina do Tempo”, do escritor inglês H.G. Wells.
“O Mapa do Tempo”, romance que agora irei comentar, é, além de um ótimo livro de ficção histórica e científica, uma brilhante e original homenagem aos sonhos que a viagem temporal suscitou na mente dos homens e mulheres do século XIX, e também ao homem responsável pela obra que desencadeou este “sonho coletivo” (e que, aqui, passa de figura histórica a personagem).
Infelizmente, não poderei comentar muito sobre o conteúdo da história, nada que vá além do que a sinopse oficial já revela. O motivo é simples: este é um romance criado para surpreender o leitor. E, pode ter certeza, ele cumpre esta função tão bem quanto nenhum outro. O autor nos engana várias vezes ao longo do livro, e de maneira tão engenhosa que é praticamente impossível desconfiar quando estamos caindo em uma de suas armadilhas.
O romance é dividido em três partes. Cada parte é como se fosse uma história isolada, ligada às outras duas somente pelo universo comum que as cerca e por algumas personagens recorrentes. O cenário é a Londres de 1896. Nesta época o culto à ciência atingia seu auge, e tudo parecia possível. Assim, não era de se estranhar que, depois do furor causado pelo livro “A Máquina do Tempo”, surgisse em Londres a empresa “Viagens Temporais Murray”, que oferecia nada mais nada menos do que excursões através do tempo – no momento em que se passa a trama, a empresa estava oferecendo viagens ao pós-apocalíptico ano 2000. Todas as tramas estão ligadas à empresa de uma maneira ou de outra: Na primeira conhecemos Andrew Harrington, rapaz infeliz que desiste do suicídio ao descobrir a possibilidade de regressar ao passado, e assim evitar a morte de sua amada nas mãos de Jack, o estripador. Na segunda parte somos apresentados à Claire Haggerty, uma jovem audaciosa e com uma mente a frente de seu tempo, que após uma excursão ao ano 2000 acaba se apaixonando pelo capitão Derek Shackeleton, o salvador da humanidade naquele futuro devastado. Quanto à terceira história... Bem, essa eu deixo para que vocês mesmos descubram, já que falar muito sobre ela pode roubar parte de seu encanto.
A ambientação das histórias é muito bem feita. Os cenários, os hábitos e costumes das personagens são detalhadamente descritos, de modo que se torna uma tarefa simples para o leitor mergulhar na Londres vitoriana. A ambientação, porém, não se limita apenas à história do livro: em um divertido exercício de estilo, o autor aproveita o tema de sua história para empregar, ele também, vocabulário e estilo narrativo típicos dos romances do século XIX, sem deixar, no entanto, de mesclar a este “pseudo-estilo” o seu modo de escrita pessoal. Suas divertidas ironias, a maneira como nos conta os hábitos e pensamentos mais ocultos e embaraçosos de seus personagens, além do hábito de dirigir-se várias vez durante o livro diretamente ao leitor, me fez lembrar os momentos mais brilhantes de Machado de Assis. Mas não se preocupem, aqueles que não simpatizam com o escritor brasileiro não tem nada a temer: apesar de toda sua criatividade, a narrativa de Félix J. Palma é de fácil compreensão, e tem uma notável capacidade de envolver o leitor.
Outro traço narrativo que não deve ser esquecido é o humor, muito presente no romance. Ao invés de tentar criar cenas originalmente feitas para fazer rir, o autor optou por outro caminho: expor os pensamentos de seus personagens, mesmo nas situações mais constrangedoras e/ou embaraçosas. Isto, somado aos comentários irônicos do próprio autor em relação às várias situações da trama, cria um humor leve e eficiente, que em nenhum momento parece forçado.
Os personagens também são um ponto de destaque. Ricos ou pobres, virtuosos ou malandros, todos são descritos de maneira tão original que fica difícil não simpatizar com eles. H.G. Wells, que aqui aparece como personagem, é provavelmente um dos mais simpáticos de todo o romance: de início, ele surge na história através de breves aparições, mas sua importância vai crescendo à medida que a trama avança.
Comecei a ler este livro imaginando que encontraria um típico romance steampunk, mas “O Mapa do Tempo” vai muito além disso. Com um estilo original e uma trama que é, ao mesmo tempo, envolvente e surpreendente, este livro é uma ótima leitura não apenas para os fãs de viagens temporais, mas para todos aqueles que gostam de sonhar.