Dave 22/04/2016
Sobre saliências militares
Mario Vargas Llosa é vencedor de um prêmio Nobel de Literatura. Ok, fair enough. Acho que isso é mais que o suficiente para se criar uma ideia de quem esse cara é. Além disso, nas minhas idas às livrarias e aos sebos, já me deparei com centenas de obras escritas por ele, todas com títulos promissores. Acho que essa é outra informação que pode falar um pouco mais sobre ele. Logo, minhas expectativas eram altas, mas a minha primeira leitura de uma obra de Llosa não me surpreendeu tanto quanto eu achava que iria. Na verdade, me decepcionou bastante. Acho que isso também diz alguma coisa sobre mim. E, talvez, um pouco sobre a minha possível ignorância.
O primeiro (e único, até o momento) livro que li de Llosa é Pantaleão e as Visitadoras. Este é um livro de premissa muitíssimo curiosa e que se propõe a ser uma comédia, embora o autor, ainda no prefácio, ressalte que sua ideia original era criar um drama. Nesta obra, conhecemos o capitão Pantaleão Pantoja, normalmente apresentado como Panta ou Pantita. Membro do exército peruano, ele é designado como o responsável por uma missão inusitada. Após diversos relatos de ataques contra civis e, principalmente, de estupros por parte dos militares, o exército concorda em iniciar o chamado Serviço de Visitadoras para Guarnições, Postos de Fronteiras e Afins que, como já se pode pressupor, não passa de uma casa de prostituição, mas oficializada pelo exército.
Nesta missão, o capitão Pantoja é responsável pela administração do local. Ele tem que cuidar da aquisição do terreno, fazer uma espécie de estudo de mercado, pensar na infraestrutura do estabelecimento, avaliar e contratar as chamadas visitadoras, solucionar problemas locais e cuidar das condições financeiras, além de repassar frequentemente informações aos seus superiores. Tudo isso deve ser feito de maneira sigilosa, de modo que ninguém venha a saber que o capitão Pantoja está ligado ao exército e, acima de tudo, sem que a sua própria família mãe e esposa descubram.
Pronto. Temos em mão a fórmula para algo cômico. Mas não foi isso que aconteceu comigo. Não digo que o livro não contem cenas interessantes, mas acho que, em todo o livro, só ri apenas uma vez. E nem foi uma risada gostosa, mas daquelas que passam rapidamente. Entretanto, isso não desmerece as possíveis críticas que o autor busca trazer, além da carga dramática que, eventualmente, acaba sendo adicionada à leitura. Mas acredito que esse seja o menor dos pontos que me incomodaram no livro.
Outra característica que gostaria de ressaltar é sobre o estilo de escrita de Mario. Não sei como são suas outras obras, mas aqui, o modo como ele narra as coisas, embora seja uma forma sintetizada e, talvez, dinâmica, causou em mim algum desconforto. Sempre que determinado personagem possui uma fala, quando o autor abre espaço para narrar o que este mesmo personagem está fazendo, ele lista as ações do dito cujo. Segue um exemplo: Ainda não, vou amanhã cedo bebe, limpa a boca, contém um arroto o capitão Pantoja. Todos os diálogos são apresentados dessa forma, com as ações narradas no presente do indicativo.
Foi muito difícil se acostumar com isso, mas há algo ainda pior na narrativa e que me deixava muito nervoso. Repare como, ao fim da explicação das atitudes do personagem que acabou de falar, o autor apresenta o seu nome. No exemplo acima, termina com capitão Pantoja. Este é o método que surge para que o leitor não se perca nos diálogos, que não fluem tão bem. E quando você acha que isso não pode piorar, Vargas Llosa parece querer tirar sarro de sua cara ao intercalar os ambientes em que o diálogo acontece. Como assim? É simples. Em determinado momento, você está lendo um diálogo entre o capitão Pantoja e sua mulher, Pochita. E, de repente, sem qualquer explicação, o diálogo é alternado para outro local, com outros dois (ou três, ou quatro) personagens conversando sobre um assunto que nada tem a ver com o tópico abordado na conversa entre Panta e sua esposa. Após umas três ou quatro falas de cada personagem, novamente, sem mais nem menos, regressamos para o diálogo inicial. Desse jeito, a única forma de termos certeza de quem fala é por meio desse recurso do qual Llosa se utiliza.
Há, ainda, outro ponto que tenho vontade de ressaltar. Boa parte da narrativa se faz por intermédio de relatórios. Como dito antes, Pantoja necessita comunicar os oficiais superiores sobre a missão. Isso se dá por meio destes arquivos que são trocados regularmente. É uma boa maneira de alterar o fluxo da narrativa, além de demonstrar certos aspectos sobre o funcionamento do bordel. O problema, porém, é que o livro fica saturado desses relatórios (o que deve ser normal no exército, eu tenho que concordar), chegando a um ponto em que fiquei esgotado de tamanhas formalidades e informações muitas vezes irrelevantes. Talvez alguns vejam esta técnica de Llosa como um desafio que possa incrementar o nível da leitura. Comigo não funcionou. Havia um desconforto agradável em ler Ensaio Sobe a Cegueira, de José Saramago, por exemplo. Isso, porém, não ocorreu com Pantaleão e as Visitadoras, sendo só um pé no saco mesmo.
Mas falando dos pontos positivos, acho que é uma trama sobre pessoas nas mais diversas situações. E foram os personagens, e apenas eles, que me fizeram ir até o fim. As situações, com exceção de determinados acontecimentos no final, não foram surpreendentes ou intrigantes. Eu lia mais na expectativa de algo bacana (ou ruim) acontecer com determinado personagem, ou na esperança de descobrir mais sobre ele ou ela. Então, acredito que esse seja o pilar sobre o qual o livro é erguido. São múltiplas vidas expostas ao leitor, cada uma com seu background que tende a influenciar certos elementos da narrativa. As chamadas visitadoras são, possivelmente, as mais divertidas dentre todas, embora o próprio capitão Pantoja seja uma peça e viva algumas situações constrangedoras o suficiente para aguentar a leitura. É interessante notar como todos possuem personalidades reais e ganham vida. Como cada um tem seus próprios gostos, preferências e interesses pessoais. E como todos estes elementos podem resultar em um caos previsível. Falando nisso, os acontecimentos finais não eram bem o que eu esperava, mas foram interessantes, embora não sejam excelentes.
Não é um livro que eu tenha detestado, mas não me passou uma boa primeira impressão. No entanto, acho que Mario Vargas Llosa levanta algumas indagações e críticas sobre a questão da prostituição (ainda um tabu em alguns meios, imagine na época de publicação) e até mesmo sobre a cultura do estupro que são muito pertinentes, principalmente na atualidade. Acho que a leitura é válida por causa dessa reflexão que pode ser feita em cima de toda a trama. Apesar de todos os detalhes negativos expostos, não diria que é um livro que deve ser ignorado. Apenas que, talvez, você precise um pouco de paciência. Ou talvez você não seja tão ignorante quanto eu e tenha maior facilidade. Sendo esse o caso, pare de ler isso aqui e vá ler Pantaleão e as Visitadoras.
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