@fabio_entre.livros 01/09/2018
... E o vento voltou
A leitura de “O clã de Rhett Butler” é uma experiência similar à de “O retorno ao Morro dos Ventos Uivantes”, de Lin Haire-Sargeant; ambas as obras funcionam não necessariamente como sequências, mas como complementos dos textos originais, explorando lacunas e possibilidades de desdobramentos coerentes dentro das narrativas em que se baseiam. No caso deste livro de Donald McCaig essa ideia vem bem a calhar, uma vez que “E o vento levou” já teve uma sequência publicada no início dos anos 90, intitulada “Scarlett”, autorizada pelos herdeiros de Margaret Mitchell e escrita por Alexandra Ripley. Contudo, o livro de Ripley não foi bem aceito pela crítica e nem por grande parte dos leitores de “E o vento levou”, o que fez com que os detentores dos direitos do livro contratassem McCaig para escrever um novo texto, ignorando o de Ripley.
McCaig não foi uma escolha aleatória; ele é um autor e historiador premiado por “Jacob’s Ladder”, romance que também aborda a Guerra Civil americana. Para escrever “O clã de Rhett Butler”, ele começou a estudar a obra de Mitchell ainda durante a década de 1990, levando doze anos para finalizar e publicar este livro. Tendo levado tanto tempo para ser concluído, pode-se pressupor que o livro é tão extenso quanto o romance original, mas não é. Embora aborde um período maior do que o que é narrado em “E o vento levou” (já que começa bem antes dos eventos contados nele, por volta de 1840, e continua além daquele final aberto, até meados de 1870), o livro tem um estilo mais econômico e direto, ocupando pouco mais de 500 páginas. A edição da Rocco, especificamente, tem fonte grande e diagramação espaçosa, o que torna a leitura ainda mais ágil.
Em relação à história, como o próprio título indica, acompanhamos a trajetória da família Butler desde a infância de Rhett até suas ligações com os eventos apresentados em “E o vento levou”. O autor aprofunda alguns fatos parcialmente citados no livro original, como a juventude difícil de Rhett, sua relação conturbada com o pai, suas aventuras amorosas antes de conhecer Scarlett e suas peripécias como “especulador” e minerador. Apresenta também um desenvolvimento muito interessante para outras situações, como a “verdadeira” história por trás do escândalo da moça com quem Rhett se recusou a casar, o real motivo por que ele se juntou ao exército confederado tardiamente após a fuga com Scarlett do incêndio em Atlanta, o assassinato que ele cometeu contra o negro que desrespeitou uma dama branca e sua verdadeira relação com Belle Watling.
Além dessa expansão de eventos ocorridos e subentendidos em “E o vento levou”, McCaig apresenta uma grande variedade de novos personagens que têm vínculos de parentesco ou afinidade com os já conhecidos. Nesse ponto, o destaque fica nos Watlings, cujas vidas estão intimamente ligadas às do clã Butler, acarretando um ciclo de desgostos e tragédias presente desde o início do livro – com um duelo malsucedido – e no desfecho, com a morte de uma personagem de grande importância na história.
O livro é dividido em três partes, sendo que as duas primeiras (“Antes da Guerra Civil” e “A Reconstrução”) recontam parte dos fatos narrados em “E o vento levou” sob a perspectiva dos Butlers, que, naturalmente, não são espectadores passivos daqueles acontecimentos. E se no livro de Margaret Mitchell prevalecem o ponto de vista de Scarlett e a representação da vida dos civis nas cidades sulistas durante a guerra, “O clã de Rhett Butler” envereda convenientemente por um caminho mais “masculinizado”, apresentando a vida e os planos dos homens (destacando os novos personagens criados por McCaig) nos campos de batalha.
A terceira parte do livro, “Tara”, é onde o autor dá o desfecho para a saga dos O’Haras e dos Butlers, interligando os arcos narrativos criados por ele neste livro com o final sugestivo deixado por Mitchell no livro original. Nessa parte, Scarlett retorna a Tara, planejando reconquistar Rhett, que está na Europa, curtindo a sua sofrência enquanto busca algum sentido para a própria vida. Mas as coisas não saem como esperado e Scarlett tem de comer o pão que o diabo amassou antes de se permitir ter um “final feliz”. Novas peripécias a aguardam e mais uma vez ela precisa de toda a coragem e determinação para enfrentar os problemas que ameaçam Tara. Quanto ao final da história, é bem “pé no chão”, plausível e digno: uma catarse que só poderia mesmo ser obtida na terra vermelha onde tudo começou.