Jaqueline 06/02/2011Um fenômeno que chamou a atenção no mercado editorial no ano passado foi a enorme safra de livros clássicos reescritos com a adição de elementos fantásticos e cômicos. A reescrita destas obras fez sucesso não apenas no exterior, com livros como “Orgulho e Preconceito e Monstros Marinhos”, mas também no Brasil, com a publicação da “Coleção Clássicos Fantásticos” pelo selo Lua de Papel, da editora LeYa.
Escrito pelo roteirista de tevê Jovane Nunes, "A Escrava Isaura e o Vampiro" é um ode à sátira e ao humor rasgado. O narrador onisciente é um bárbaro do humor negro, fazendo piadas com tudo e com todos enquanto constrói essa trama para lá de debochada, hilariante e politicamente incorreta. É o tipo que na seqüência da alforria de Isaura, cita Stalonne em “Rambo” e faz piadas com o sistema de côas nas universidades brasileiras.
Fome, religião, morte...nada escapa ao nosso narrador trocista, que mistura Ronaldinho Fenômeno, o Superior Tribunal de Justiça (STF), João do Pulo, dom Pedro II, a bola de futebol Jabulani, o falecido estilista Clodovil Hernandez, o Partido Democrata (DEM) e os ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Lula com personagens fictícios como o lendário conde Drácula, que em um encontro com o vilão Leôncio em Lisboa, acaba por vampirizá-lo. Trata-se de uma mistura bem brasileira, entrelaçando todas as aspirações do Romantismo nacional com a característica malandragem do povo brasileiro. Após de transformar em um vampiro, Leôncio (ou melhor, “Leôncio fdp”, como o narrador anuncia com nosso antagonista) retorna ao Brasil com a intenção de abrir um verdadeiro banco de sangue extraído à custa da população local. Em sua viagem de retorno ao país natal, ele mata um senador, original criador desta estapafúrdia idéia, e seguidamente se casa com a filha do político, Malvina, uma grosseira lésbica fã de Ana Carolina e outras tantas cantoras de sexualidade duvidosa da nossa MPB.
A idéia central da história de “A Escrava Isaura” - uma escrava branca que sofre as maiores auguras nas mãos de seu apaixonado “senhor” - se mantém, mas torna-se completamente risível: nossa protagonista é uma linda e faceira jovem que tem como hobby tocar Rachmaninoff ao berimbau, enquanto nosso vilão tem todos os seus planos frustrados, caindo em uma aberta comédia de erros e exageros. As descrições físicas dos personagens são baseadas nos atores que interpretaram a adaptação da trama de Bernardo Guimarães para a tevê, os lendários Rubens de Falco e Lucélia Santos, e o grande mocinho da história, Álvaro (apelidado como o “Rambo do mangue”), é dono da empresa processadora de alhos Alvaralho.
Como já ficou claro por esta resenha, há uma verdadeira bagunça no espaço-tempo do livro: existem táxis, lutadores de jiu-jítsu e mendigos dormindo sobre papelões em uma história que se passa em pleno Brasil colonial. A desconstrução e construção da história ficam às claras, com o narrador brincando o tempo todo com o leitor, seja chamando-o ao texto por diversas vezes ou adiantando acontecimentos da história. Sim, spoilers dentro do próprio livro: O MÁXIMO!
Como vampiro, Leôncio é uma negação: para começo de conversa, ele não possui nenhum talento ou habilidade individual de vampiro. Cismado de deter algum poder especial, ele acredita poder transformar-se em qualquer animal que deseje - coisa que obviamente não acontece e acaba por criar as situações mais hilariantes possíveis!
Jovane Nunes usa de um humor ácido e extremamente irônico para criticar o país, sua cultura e a dita “malandragem” do povo brasileiro sem poupar ninguém, e é aí que entram as infames piadas sobre os “vampiros” do nosso Senado Federal, como os bandidos políticos Edson Lobão e José Sarney. Quando acreditamos que a história se bastou se surpresas e loucuras, surgem reviravoltas e mais reviravoltas. Não se espante se você começar a rir sozinho em meio a uma multidão: a diversão que “A Escrava Isaura e o Vampiro” proporciona é assustadora!
>> Resenha originalmente postada no site www.up-brasil.com