quefrenjr 09/12/2009
A Devassa da Devassa
O livro “A devassa da devassa – a Inconfidência mineira: Brasil e Portugal, 1750 – 1808” do historiador inglês Kenneth Maxwell, com sua primeira publicação em 1973 pela Cambridge University Press com o título “Conflicts and conspiracies: Brazil & Portugal, 1750 – 1808” tem como objeto de análise as relações entre Portugal e Brasil na metade do século XVIII e início do XIX. O livro busca levantar como as relações entre colônia e metrópole se estruturaram, notadamente, após dois acontecimentos: 1º - a morte de Rei português D. João V e a ascensão do novo monarca; 2º - a escalada ao poder de Sebastião José Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, homem com grande notoriedade e centro do poder em Portugal de D. José I.
Ao longo de oito capítulos, com títulos muito bem definidos e que já apresentam a idéia principal, que o autor buscará explicar as atitudes tomadas pelo Marquês de Pombal, as relações anglo-portuguesas e a forma como essa acaba por afetar o Brasil. O autor ainda aborda como o contexto internacional afeta a Capitania das Minas, proporcionando o surgimento dos inconfidentes de Minas Gerais. São traçados também importantes esclarecimentos sobre a relação entre a Coroa portuguesa e o movimento da Inconfidência mineira. Há referências a um processo de manipulação na maneira como o acontecimento de 1789 foi usado na construção do Brasil, seu ideal de nação, nacionalismo e cidadania (FONSECA, 2004).
O primeiro capítulo intitulado “Disposições” é norteado pelas as relações econômicas de Portugal, sua dependência do mercado Colonial e das suas flutuações. Destaca-se uma certa frouxidão nas relações econômicas, notadamente no que diz respeito à Grã-Bretanha e a comercialização de seus produtos com a América Portuguesa, que acabavam por ampliar as perdas portuguesas e, principalmente, como o contrabando com a América Espanhola acabava por ser algo não tão as escuras, ou como o autor define um “tráfico legal”. Como Maxwell destaca, o mercado com Buenos Aires, principalmente, utiliza-se do próprio sistema e da debilidade do poder estatal. Desta forma, será mostrado a forma como o Marquês de Pombal irá buscar uma reformulação no sistema colonial no intuito de ampliar a arrecadação portuguesa.
Em “Mudança” encontramos o autor centrado na questão das relações internacionais portuguesas, com ênfase na sua aliada e parceira Inglaterra. Desta forma, será mostrado como, na verdade, a instabilidade na relação colocava em risco a paz em Portugal e suas posses, além disso, após a invasão espanhola em 1762, o capítulo destaca a debilidade do sistema defensivo português – sendo utilizado pelo o autor a citação da fonte do relatório britânico acerca da fragilidade portuguesa.
O autor ainda demonstra como a vitória inglesa na Guerra dos Sete Anos trouxe instabilidade na relação Inglaterra – Portugal e, como conseqüência, Pombal toma medidas para ampliar a produção portuguesa e a produção de além mar. Desta forma, não somente o setor produtivo, econômico, será alterado, possibilitando a redução de custos para setores produtivos da colônia e ampliando o número de produtos brasileiros a entrar na Europa. Tais medidas são tomadas no intuito de assegurar uma menor dependência com os britânicos e possibilitar um maior desenvolvimento econômico português e a redução de custos com a defesa do Brasil e com os custos da burocracia brasileira.
No terceiro capítulo, “Divergência”, Maxwell demonstra que a década de 1770 é marcada pelo fim da idade do ouro para Portugal. O autor destaca o fato de que a queda da extração aurífera e as alterações promovidas por Pombal terem impulsionado outros setores da economia mineira e outras regiões de Minas Gerais. Sendo assim, como é destacado, em 1775, Minas Gerais obtivera a independência dos produtos europeus. Entretanto, Kenneth Maxwell, começa a delinear que este clima de ascensão produtiva (que de acordo com o autor atinge outras capitanias também) e o declínio da produção mineradora começam a impulsionar os membros da Inconfidência Mineira, embora, como se destacará a frente, não seja o principal motivo.
Mas, como é demonstrado, Pombal tinha como principal preocupação, naquele momento, os fatores externos e secundarizando, principalmente, as invasões ou levantes – questões internas. Quanto à queda da arrecadação do ouro Pombal verifica como solução o estabelecimento da derrama. Finalizando o terceiro capítulo, demonstra-se o conhecimento de Thomas Jefferson sobre os intuitos do grupo de mineiros.
No quarto capítulo (“Confrontação”) Minas Gerais é apresentada em seus aspectos geográficos e sociais. A forma como é constituída por várias regiões com desenvolvimentos distintos e produções diferenciadas. Nesta apresentação com ares poéticos vemos a descrição do Mosaico Mineiro (WIRTH, 1982, p. 39). Fica bem definido que o rumo do livro irá caminhar para o estudo dos inconfidentes e do movimento de 1789. Maxwell descreve como grande parte dos integrantes do grupo de 1789 tinham outros intuitos que não o nacionalismo.
Será no quinto e sexto capítulos, com o título de “Conspiração” e “Farsa” respectivamente, que será desmistificado o movimento dos inconfidentes. O autor demonstra que os envolvidos estavam em débito com a Coroa e viam na ruptura com esta a solução para a quitação da dívida. Essas dívidas eram oriundas de contratos de entradas e dízimo.
Uma vez que o movimento era impulsionado por dívidas com a Coroa, logo, a traição só poderia ser justificada com igual motivo. Em a “Farsa”, o autor comprova que a denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, em troca de perdão dos débitos, ocorrera depois que Barbacena havia cancelado a derrama, tal fato devido à situação econômica de Minas Gerais. Para isso, o autor levanta fontes comprovando e reescrevendo a mitologia que cerca este fato histórico.
Nos dois últimos capítulos o autor revisita os autos da devassa, especificamente no sétimo capítulo (“Crise”). Maxwell mostra como o resultado da investigação acaba por favorecer os iguais (membros da elite mineira devedores) e penalizando um, este que iria tornar-se o mártir da História do Brasil. Neste ponto, o autor visa compreender o porquê de Tiradentes; o que levou a condenação de pena máxima e não a troca por banimento. Neste capítulo, as fontes se tornam a principal base, em uma busca minuciosa por uma resposta.
Encerrando o livro, que possui ampla base em fontes documentais e teoria e que reedita um marco da História, o autor retoma seu principal objeto, as relações de Portugal e Brasil e o desenrolar do panorama político-econômico internacional até o famoso 1808 com a transferência da família Real e das Cortes portuguesas para o Brasil.
Maxwell em sua empreendedora missão de instituir uma devassa da devassa, consegue, através das fontes, citações de fontes e dados estatísticos, fechar, mesmo que temporariamente, os autos da devassa que cercou as Minas Gerais.
Uma leitura essencial no que tange à releitura da Inconfidência Mineira.
Bibliografia:
FONSECA, Thaís Nivia de Lima e. História & Ensino de História. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
WIRTH, John. O Fiel da Balança: Minas Gerais na Federação brasileira 1889 – 1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.