Eduardo 16/02/2015A BRUTALIDADE DE UM CORAÇÃO TRANQUILO O que torna alguém genial? Talvez algo que entre a perfeição da massa encefálica e batidas compassadas de um músculo vital, gerando um diferencial chamado poesia?!
Talvez não seja essa a explicação de muitos especialistas, mas foi o que pensei sobre uma senhorazinha canadense, ao ler suas narrativas, tão simples e densas; pacíficas e violentas; ordinárias e extraordinárias.
Numa entrevista Munro disse: “Penso que qualquer história pode ser interessante.”. Foi assim, exalando humildade, que vi a escritora octogenária falar sobre a escrita; uma voz lenta a qual os anos conferiram um tom trêmulo e característico, roupas simples para se proteger do frio, e um sorriso constante o qual substituí qualquer adereço que realce vaidades.
Conheci um pouco de sua história através de seu ultimo e derradeiro livro “Dear life - Vida querida”. Ela expôs algumas de suas experiências desde a infância até a adolescência. A pobreza, a silenciosa relação conturbada com a mãe e alguns episódios marcantes desses tempos.
Era tudo divido em contos, que ela nomeou como seu “Finale”. Antes disso haviam outros tantos contos, “Cascalhos”, “Que chegue ao japão”, “orgulho”...
Resumindo... textos belos, marcados por dramas familiares e relacionais, realistas em sua essência, mas fantásticos pela disposição de suas palavras.
Mas, precisamente, o primeiro contato que tive com Munro não foi este livro; alguns passos foram dados até chegar a ele. Acompanho, como de costume, os laureados pelo Nobel, ano-a-ano. É sempre um prazer descobrir novo e inventivos escritores. E em dois mil e treze foi a vez dela surgir como o nome da academia. Naquele momento, Munro passou a existir para mim.
O segundo contato com o seu mundo, foi uma frase “Too much happiness”. Era o título de um dos seus últimos trabalhos. Fiquei amarrado a frase, pensando melhor, fiquei amarrado mesmo a contradição que esta gerou em mim. Felicidade é demais?
Mesmo lendo Vida querida – Um dos melhores trabalhos literários contemporâneos que já lí, diga-se de passagem –, não consegui me desvencilhar do desejo pessoal por aquele título, mas permaneci por um bom tempo até adquiri-lo.
Ao obtê-lo, ficou mais alguns meses na prateleira, eu olhava para a lombada, desejando-o, mas sem conhecer totalmente esse desejar, quase como um presença não percebida.
As férias chegaram e construí metas. Ler alguns títulos que a tanto queria saber, para discutir com os seus elogiadores. Um desejo tolo para um leitor, mas genuíno. Afinal, não a nada como partilhar uma leitura. No entanto, ele não estava na meta. E algo me incomodava enquanto lia as outras obras, como um chamado silencioso para completar uma tarefa.
Ao terminar um caro livro, passei instintivamente para ele, ou era o que imaginava ser... instinto.
Algumas palavras me vieram durante a leitura: cru, brutal, voraz e poético. Apesar de sentir uma ausência desta ultima de modo concreto. Mas ela estava lá, por trás, como um contrarregra selecionando qual melhor expressão para entrar em cena.
Notei uma falta. Onde estava toda aquela felicidade. Parecia não ser felicidade que fazia parte das histórias. Suas personagens pareciam buscá-la também, mas parecia mais um sonho impossível. Num lugar ao menos a via, era o título da ultima história, uma homenagem à primeira mulher acadêmica Sophia Kovalevsky; um breve relato sobre seu último ano.
Mas era tudo muito irônico. A felicidade parecia estar apenas num lugar. O narrador de todos os contos parecia ser este sentimento tão buscado. Eu ao menos me sentia feliz ao ler obra tão magistral, felicitava-me por ter pego o livro, via que estava cumprindo minha tarefa.
Ao invés de enxergar a felicidade em demasia, como o título denunciava. Lia-se a insanidade, a perversão, a angústia, a morte, a perda, a obsessão, a tristeza, o sonho não concluído...
Enfim, humanidades, nada mais.
Contudo, pensei... o que será a felicidade se não um momento. Acho que autora estava querendo dizer isso nas entrelinhas; a felicidade talvez esteve em algum momento daquelas vidas, e talvez estaria novamente algum dia, ao menos para algumas personagens.
Deixando as digressões um pouco de lado, voltemos ao começo. O que torna alguém genial? Em verdade vos digo: Não sei. Mas Alice Munro é uma gênia para mim. Ela tem aquilo que encontra-se em poucos de seus colegas, um olhar singular. Com uma escrita pacífica e tranquila, em felicidade demais a escritora descobre a brutal crueldade que o existir pode se tornar.