Brunov 25/02/2017
Mais 'bildung' que resenha
Já havia refugado diante d’O Crime do Padre Amaro por ventanias familiares e interrompido a leitura d’A Relíquia, em função de seu conteúdo, apesar do narrar amanteigado. Alves & Companhia veio então como última chance para minha relação com Eça de Queiroz e, não é que funcionou? Curta em comparação àquelas, é verdade, porém cada frase me deixava na expectativa da seguinte; minhas emoções foram conduzidas nessa história de amor, ódio, solidão, amizade, passividade e fúria, convenção e inovação, convenção e traição e perdão. E, por falar, em perdão, Hannah Arendt, embora judia, (vou postar sobre isso de novo) comentou sobre o poder singular no seio do Cristianismo, que é a invenção (apolínea) do perdão, o qual, segundo ela, tem o poder de criar um novo tempo, o que concordo reiteradamente, isto é, produzir um novo direcionamento na fruição da dinâmica de eventos emaranhados., um novo sentido para uma vida que perdeu se valor.
Sem perdão, o universo segue seu curso mecanicamente na sequência de eventos de causa e efeito, nem sempre linear, contudo inescapável, lei do Karma, a menos que o poder divino do perdão flua e transforme o chumbo dos anos em ouro de sabedoria. Coisa doida! Sem perdão continuamos sofrendo no Eterno Retorno, onde o tempo que passou sempre volta sem transvaloração; irônico Nietzsche, implicante, não se dar conta disso…
Apesar disso, discordo da visão católica na qual o perdão é lança no Estiges, Rio do Esquecimento, o mal passado. Prefiro a ideia do Kintsugi, conhece a lenda? Deixa ver o que lembro dela...
Dizem que um Rei Chinês tinha um vaso de porcelana muito lindo e, um dia ele caiu no chão por acidente partindo-se em diversos pedaços. Normalmente eles jogariam fora, mas o rei tinha um carinho pela obra e clamou seus artistas por alguma possível solução. A maioria tinha ideias deselegantes como pôr remendos com metais enganchados e desistiam de tentar. Até que o Alquimista chamou para si a responsabilidade e, quando apresentou sua solução o Rei adorou.
Acontece que ele colou as partes com ouro. Deste modo todos puderam notar que as marcas do dano feito foram cobertas com algo que as tornava parte da sua história, ficando assim algo ainda mais belo. Toda corte adorou o novo estilo e passou a copiar, de forma que sentimentos plasmados em objetos de afeição poderiam ser restaurados de forma mais especial. Com o tempo começaram a fazer vasos para quebrar e então aplicar a técnica.
Apesar de quebrado, melhor. Isso é Alquimia espiritual e vai além da ideia já tão poderosa do Perdão, repito, é Kintsugi.