Higor 30/07/2022
"1001 LIVROS PARA LER ANTES DE MORRER": LIVRO 08
É um tanto curioso como nos debruçamos sobre os livros e suas amarrações ou fórmulas pré-concebidas, onde afirmamos com categoria inexplicável que certo livro funcionou, conquanto outro não foi tão bem sucedido assim, sendo que sequer sabemos suas origens, e como tudo se iniciou.
Digo isto ante a quantidade de romances românticos lidos ao longo da vida, alguns de tirar o fôlego e torcer pelo casal; outros dispensáveis e apáticos, mas nunca pensamos no primeiro, em quem concebeu a ideia original, fórmula essa que, além de quebrar os paradigmas da época, abriu as portas para um gênero literário consolidado.
Cáriton de Afrodísias é o responsável pelo nascimento do romance romântico, tal como o conhecemos, graças a seu "Quéreas e Calírroe". Uma história aparentemente simples e que o leitor deve pensar "Ah, mas eu já vi isso em todos os demais romances", mas não se esqueça de que se trata do primeiro, e os demais são, grosso modo, inspirações ou simples cópias com seus clichês.
Quéreas se apaixona pela jovem Calírroe, e apesar de seu amor ser correspondido, logo os deuses tratam de separá-los, fazendo com que o casal passe por uma série de provações, com raptos, guerras, viagens náuticas… Um novo gênero, o romance, somado aos já conhecidos anteriormente.
Por exemplo, embora o amor que Ulisses sinta por sua bela Helena de Tróia seja trabalhado em "Odisseia", o foco do livro é justamente as viagens enfrentadas pelo mesmo ao longo dos 10 anos; o mesmo se dá com "Ilíada". Embora muitas tenham sido as demonstrações de amor dos personagens, o cerne do conteúdo é a guerra. Sem citar os diversos mitos gregos, narrados em diversos compilados, as "Metamorfoses" ou cosmogonias, em que, apesar de abordar o amor, parece focar em suas tragédias, ou até mesmo no poderio da divindade.
Já em "Quéreas e Calírroe", embora as viagens e aventuras, assim como a guerra se façam presentes, ficam em segundo plano, para evidenciar o romance do casal, e que a força de ambos é o combustível para o livro, e para que consigam ficar juntos no final de todas as dificuldades.
Mais do que inaugurar um gênero literário, "Quéreas e Calírroe" rompeu paradigmas, como, por exemplo, tomar o lugar do verso épico, intocável e tido como perfeição graças a tantas epopeias como "Ilíada" e "Odisseia". A prosa, então, não apenas surge como um gênero menor, de entretenimento baixo e deplorável, mas para abarcar a maior parte do que um grande percentual dos leitores encara. Além disso, é o grande responsável pela representatividade ao colocar a mulher como personagem principal, e não apenas como uma coadjuvante. Vemos inclusive, embora ainda pouco trabalhada, uma mulher que não fica aguardando o mocinho resolver todos os seus problemas, mas age por conta própria em busca de sua liberdade, pelo zelo tanto do seu nome, quanto da família, além de, claro, do amor.
Atemporal, preciso e um divisor de águas na literatura, "Quéreas e Calírroe" é um belo começo de um gênero tão importante. Se não a porta inicial, um dos registros mais antigos já encontrados.
Este livro faz parte do projeto "1001 livros para ler antes de morrer", que está mesclado com "O livro da literatura" para eventuais alterações necessárias. Acompanhe os livros anteriores:
LIVRO 01 - A epopeia de Gilgamesh
LIVRO 02 - Ilíada
LIVRO 03 - Odisseia
LIVRO 04 - Fábulas de Esopo
LIVRO 05 - Teatro Grego
LIVRO 06 - Dao De Jing
LIVRO 07 - Eneida