Alê | @alexandrejjr 18/08/2022
As prostitutas, os militares e o ficcionista
Publicado em 1973, “Pantaleão e as visitadoras” é, essencialmente, um romance sátira. Quarto romance escrito pelo último ganhador sul-americano do Nobel de Literatura, este é um livro sobre variados assuntos e suas múltiplas formas de contá-los.
Vargas Llosa, como todos deveriam saber, dispensa apresentações. Dono de obras singulares e incontornáveis dentro do imaginário latino-americano como “Conversa no Catedral” (1969) e “A festa do Bode” (2000), este escritor peruano nunca deixa de surpreender. Ao acompanhar a história do disciplinado e burocrático Pantaleão Pantoja, temos acesso a uma espécie de espelho social de um microcosmo amazônico diante de nós. Mas, para que esse espelho não se quebre, Vargas Llosa faz exigências de seus leitores, o que nem sempre pode dar bons resultados.
Toda a leitura, como sabemos, exige um pacto entre quem escreve e quem vai ler. E esse é um ponto demasiado importante para que “Pantaleão e as visitadoras” funcione. Vargas Llosa nunca foi e jamais será um escritor que subestima seus leitores. É por isso que, para contar suas histórias, ele renega, muitas vezes, a simplicidade - mas jamais abre mão da clareza, característica inegociável para o autor. Este romance, por exemplo, é contado explorando as mais variadas formas de linguagem: cartas, resoluções, informes, memorandos, um roteiro de rádio e recortes de jornal. E a opção por essa escolha variada do ato de contar enriquece o pacto firmado entre o autor e seus leitores. Afinal, por que leríamos livros se não pudéssemos explorar a imaginação em níveis variados?
E é assim, dessa maneira, que as peripécias de nosso caricato militar, o capitão Pantaleão Pantoja, são contadas. Panta, como é chamado pelas visitadoras - digo, prostitutas - vive com a mãe e a esposa antes de se mudar para Iquitos, cidade onde sua vida jamais será a mesma. É neste local que vai exercer a função sigilosa, designada e aprovada por seus superiores, de conter o apetite sexual incontrolável dos milicos isolados na selva amazônica, que, nas páginas iniciais, estão sendo acusados de cometer estupros na, até então, pacata e religiosa cidade peruana. Interessante notar que, ao mostrar esse machismo e a misoginia vigente dentro das casernas, Vargas Llosa faz uma de suas críticas mais bem direcionadas aos militares, que vão pipocar aqui e ali e em diferentes situações em quase todos os seus livros.
Posicionado em Iquitos, Vargas Llosa vai nos contar a odisseia da degradação moral de nossa personagem principal. Vai discutir os limites entre o privado e o público, as consequências do fanatismo religioso, os jogos de poder entre militares, os dilemas éticos do sexo, o sensacionalismo midiático e, de certa maneira, a objetificação das mulheres neste canto do globo. Há, como um bom romance deve ter, muita história a ser contada, além de acontecimentos chaves que movimentam constantemente a narrativa, sempre deixando os leitores atentos para o que deve ocorrer em seguida.
Em suas páginas iniciais, "Pantaleão e as visitadoras” dá as boas-vindas aos leitores. Utilizando a técnica marcante de diálogos cruzados no espaço-tempo entre as personagens, o famoso estilo ziguezagueante que marcará o portentoso “Conversa no Catedral”, Vargas Llosa propõe que sua narrativa será uma experiência única e que cabe somente ao leitor entrar no peculiar modo de narrar do peruano.