O Trato dos Viventes

O Trato dos Viventes Luiz Felipe de Alencastro




Resenhas - O Trato dos Viventes


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Laryssa 04/09/2023

Importante trabalho historiográfico para se compreender o tráfico de almas no Brasil colonial. O autor faz análises significativas de docinhos importantes que desvendaram aspectos pouco estudados das relações entre Brasil e África.
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Wagner 05/07/2019

O ABACAXI QUE ESTÁ PERTO DO SOLO.

(...) No palácio de Abomey, capital do antigo reino de Daomé, o mural do rei Kpengla (1774-1789) representa um abacaxi ilustrando um provérbio local sobre as virtudes da modéstia; " o raio atinge a palmeira, mas nunca toca o abacaxi, que está perto do solo (...)

in: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes. São Paulo: Cia das Letras, 2000. pg 94.
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Marcello Becrei 13/11/2017

Ótima, e "diferente", análise da formação do Brasil.
Luiz Felipe de Alencastro - em uma ótima edição da Companhia das Letras - entrega uma análise da formação do Brasil em uma chave diferente da que nos acostumamos nos estudos de história.
O sentido da formação do Brasil voltado para fora, como em Caio Prado Jr., não é, de todo, abandonado, porém, Alencastro vê que o Brasil voltado para fora não se orienta apenas na relação Brasil-Portugal. O livro gira em torno da relação Brasil-África Central ou Brasil-Angola, e, portanto, na relação luso-africana.
Alencastro - professor com uma vasta, e respeitada, carreira acadêmica -, aqui, demonstra a importância dos estudos do comércio bilateral entre Brasil e Angola (em termos que vão além do econômico) para análise da formação do Brasil através de um extenso levantamento de fontes, a maioria delas referentes ao período entre o séc.XV e XIII.
O livro tem uma escrita bem fluída e de fácil apreciação.
Para os já acostumados com leituras sobre história do Brasil colonial e para a galera que está entrando nessas leituras, O Trato Dos Viventes é uma excelente leitura!!
Recomendo a todos..
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superpatrixxx 12/08/2012

A centralidade do escravismo para a formação do Brasil - julho de 2009
Introdução

Antes de tratar da criatura, melhor falarmos do criador. Luiz Felipe de Alencastro é professor titular da cátedra de história do Brasil da Universidade de Paris IV em Sorbonne. Intelectual sediado nas regiões boreais de onde tece observações das regiões austrais, como brinca em seu blog Sequências Parisienses, Alencastro é daqueles que acreditam que recapitular sob novos termos – melhor seria dizer, recapturar - a natureza histórica do tráfico negreiro e do escravismo é indispensável para lançar qualquer tipo de compreensão lúcida sobre o Brasil – seja colonial, imperial, independente; seja moderno ou contemporâneo.
Destino de quase a metade dos escravizados extraídos do continente africano, nosso país singulariza-se em sua participação no tráfico tanto pela expressividade aterrorizante dos números – dos cerca de 12 milhões de africanos subtraídos de suas sociedades de origem, mais de 4 milhões de viventes aportaram aqui, semi-vivos, entre os séculos XVI e XIX - como pela dimensão que a escravidão enquanto instituição reveste-se junto ao processo de nossa formação e de participação na modernidade. Entranhado em todos os aspectos da vida social brasileira, o escravismo é portanto nosso fundamento histórico no qual se assenta a construção de nossa soberania nacional e nossa inscrição na economia-mundo.
Esta é apenas uma das notáveis reflexões que permeiam este livro premiado, muitíssimo resenhado, comentado, criticado, polemizado. Aventurando-nos por suas camadas e múltiplas possibilidades de leitura do real, desde o esforço de acompanhar suas contribuições e aproximações às tradições historiográficas inglesa, francesa e nacional, até deixarmo-nos lançar junto com o autor – historiador de sólida formação etnológica, política e econômica – nesta densa travessia oceânica, em direção ao vasto mundo que se desenhava pelas aventuras do império lusitano no Atlântico Sul, responsável pelo mais significativo movimento diaspórico da humanidade.

O tráfico como política de unidade

Empreendimento de fôlego portanto, O Trato dos Viventes investe na atualização metodológica pela incorporação de fontes documentais que abarquem a lusofonia, dado a importância do português como língua franca nas transações comerciais no mundo que começava a se delinear sob a égide do mercado e no qual as fronteiras nacionais ainda não faziam sentido. Tal postura assenta-se também na noção de império, contribuição da historiografia inglesa, que amplia a compreensão da dinâmica do tráfico como articulador de diferentes espaços coloniais em uma mesma política ultramarina.
Desde as ilhas atlânticas, a costa africana até as terras americanas, o mundo lusitano colonial configurou-se a partir de intenso processo de aprendizados e experimentações até a Coroa portuguesa encetar os ajustes necessários em sua política no ultramar para conduzir a dominação de suas conquistas à efetiva exploração. Culminando no vínculo mercantil estreito entre Brasil e Angola, a unidade econômica do projeto colonial no ocidente constrói-se a partir da bipolaridade assimétrica entre as colônias pela evitação de esquemas econômicos conflitantes nos dois lados do Atlântico Sul.
O sistema oceânico emerge assim na análise de Alencastro como um espaço econômico unificado pela complementaridade entre zonas de reprodução social de energia humana, expropriada no lado africano, transportada para o lado americano para aqui ser empregada nas zonas de produção agro-exportadora.
Aqui, a concepção externalista da tradição historiográfica – na qual, o Brasil se forma fora do Brasil - revitaliza-se na abordagem sul-atlântica, dentro da qual a dinâmica dos vínculos econômicos entre Brasil e África, estruturada a partir do trato negreiro, reivindica que o processo de formação do Brasil assenta-se primordialmente na África.

Os nós do trato negreiro

A atuação articulada dos grupos de interesse nos dois lados do Atlântico, desde a participação direta na pilhagem dos povos africanos até a institucionalização da propriedade escrava dentre nós - disseminada por todos os segmentos sociais livres, que de fato singulariza o processo de formação de nossa sociedade -, evidencia a unidade econômica da política ultramarina assentada no tráfico. A influência das elites emergentes espelham-se tanto nas bandas de cá do Atlântico como nos acontecimentos na África Central, onde encarnavam a força de atração das rotas mercantis do continente africano em direção ao Atlântico, além do braço militar e administrativo que auxiliava a Coroa a manter unidas suas colônias em torno do tráfico negreiro. Agentes da conquistas, as elites luso-brasileiras e luso-africanas decerto passaram paulatinamente a revestir-se de certo grau de autonomia, mas sem chegar a nublar os interesses metropolitanos graças ao sistema de coadunação proposto pelo tráfico, posto que é em torno dos ideais políticos que substanciam a Coroa portuguesa que se aglutinam os interesses econômicos privilegiados.
Atando pelos nós do tráfico negreiro, a metrópole portuguesa constrói garantias de atrair para si os frutos da exploração ao colonizar não só os nativos, avassalando-os, mas mantendo sob controle seus colonos em ambos os lados do Atlântico Sul. É no oceano portanto, para além dos acontecimentos encerrados em nosso território de então - cujos contornos acompanhavam os ventos do comércio marítimo negreiro, no circuito que unia Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Luanda e também Buenos Aires, mas mantinha em segundo plano Maranhão, Pará e São Paulo de Piratininga -, onde emerge a compreensão das condições de domínio sob o colonato e da emergência da classe mercantil vinculada aos interesses régios pelo trato negreiro.
Ao manejar o acesso à energia humana necessária para o empreendimento agro-exportador, o tráfico assegurava ao império, além do controle sob seus próprios colonos, a efetivação da exploração colonial, indispensável ao fortalecimento da monarquia portuguesa. Tais dinâmicas revelam a prioridade do comércio marítimo na condução do empreendimento colonial, evidente no caráter secundário do processo de interiorização do país no processo de nossa formação, responsável de fato pela ampliação de nossa fronteira ocidental, porém subordinado à dinâmica imposta pelo tráfico e aos ditames políticos da Coroa portuguesa que priorizam as rotas comerciais atlânticas.
A perspectiva a-territorialista evita portanto o lapso, ainda recorrente na historiografia nacional, que insiste em conceder maior relevância aos eventos circunscritos ao interior da América portuguesa para a compreensão do processo de nossa gênese, sem o esforço de vinculá-los no âmbito mais amplo da economia-mundo e a percepção do tráfico negreiro como elemento potenciador para o projeto colonial português.

A opção pelo africano

Cumpre demonstrar como a opção pelo africano vai ganhando inteligibilidade econômica e política até constituir o sistema escravista português. Assim, passeando pelas vicissitudes do império no Ocidente, em suas idas e vindas, recuos e acertos, Alencastro amplia a compreensão do escravismo levando-nos à África, onde os portugueses marcam indelevelmente as dinâmicas das formações sociais que encontram, ao drenarem para o Atlântico o sistema de rotas comerciais preexistente, onde o escravo já se destacava dentre outras mercancias.
Mais do que negócio lucrativo, do qual provinha parcela significativa das receitas régias pela venda dos contratos comerciais e pela taxação da mercadoria viva, o tráfico oferece as condições extra-econômicas da opção pela escravização do africano assentada assimetria nas relações inter-coloniais.
De tal modo que Alencastro lança a provocação: terá sido o negro africano o primum mobile? Graças à extraterritorialidade da reprodução social da força de trabalho, o negócio de viventes revelava-se duplamente atrativo para a Coroa portuguesa sob o aspecto político. A expropriação da força de trabalho, em forma de homens adultos, das populações nativas, onera somente a estas - que enfraquecidas se esfacelavam ou se deixavam capturar pelas malhas comerciais atlânticas.
Será a partir da África e do suprimento de africanos que o comércio transatlântico amarra também à América espanhola, daí drenando via contrato dos Asientos a prata peruana que chegaria até às águas do Índico e movimentaria o vigoroso comércio do Oriente, até sua decadência graças às investidas de outras potências, quando resta à Coroa portuguesa ocupar-se em preservar seu império no Ocidente – África Central e América. Em Lisboa, centro de decisões deste império, observa-se uma reorientação de interesses cada vez mais rumo ao Atlântico Sul pela força de atração do comércio negreiro conforme este torna-se responsável pelo grosso das receitas régias.
Na América portuguesa, os dilemas impostos à Coroa pelas disputas entre o clero e o colonato pelo controle dos nativos, concorrem para a opção pela mão-de-obra africana, como instrumento de coordenação de interesses às malhas atlânticas, consubstanciadas por contribuições de ordem ideológica. Elaborada pelos jesuítas, a justificativa moral para o tráfico negreiro - negócio do qual muitos deste se beneficiam, dele participando diretamente – alicerçava-se no imperativo da evangelização, sob o qual o africano era conduzia ao trabalho redentor na América. De fato, a grande influência exercida pelos ideólogos e dirigentes da Sociedade de Jesus nos dois lados do Atlântico superava a mera adequação das atitudes dos colonos em relação aos escravizados; visava sim garantir mecanismos de controle para melhor compor a unidade moral do império, pela complementaridade missionária das colônias: da África, libertavam-se os africanos do paganismo para na América escravizarem-se ao mundo cristão.
Os ideólogos da Companhia de Jesus oferecem ao empreendimento colonial em suas produções intelectuais, fruto de intensos debates, e participação direta, as bases em que se difundiria entre nós o humanismo, mesclado como tudo mais, ao escravismo – sem sombra de contradição com a postura pró-indígena, de cunho mais estratégico do que humanitário.
Alencastro empreende uma proposta de desmistificação de figuras como o Padre Antônio Vieira, grande ideólogo do tráfico de escravizados e, fora do mundo católico mas ainda no mundo cristão, ou Maurício de Nassau, outro ilustre defensor do negócio negreiro, cujo o papel fica mais claro quando Alencastro abandona a análise sincrônica e dedica-se aos desdobramentos do conflito luso-holandês.
É neste período que se patenteia a bipolaridade do sistema escravista, já neste momento, luso-brasílico, ameaçada pelas investidas dos holandeses simultaneamente na América e na África. No cenário do pós-Guerra dos 30 anos, Alencastro exibe os desarranjos que começariam a ameaçar o império lusitano do ocidente, quando Portugal e Espanha são suplantados pela Inglaterra e pela Holanda. Ameaça postergada pelos intensos fluxos comerciais que vinculam de modo dinâmico as trocas atlânticas nas duas bordas meridionais do oceano graças a importância econômica, militar e alimentar das moedas-mercadorias, como a mandioca, o tabaco, a cachaça, para o trato negreiro. Das quais as demais potências não dispunham.
Redes comerciais garantidas sobretudo pela ação direta dos agentes coloniais da América portuguesa que se unem aos grupos de interesse africanos, lhes influenciando os desdobramentos e decisões, auxiliando-as na pilhagem e por intermédio delas avançando rumo ao interior, impondo novos contornos às organizações políticas, dizimando-as ou submetendo-as.

Preocupações Atualíssimas

O que afinal vincula a África ao Brasil? Quando e onde suas histórias se imbricam e chegam a compor uma única história? Como a história da África pode revelar a história da formação econômica e social do Brasil? E, sobretudo, como mais um estudo sobre o tráfico de escravizados africanos pode contribuir para a compreensão da implantação e persistência do racismo no Brasil? Afinal, o que singulariza o Brasil?
O livro de Luiz Felipe de Alencastro revigora muito desses questionamentos. Ele não invoca apenas uma releitura do processo de formação do Brasil, a partir do reconhecimento da contribuição africana. Impõe a historiadores e demais cientistas sociais reconsiderar a complexidade do período de inserção perversa dos continentes americano e africano na modernidade e atualiza a compreensão dos séculos XVI e XVII em um âmbito muito mais complexo e de longa duração, o da formação da economia-mundo, tendo o nexo Brasil-África como uma de suas peças fundamentais - e não meros e passivos acessórios do que hoje conhecemos por Ocidente. Daí emerge nossa contribuição e também a africana à modernidade, mas sobretudo, a raiz da subalternidade que ainda se mantém entre parcelas humanas significativas de nosso país e do continente negro.
Do ponto de vista da política internacional, recuperar historicamente as bases assimétricas em que nasceu este vínculo atlântico está na ordem do dia conforme avolumam-se os investimentos em África e os interesses econômicos se firmam politicamente. As relações comerciais entre os dois continentes retomam-se sob uma nova égide, sem dúvida, mas as disparidades de um mesmo passado colonial impõem soluções conjuntas.
Do ponto de vista da vida política e social do país, apoiado nas atuais projeções demográficas que apontam um crescimento da parcela de afro-descendentes dentro de duas décadas, graças ao declínio da natalidade entre brancos e a queda menos significativa da natalidade entre pardos e negros, o Brasil voltará a ser como fora antes de 1850: uma nação formada em sua maioria por negros e mulatos. Verdadeiro impasse para as elites dirigentes e para os intelectuais que os substanciam, os impactos do escravismo no Brasil revelam-se na persistência do racismo como mecanismo de controle e obstáculo à ascendência social do que será dentre em breve parcela significativa do país.
Aliás, as reflexões desenvolvidas em O Trato dos Viventes oferecem possibilidades de compreensão sobre a gênese mesma dessas elites, no quadro mais amplo do escravismo e do tráfico negreiro, instituições que fundamentaram nossa configuração por mais de três séculos e que desembocaram na nosso estilo violento de resolução de conflitos e de nosso racismo à brasileira – lá fora, reverenciado como contribuição valiosa do modo lusitano de colonizar; aqui, algo a esquecer e dissimular enquanto persiste como verdadeiro entrave à noção mais arejada de direitos civis; obstáculo, sem dúvida, ao desenvolvimento mesmo do país. Daí o posicionamento político do autor – e talvez o porquê do incômodo e polêmicas que tanto suscita – lúcido e favorável às políticas de reparação aos afro-descendentes.
Ao acompanhar Alencastro, fica evidente sua firme proposta de produzir uma história de longue durée, e de onde extraímos a valiosa lição de que é impossível descolar impunemente as preocupações sobre a atualidade das reconsiderações sobre o passado. Obviedade que ainda emperra produções intelectuais academias afora pelo Brasil adentro, que ao enveredar pelo esquecimento, desconsideram a contribuição forçada da África para a formação do Brasil e pretendem lançar considerações a partir do vácuo para desqualificar os movimentos por reparações ao povo negro.
Destarte, o que move Luiz Felipe de Alencastro por suas instigantes reflexões em seu O Trato dos Viventes - livro que oferece múltiplas possibilidades de interpretação e nexos angustiantes àqueles que preferem a mistificação à ciência, ou mesmo à pura e simples observação das ruas - é demonstrar que o tráfico negreiro e a escravidão são traços fundamentais para a constituição do estado nacional que viria e ainda vem a ser o Brasil e com tudo o mais que o singulariza, desde o uso indiscriminado da violência, a mestiçagem assimilacionista, mas excludente e a segregação sócio-rácio-espacial, dissimulados pela fé na gênese de uma raça nova, a civilização brasileira.

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Nati 11/01/2010

Mais do que escrever um livro sobre a história do período colonial vivido pelo Brasil, Luiz Felipe de Alencastro mostra a importância de não analisá-lo como uma época reclusa ou apenas ligando-o às rédeas metropolitanas: é preciso enxergar além. É preciso enxergar um mundo ultramarino no qual a América portuguesa se incluía. A formação do Brasil e o sentido da colonização, vertentes delicadas dos estudos históricos brasileiros e, às vezes, evitada pelos historiadores, são lidadas pelo autor, atual professor titular da cátedra de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne e organizador do volume 2, Império – A corte e a modernidade nacional, de 1997, da História da vida privada no Brasil, que procura mostrar como o “Brasil se formou fora do Brasil”.



De início, o autor aponta como formou-se a colonização: ela não era um processo já pronto, mas sim um resultado de aprendizado dos colonos. Em seguida, mudando de margem atlântica, a análise vai à África, focando nas rotas comerciais das caravanas, e como elas foram vencidas pelas caravelas, a partir de análises materialistas e de ideologias cristãs. A "transmigração" negreira do atlântico-sul novamente endossa o coro da impossibilidade de separação das costas atlânticas. Este "miolo negreiro" tinha como centro a capital lusa e Alencastro parte a mostrar como se articulava essa Lisboa com o tráfico de escravos, passando por banqueiros, asientistas e perseguições a cristãos-novos, e apresenta mais uma face ao processo, quando cogita o "comércio triangular negreiro".



A sociedade escravista brasileira não se ocupava somente do trato negreiro. Para não negligenciar esse aspecto importante, o autor apresenta a escravidão indígena na América portuguesa. O interesse na preservação das sociedades indígenas passava por vários aspectos, desde um aliado em potencial aos assédios estrangeiros ao novo mundo, potencializados pela fraca presença militar, até a opção ideológica de evangelização. Em seguida, a evangelização negra é tratada por Luiz Felipe de Alencastro, que traz à tona a teoria fundamentadora de Padre Antônio Vieira: só os negros cristãos conheceriam o resgate eterno do Paraíso. Os outros, vivendo no paganismo na África, estavam condenados ao Inferno.



As invasões holandesas e seus conflitos, que dominam a próxima parte da análise, são um ponto alto na análise de Alencastro: a presença holandesa no nordeste da América Portuguesa e em Angola, acionou os colonos de modo que ficou provado que sem um lado não existia o outro. Protagonizado pelos fluminenses – surgindo a figura do paulista como "anti-metropolitano" e "anti-jesuíta", um quase vilão na construção deste mundo Atlântico –, o movimento brasílico inicia a retomada de Angola assim como a expulsão holandesa do nordeste. Fechando o desenvolvimento, o último capítulo tem como foco a "Angola Brasílica", fruto do universo do Atlântico-Sul, e a maneira com que foram impostos os interesses luso-brasílicos na África.



Ao finalizar, a pergunta é retomada: o que Luiz Felipe de Alencastro quer dizer com a “Formação do Brasil no Atlântico Sul”? Talvez queria compartilhar da idéia de Charles R. Boxer, que alega a existência de um imperium português. Talvez queira também mostrar que é preciso abrir os olhos para entender o Brasil como parte integrante de um processo e não como uma vítima da vontade lusitana. É claro que a metrópole teve a chance de exercer seu papel, e assim o fez, mas, assim como Portugal, Angola e Brasil também foram agentes históricos. E de tal maneira, formou-se um mundo entre essas partes. Simbiose, desenvolvimento mútuo que, inegavelmente, foi possível pela mentalidade lusa de governo e todos os entremeios sucedidos nos três séculos de colonização. Desta maneira, fica ainda mais inteligível o processo de formação do Brasil como "de um império a outro", conforme as idéias da Wilma Peres Costa. Por tudo isso, a obra de Luis Filipe de Alencastro é indispensável para, além do entendimento da formação brasileira, perceber e entender as relações humanas no tempo e espaço, de forma conjunta, o que é o cerne da análise historiográfica atual.




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Luiz Souto 18/02/2010minha estante
Excelente resenha!




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