Renata CCS 11/04/2018Tudo muito bem costurado por aqui..
“Às vezes o coração, rasgado pela dor, vira retalho. Recomenda-se, nestes casos, costurá-lo com uma linha chamada recomeço. É o suficiente.”
- Abner Santos
É difícil classificar O TEMPO ENTRE COSTURAS, da espanhola María Duenãs. Podemos dizer que a obra é um misto de história, biografia, drama, suspense, romance e aventura. Narrado em primeira pessoa pela protagonista, Sira Quiroga, percebemos que Dueñas tem todo um cuidado com as palavras, trabalhando a narrativa com segurança, está longe de parecer uma escritora iniciante.
Sira é uma moça frágil de 20 anos, uma humilde costureira, noiva do romântico Ignácio, e que um dia se apaixona perdidamente por outro homem e parte de Madri para o romântico Marrocos, alguns meses antes da Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), para ter seus sonhos despedaçados e ver-se completamente sozinha em uma terra estranha, com uma dívida enorme para saldar, e sem possibilidade imediata de retorno à Espanha. O Marrocos, naquele período, era um protetorado espanhol, uma espécie de território anexado à Espanha, mas com identidade própria e gozando de uma liberdade considerável. Sira, inicialmente residindo em Tânger, muda-se para Tetuán, e com a ajuda de Candelária - sua nova amiga e dona da pensão onde Sira mora em seus primeiros dias na cidade - monta um ateliê de alta costura, e passa a ser frequentado pela elite local, que inclui Rosalinda Fox, a britânica rica que se torna sua grande amiga, e as esposas de oficiais alemães. Toda essa movimentação acaba por levar Sira a um jogo labiríntico que emerge dos bastidores da política. Em uma nova reviravolta em sua vida, a senhorita Quiroga retorna à Madri com uma nova identidade, para abrir um ateliê de alta costura e trabalhar como uma espécie de espiã colaboradora do governo britânico, já no início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
Achei a protagonista e a sua trajetória absolutamente fascinantes! Acompanhamos o seu desenvolvimento desde a jovem insegura e ingênua costureirinha, trabalhando com sua mãe no ateliê de dona Manuela, no subúrbio de Madri, a uma mulher madura, senhora de si, dona de dois elegantes ateliês de costura, e também dona de suas escolhas e do seu destino. O processo de amadurecimento de Sira é incrivelmente bem construído. Longe de ser uma personagem clichê, ela é independente, porém sensível. Ela se transforma totalmente, mas sem perder sua essência, e evolui, sem nunca deixar de ser ela mesma.
A narrativa de O TEMPO ENTRE COSTURAS se estende por 471 páginas com letras miúdas, é recheada de fatos históricos e poucos diálogos. Mas não é, nem de longe, um livro monótono. O enredo apresenta muitas reviravoltas, personagens interessantes e bem construídos que saem de cena e retornam quando menos se espera, e é permeado de ricas referências históricas e culturais, tudo com uma linguagem que corre fácil.
Aliás, deixo aqui aplausos para a pesquisa histórica realizada pela autora, que é extensa, rica e com uma vasta e sólida investigação sobre os dois conflitos armados que ambientam a trama, encaixando adequadamente seus personagens fictícios, lado a lado, com personagens reais.
Uma ótima leitura. Recomendo muito.