spoiler visualizarfranrompk 05/02/2022
Shakespeare é uma figura meio que santa, intocável no meio literário, ainda que um ou outro tenha se atrevido a colocar em discussão seus méritos. Mas isso é para quem pode. Para quem não pode, resta, muitas vezes, uma curiosidade acanhada, um medinho de não entender a peça saída da pena desse bardo mítico e aqui faço um mea culpa.
Mas não precisa ser assim. Lembro que muito tempo atrás vi um documentário que dizia que Shakespeare era pop no seu tempo. Pop mesmo. Tietado por populares e aristocratas. E, pasmem, só então me dei conta de que ele até hoje está na boca do povo, com suas máximas do ser ou não ser, do julga nossa vã filosofia, do tenha mais do que demonstras e etc.
Entretanto, mesmo assim, o medo de enfrentar o Bardo dos Bardos demorou a passar... Demorou demais. E no fim, que me motivou a me aventurar na leitura foi uma palestra que tive o prazer de assistir com o tradutor para a Companhia das Letras da obra, o professor Lawrence Flores Pereira. Que curiosidade me acudiu ao ouvi-lo falar sobre essa peça tão intrigante, tão estranha!
E no fundo é isso. Às vezes precisamos de um incentivo externo. A fruição de certas leituras, me parece, se torna mais produtiva se temos um guia, ainda mais diante do lapso de tempo que nos separa dela. Não é vergonha ter ajuda, ter uma noção de por onde caminhar para entendê-la, ter um norte. Certas nuances só são notadas assim. E a edição comentada da Companhia oferece isso e muito mais.
Que encantador este bobo (um bobo que não é bobo, claro, que é bobo por profissão), que tem uma clareza quase divinatória sobre o que está acontecendo na trama e com o seu Rei; um Rei cuja loucura é ainda mais pronunciada pelo contraste com este Bobo! Que figura espetacular a de Edgar, o pobre Tom, um ator que atua dentro do personagem que é, óbvio, um ator no teatro, transformado ao fim e ao cabo da narrativa em cavaleiro (personificação inaudita que traz à luz uma Tradição) que reordena a história partida e caótica. Partida pela ambição, pela loucura, pela vaidade, pela recusa da responsabilidade...
Eu poderia falar dos demais personagens também, porque são todos tão incríveis, tão ricos! Mas muitas e muitas páginas já foram escritas, muita e muita tinta empregada para falar desse nosso novo amigo Shakespeare. Pessoas que dedicam seu tempo todo a ele e que fazem nosso caminhar por suas veredas mais prazeroso.