O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida

O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida Piero Leiner




Resenhas - O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida


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Marcianeysa 21/12/2023

Tive dificuldades na leitura, algumas partes são difíceis para leigos. Ainda, achei que o autor divagou em em certas páginas. Mas a ideia do livro é interessante.
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João Moreno 14/06/2021

"(...) uma definição de Guerra Híbrida passa pela eliminação da fronteira entre dois planos, o caminho que vai da política à guerra, e desta de novo à política: não há “continuação por outros meios”, uma é o meio da outra". (p. 61)

O livro do professor Piero Leirner trata do papel dos militares na condução da política brasileira. O texto é a publicação de sua tese de Livre-docência, apresentada à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Tal fato já deveria contar como indicativo àqueles que bradam "teoria da conspiração" ao tema [guerra híbrida] antes de dar uma 'chance' ao trabalho etnográfico de Piero. Sim, é mais cômodo esbravejar que as Forças Armadas são defensoras da Constituição e que a sua atuação, hoje, "destina-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem" (CF 1988, art. 142) [Alô, Marco Antônio Villa!]. Acho que também tem a ver com zona de conforto: afinal, é mais fácil não enxergar o duro caminho que temos pela frente.

Voltando a 'O Brasil no espectro de uma Guerra Híbrida', Piero Leirner aborda os militares a partir de uma perspectiva etnográfica. No Brasil, é o segundo, depois de Celso de Castro, a publicar pesquisas etnográficas sobre as Forças Armadas.

A obra é, em si, dividida em cinco partes; uma extensa "Introdução"; a passagem "O lugar do antropólogo", em que Leirner (2020), além de dar detalhes de sua etnografia, de como, ao ter contato com manuais militares brasileiros, identificou uma mudança na prática ("predominância de Forças Especiais antes das grandes massas; operações psicológicas precedendo ação de infantaria; análise de inteligência e uso de meios automatizados de fogo como drones; dissuasão antes de emprego; ciberwar e informações antes de desembarque; Sun Tzu e Boyd antes de Clausewitz" (p. 80)), destaca como o antropólogo se transforma em poderoso instrumento no campo de batalha: a partir dos anos 2000, nos EUA, esses pesquisadores vestem a farda e são enviados ao campo de batalha para reconhecimento do inimigo, "mapear a população e suas lideranças realizar o "divide e impera"" (p. 80).

É a nova doutrina militar norte-americana, adaptada à "Guerra ao Terror", que se solidifica e chega até aqui, no Brasil [a missão das Forças Armadas brasileiras no Haiti tem papel fundamental na absorção desse ‘background’, diz]. É nessa seção que Leirner faz uma discussão teórica acerca da Guerra Híbrida, que "de maneira resumida, [trata] de estabelecer vários "loops" e inversões visando afetar a cognição de uma nação, de uma população, de uma elite ou de setores de um Estado" (trecho de artigo do Piero em 'Os militares e a crise brasileira'). Segundo o autor, programaram (o consórcio militar programou) um "loop" ou "ataque cognitivo" dentro das Forças Armadas, ao redor da candidatura de Bolsonaro e, posteriormente, na população em geral.

A parte "O lugar da Guerra: problemas conceituais e terminológicos" é a mais densa. Nela, o antropólogo destaca a dificuldade da Ciência Política em analisar o papel dos militares no país, pois ela, a Ciência Política, vê a intromissão militar como sinônimo de desarranjo quando, no Brasil e na América Latina [ver Pulso Latino, episódio 27], é a regra: as Forças Armadas, dada a sua formação positivista, se veem como tuteladoras. A outra dificuldade teórica está em pensar o papel da Guerra Híbrida e da Guerra, pois esta tem como alvos um inimigo externo.

Já no trecho "A cismogênese Dilma - militares e além", Piero dá a sua contribuição para  a interpretação dos acontecimentos recentes - ao "surgimento da nova direita", ao "efeito Bolsonaro", ao bolsonarismo etc - a partir de sua leitura de Guerra Híbrida. Para chegar à polarização que tomou conta do país, o antropólogo utiliza o conceito de "cismogênese", i.e., "um processo de diferenciação entre indivíduos baseada em normas de comportamento que podem produzir tantas oposições quanto convergências a partir de uma acentuada escalada de conflitos e de suas consequentes divisões reforçadas por conflitos já existente são criadas a partir de novos conflitos. Neste sentido, o processo de cismogênese desemprenha uma papel crucial na modelagem dos indivíduos" (p. 11).

"(...) a tática de guerra cismogênica produz efeitos de captura de modo que as pessoas se tornam reféns desta máquina de guerra, desta armadilha conceitual (...) A cismogênese engendra no sujeito um processo de mutação em que uma vez capturado, o cativo torna-se soldado, passando, então, a replicar, como máquina a própria guerra, ativando memórias, aprontando e criando inimigos potenciais e, sobretudo, produzindo IMAGENS." (p. 12, prefácio do professor doutor em Antropologia Marco A. Gonçalves).

Nesse capítulo, para fundamentar a sua tese de que há, em curso, a aplicação de uma Guerra Híbrida a mando de um consórcio militar, do alto escalão, Leirner (2020) faz uma reconstrução "das bases ideológicas e organizacionais das células militares" (p. 180), mostrando como 1) o anticomunismo; 2) a visão de inimigo interno; 3) a Doutrina Francesa de "guerras revolucionárias"; 4) o papel da Amazônia; 5) a Intentona Comunista (1935) e 6) a representação da Ditadura Militar, enfim, de como esses elementos são apropriados e ressignificados pelas Forças Armadas, norteando as suas ações junto à sociedade brasileira.

Vale destacar que, dada a estrutura do Exército, Marinha e Aeronáutica e a forma como estudam - via resumos e apostilas, muitas vezes sem nome do autor; dificilmente leem os originais, por isso o "marxismo cultural" faz parte da cultura e é disseminado -, a ideologia passa do alto comando aos cadetes. É a Guerra Híbrida.

O ponto crítico e desencadeador da marcha militar rumo ao poder teria sido o papel da ex-presidente Dilma Rousseff, ex-guerrilheira anistiada, e a instauração da Comissão Nacional da Verdade (CNV). A percepção - para os militares - de que o Partido dos Trabalhadores (PT) aparelhavam o Estado mais a aproximação com a China e a Rússia evocaram uma ameaça comunista 2.0. Há também a proeminência da Odebrechet em assuntos sensíveis à área militar, como o defesa e tecnologia, petróleo e gás.

Nessa parte, Piero também fala de Bolsonaro e demonstra como o capitão foi um projeto das Forças Armadas. A participação de Bolsonaro, desde 2014, em formaturas da Amam, na primeira fileira, ao lado dos mais altos representantes militares é simbólica demais numa instituição em que todo o simbolismo representa alguma coisa.

Ao final, no trecho de nome 'Blitskrieg", Piero explicita como Bolsonaro é um fantoche. "O Governo da Guerra Híbrida é o da contradição fabricada, da dissonância cognitiva e do viés de confirmação, da guerra psicológica de espectro total" (p. 260); de que forma o consórcio militar atua como a "ala técnica" e "racional" do governo, colocando-se e se enxergando como salvadores da pátria, para, num futuro próximo, descartar o basculho (Bolsonaro). Nesse aspecto, o da 'fabricação' da boa imagem da corporação, a Imprensa tem papel fundamental (veja o editorial do Estadão de hoje, por exemplo). Por fim, o antropólogo aponta que há uma série de leis, tramitando ou já aprovadas no Congresso Nacional, que dá poderes d'um Estado de Exceção ao Partido Militar (Decreto nº 9.819, de junho de 2019; Decreto nº 9.830, de 2019; Decreto nº 9.794, também de 2019). (Piero Leirner não usa a expressão “Partido Militar”. A expressão é do general na reserva Marcelo Pimentel).

"Ora, o que todo esse desenho institucional está apontando, desta forma, é para o estabelecimento de um “estado de guerra permanente”, ou, pelo menos, enquanto aqueles que avaliam a “segurança” julgarem necessário. Isso faz, no meu entendimento, que Augusto Heleno e Villas Bôas tenham o real controle do “input/output” das relações entre o Estado e a Sociedade, controlando a “chave criptográfica” e os ciclos da guerra híbrida no Brasil. Deste modo, para finalizar este livro tentando contemplar a pergunta acima, a única resposta que me ocorre é: os militares pretendem ocupar o centro do Estado e da sociedade, aparelhando aquele e produzindo “hegemonia cultural” nesta, e para isto entenderam que a chave da guerra híbrida é aquela em que eles podem fazer isto sem comprometerem sua integridade, isto é, sem que se perceba que este é um processo que partiu deles.

Para terminar, reconstituo dois diálogos que resumem bem ao mesmo tempo de onde parti como “motivação etnográfica” e onde chegamos com a “análise em rede” que se concretizou neste livro. Como muito bem lembrou meu amigo Luiz Henrique de Toledo (comunicação pessoal: maio de 2019), não há incompatibilidade dos militares com um processo em que o resto do Estado “diminui” (em função da atual orientação neoliberal): quanto menos elementos um Estado se encarregar, mais ao centro os militares estarão. E trata-se de um “centro narcísico”, potencialmente domesticador do resto da sociedade". (p. 299-300).

O buraco é muito embaixo; é desolador.

[Resumo do livro no link abaixo].

site: https://literatureseweb.wordpress.com/2021/06/18/um-resumo-de-o-brasil-no-espectro-de-uma-guerra-hibrida-de-piero-leirner/
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