joao.vitor. 17/02/2023
A virtude da Humildade
“A Humildade” é um opúsculo escrito pelo Monsenhor Ascânio Brandão e lançado originalmente pela editora Imprimatur no ano de 1941. Em pouco mais de trinta páginas, o sacerdote ensina-nos que a humildade é “[...] o fundamento da perfeição, e a chave dos tesouros da graça, a virtude absolutamente necessária a todo cristão” (BRANDÃO, 1941, p. 11). A humildade é o alicerce que todo cristão deve cultivar em sua alma, caso almeje conquistar o amor divino e a redenção espiritual no Reino de Deus.
Nas Sagradas Escrituras têm-se diversos exemplos da prática desta virtude que também é considerada uma bem-aventurança, como assim Jesus O anunciou em Seu Sermão da Montanha (cf. Mt 5,3).
Nesse sentido, certamente, o mais completo modelo da humildade foi Jesus Cristo. A respeito disso, como bem esclarece São Paulo, “[...] Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome [...]” (Fl 2,6-8). Com este belíssimo hino, reflitamos sobre a atitude de Jesus: embora possuísse a mesma condição de Deus, sendo o Filho primogênito do Pai, tornou-se carne; desde o Seu nascimento numa manjedoura, e percorrendo a Sua história, Jesus aprendeu a viver como os homens e também os servindo com amor, abdicando de quaisquer privilégios, em contraposição aos reis mundanos; e no ápice do Seu exemplo de humildade, servindo-nos até o fim, doou-se em favor de nós na cruz, pois se assim não o fosse, não haveria holocaustos que cessassem a nossa dívida (o pecado) com Deus.
A análise do discurso feito por Jesus a respeito do Seu destino e o caminho do discipulado (cf. Mc 8,27-35), similarmente, revelará que todo aquele que deseja segui-Lo, enfrentará provações, renúncias e mesmo a perda da própria vida a fim de receber a salvação eterna, à semelhança do Senhor. É interessante que, ao dizer isso, Jesus rompe com a expectativa dos discípulos de que Ele seria um Messias triunfalista, que provocaria admiração ao povo, mas não o libertaria dos liames do pecado. Longe disso, Cristo nos esclarece muito bem que, para acompanhá-lo verdadeiramente, é preciso que cultivemos em nosso interior a humildade pura, esvaziando-nos de nós mesmos e tomando as nossas cruzes diárias (cf. Mc 8,34).
Portanto, a humildade é a condição principal que sustenta a santidade, e também o amor de Deus, sendo ambas “virtudes irmãs”. Sobre isto, o autor traz à baila, por exemplo, as chamadas “almas seráficas”, ou seja, aquelas que, tal como os serafins, tem em si um amor intenso, humilde e pobre por Cristo e pela Igreja. O exemplo mais notável são os santos, que, ainda que tivessem um conhecimento tão elevado dos mistérios de Deus, como as visões e revelações a eles concedidos, não cultivavam o orgulho e a vaidade em sua alma; pelo contrário, aceitaram suas misérias e fraquezas, seguindo “no caminho da infância espiritual [o qual corresponde à] humildade no seu grau mais elevado” (BRANDÃO, 1941, p. 20).
Destarte, foi através da verdadeira humildade - que não se confunde com aquela atitude dissimulada para tentar agradar a outrem e receber elogios, mas sim, para a glória de Deus -, que os santos receberam e compartilharam plenamente o amor do Pai.
Ainda, o autor destaca o encontro de Nosso Senhor Jesus com Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja. Jesus, aparecendo então a ela, lhe disse: “- Sabes, minha filha, o que és e o que eu sou? Se aprenderes bem estas duas coisas serás bem-aventurada. Tu és a que não és, e eu sou Aquele que sou. Nunca o inimigo te iludirá se souberes bem disto. E obterás toda clareza, toda verdade, toda graça” (BRANDÃO, 1941, p. 22). Este conselho mui edificante de Jesus nos demonstra que, reconhecendo a miséria que habita em nosso interior, despir-nos-ei de tudo aquilo que nos impede de alcançar a grandeza que o Senhor deseja nos proporcionar e estaremos abertos a Ele, pois Cristo é Aquele que tudo pode, é o Messias.
Por fim, há de se perguntar, como adquirir a humildade? A estratégia que Mons. Ascânio nos ensina é uma fórmula aparentemente simples, mas fruto de muita perseverança na fé: através de muita oração, rogar ao Pai que nos conceda a graça da humildade, num esforço contínuo para sermos dignos dela. Nas palavras de S. Tomás de Aquino, na sua “Suma Teológica”, atentemo-nos aos nossos dizeres e fazeres, lutando “[...] para reprimir os feitos exteriores contrários à humildade e extirpá-los. E depois, cortar a raiz oculta do orgulho” (BRANDÃO, 1941, pgs 27-28).
Em síntese, destaquei somente alguns aprendizados que tive com este riquíssimo livreto que, infelizmente é pouco conhecido na literatura católica nacional. Que a obra sobredita, os exemplos dos santos e de Nosso Senhor Jesus, sobretudo a Sua Paixão, possam nos ajudar a compreender e praticar a virtude da humildade em todas as circunstâncias de nossa vida. Em meio à sociedade cada vez mais orgulhosa e atribulada em que vivemos, optar pelo caminho da salvação eterna, embora de fato não seja fácil, é a escolha mais gratificadora que Jesus nos chama a adotar, e com alegria.