Lucas.Batista 24/04/2021Apesar dos problemas, uma história viciante.As narrativas que cercam Henrique VIII e suas muitas esposas - as com, ou sem cabeça - já foram amplamente visitadas, seja na literatura, cinema ou teatro. Assim sendo, qual seria o diferencial em ler a trilogia da Mantel? A abordagem narrativa, na qual um personagem menos lembrado fica com o papel principal.
Thomas Cromwell foi um desses personagens históricos cuja vida foi algo tão peculiar, que é difícil não acreditar que seja pura ficção.
Filho de um ferreiro, Cromwell foge de casa e vira soldado, contador, golpista e "faz tudo" do maior bispo inglês de sua época. Falava e escrevia em múltiplas línguas, além de possuir uma memória diferenciada.
A trilogia, então, nos apresenta a esse personagem que, em determinado momento, vira o "faz tudo" de Henrique, sendo inclusive o responsável pela legislação que permite a ele se divorciar de Catarina.
A narrativa de Mantel é muito interessante, pois apesar de focar no entorno de Cromwell, ela nos apresenta um quadro bastante amplo da Inglaterra na década de 1530.
A autora também é bastante hábil em nos entregar pontos chave da história no tempo certo, sem utilizar-se de prolongamentos excessivos e enfadonhos, como faz Dan Brown, por exemplo.
Há, porém, alguns problemas que insistiam em ressurgir com regularidade. Entre eles, dois que eu quero destacar aqui são:
1- Uma certa predileção em manter na narrativa (que lembremos, propõem-se à ser uma ficção HISTÓRICA) uma verve anticatólica muito inocente. Thomas More torna-se aqui um vilão retrógrado e reacionário, ao passo que Cromwell é uma figura que supostamente queria a libertação da opressão católica. Querer colocar um maniqueísmo nesse período, seja católico, seja protestante, é algo, para dizer o mínimo, bastante reducionista.
2 - A autora exige do leitor uma suspensão de descrença colossal ao descrever a "família" e amigos do protagonista. É como se todas (ou, talvez, as únicas) as pessoas inteligentes da Inglaterra se encontrassem ali, possuindo, aliás, vasta moralidade e debatendo tópicos que viriam a ser discutidos pelos menos 2 séculos mais tarde.
Afora esses problemas que citei, achei a leitura deveras recompensadora, com momentos muito instigantes e uma ambientação de respeito.
Como diria Tatiana Feltrin - cujo vídeo me fez pegar esse livro para ler - "é o tipo de livro que não dá vontade de largar enquanto não chegamos ao final".