Resenhas - La vie errante

Gustavo Guedes 07/08/2020

Uma façanha magistral
Ao me revelar uma faceta menos conhecida de Guy de Maupassant, autor comumente associado à sua prodigiosa produção ficcional, La Vie Errante, um rico relato de viagens, me foi uma grata surpresa, inclusive em se considerando minha leitura anterior, de mesmo teor: Caminhos para Santiago, de Cees Nooteboom.
Com uma prosa mais próxima do texto jornalístico, Maupassant nos convida a uma narrativa precisa das percepções que teve durante suas viagens mediterrâneas. Partindo do sul da França, país que usa constantemente de paralelo, o escritor segue por localidades da Itália e da África que, para além de meros pontos turísticos, tornaram-se emblemáticas representações de uma terra viva, constantemente repovoada, e marcada por interrupções humanas ou naturais que, afinal de contas, servem para nos lembrar que a História é mais complexa e obscura do que gostaríamos de imaginar. As riquezas naturais tão similares e as distâncias tão próximas em contraste com culturas eminentemente díspares nos propiciam uma enxurrada de pensamentos embaraçosamente cômicos. Perguntar-se o motivo de tamanhas distinções torna-se, conforme acumulam-se os sobressaltos das exóticas particularidades de cada local, um exercício não só imaginativo, como também uma atividade de humildade intelectual.
Em suma, Maupassant se debruça ora sobre a paisagem, ora sobre a arquitetura, ora sobre os costumes locais de um modo único, a um só tempo conciso e poético, aberto à novas realidades e ciente de suas opiniões. Ainda que a narração se limite a um determinado rasgo temporal, os recursos estilísticos adotados pelo autor nos permitem uma visão geral, por assim dizer, do andamento das coisas, na medida em que, em matéria de substancialidade, nos são propostos temas de amplitude global. O amor, a paixão, o desejo, a contemplação, a religião, a religiosidade e a arte, só para citar alguns, são constantes por todo o texto.
Muito me admira que, infelizmente, editora alguma tenha trazido esses escritos (por sinal em domínio público) para terras tupiniquins, sobretudo dado o exotismo de seu conteúdo, matéria de agudo interesse em tempos como os nossos, tão cosmopolitas. Sendo o autor um dos grandes expoentes do (atualmente malquisto) realismo, ou talvez devido sua abusada franqueza, fato é que por vezes me parecem terem virado costas a seu trabalho que, apesar disso, resiste em seu esplendor atemporal. A leitura de La Vie Errante é, concluindo-se, uma alegre aventura rumo ao desconhecido e uma obrigação para aqueles que, como eu, a cada dia se veem mais apaixonados por relatos de viagem vívidos e extremamente bem escritos.


site: https://www.bibebook.com/bib/la-vie-errante