Fabio 12/03/2024
"O Fim da Inocência"
Escrito em 1954 pelo premiadíssimo escritor e poeta inglês, William Golding (Nobel de Literatura em 1983), o "Senhor das Moscas", é um romance clássico distópico de caráter sócio-politico, habilmente disfarçado de literatura aventuresca, conhecido como um dos livros mais influentes da história da literatura mundial.
Em o "Senhor das Moscas" somos transportados para algum período no decorrer da Segunda Guerra Mundial, e durante uma das evacuações, um avião britânico cai em uma ilha isolada do Oceano Pacifico e os únicos sobreviventes, são meninos entre seis e doze anos, e que sem supervisão adulta, precisam sobreviver por si próprios e enfrentar as vicissitudes do isolamento e das privações.
Escrito em terceira pessoa onisciente e pela perspectiva de múltiplos personagens, o "Senhor das Moscas", sobretudo dá maior ênfase ao ponto de vista dos garotos Ralph, o líder; Jack Merridew, o caçador e ao introspectivo e perspicaz, "Piggy". Os meninos evocam os regimentos civilizatórios e os valores democráticos nos quais foram criados na tentativa de se auto governarem, criando regras básicas para bom convívio e para a sobrevivência, tais com manter o fogo sempre aceso, realizar assembleias para decidir questões importantes, e principalmente a norma de ordem locutória durante as reuniões. Entretanto, é notório que aos poucos a barreira civilizatória vai ruindo e não resiste aos percalços do corrente modus vivendi, e dá espaço a violência, a crueldade e a imoralidade.
De um lado a propensão iluminativa, na tentativa de construção de regras a fim de organizar a vida social, com direitos e deveres condizentes a realidade insular, e do outro o instinto predatório da caça e da matança, e do frenesi involutivo. O medo, a inveja, e as vozes instintivas da selvageria, começam a tomar o lugar do bom senso e da razão, conduzindo-os a uma inevitável derrocada.
É indubitável, que ao longo da narrativa, os garotos transmutam-se paulatinamente em selvagens, à beira da bestialidade, como homens desesperados na loucura da guerra, e ao agregar a intrínseca e incessável busca pelo poder e toda a corrupção a ela inerente, acabam por deturpar a mente primaveril, sobrepujando o ser civilizatório, abrindo espaço para a barbárie.
O "Senhor das Moscas" explora o lado mais escuro da humanidade e nos conduz por caminhos tenebrosos quando ilustra a derrocada humana mediante as disputas sociais, a aos conflitos entre razão e a despersonalização do indivíduo, do atroz ao mais sapiente, mesmo nas situações mais frívolas
Golding, investiga o assombro humano, as visões ilusórias do medo ordinário e a ampla gama de formas pelas quais os indivíduos respondem ao estresse, as transformações e as pressões. E ao luzir o lado mais desfavorável do ser humano, nos apresenta uma versão lôbrega da nossa realidade, e nos coloca defronte aquilo que mais abominamos e tememos
A visão surrealista de Golging, nos conduz por caminhos de quimera, quando nos apresenta ao Senhor das Moscas, e nos revela uma versão contemporânea do Mal (Baalzebub), e como em um sonho febril, cheio de perturbação, somos tomados por asco e repulsa, e depreendemos então, que o mal é evertido e alastra, subvertendo o que toca.
De escrita clara e concisa, repleta de analogias e alegorias, carregada de passagens violentas e chocantes, o "Senhor das Moscas", tem como tônica, a guerra e suas mazelas, e o livro deve ser interpretado através da óptica das correntes pacifistas contrarias ao belicismo, mantendo sempre em mente que a obra, foi composta no pós-guerra, quando eram vastas as discussões sobre a corrida nuclear e a real finalidade dos conflitos bélicos, sobretudo a valorização da vida dos combatentes.
Golding, nos impõe reflexões e nos faz questionar o que está por detrás da natureza humana, e dos instintos, e nos mostra que a guerra insana que foi travada nas páginas de sua obra, são signos dos conflitos que armamos contra nos mesmo e conta aqueles que estão nossa volta. Nos mostra que o valores democráticos impetrados durante toda a história, podem ruir ao mais ínfimo estalar de dedos, pela falta de empatia. Sobretudo, evidencia que o ser é bom e preza pela bondade desde que mantenha vinculo íntimo com a moral, a ética e a evolução social, e que não deve dar espaço aos instintos bárbaros, que são inerentes ao homem primitivo.
O "Senhor das Moscas" exige muito e requer reflexão, enfrentamento, e persistência, mas, de maneira alguma intransponível, haja vista, utilizar de símbolos cristalinos, num estilo persuasivo, sem floreios e prolixidades. Os rumos da obra são impactantes e nos alerta que a barbárie mora ao lado e que não devemos ser irresolutos, visto que a real conjectura que nos opõe, está no âmago e nos coloca contra parede e indaga, sobre o que somos, e aonde realmente querermos chegar.