Craotchky 06/02/2022Verissimo, o retornoSou o maior fã de Erico Verissimo que conheço. Após ler toda a obra ficcional adulta do autor fiquei meio sem chão, pois me senti órfão uma vez que não haveria mais nada de novo de sua obra para conhecer. Na verdade, nada de novo no que se refere a livros de ficção adulta. Entretanto há os livros juvenis, os livros de viagens e os livros que podemos tomar como de crítica literária... Confesso que via e talvez ainda veja estes de alguma forma inferiores àqueles; ou melhor: menos relevantes. O que me trouxe até Tibicuera foi uma boa dose de saudade de Erico. Tibicuera torna-se agora o vigésimo quarto lido e o décimo oitavo resenhado, salvo engano.
Em grande medida As aventuras de Tibicuera é uma obra bastante impessoal, desprovido das particularidades pessoais do autor. Isso se deve talvez ao caráter histórico da narrativa que, ao mesmo tempo em que conta a história do índio Tupinambá Tibicuera, sobrevoa rapidamente, bem rapidamente mesmo, a história do Brasil. Neste contexto, pouco espaço há para divagações e reflexões que poderiam trazer opiniões mais íntimas de Verissimo, com sua visão sobre o mundo e o tempo nos quais viveu.
A narrativa considerada juvenil é conduzida em primeira pessoa pelo índio Tupinambá Tibicuera. Eis aqui um ponto que chama atenção. já que era raro Erico adotar a narração em primeira pessoa. Bem, o índio conta suas aventuras e entrelaça a estas a história do Brasil. O livro passa rapidamente por eventos e personagens históricos relevantes de nossa pátria: a chegada dos portugueses; os movimentos de colonização que se seguiram; as campanhas de catequização; as expedições dos bandeirantes; Maurício de Nassau e os holandeses em Pernambuco; a inconfidência mineira; a escravidão e o quilombo dos Palmares; o tratado de Madri; a chegada de D. João VI e a corte lusitana; D. Pedro I e D. Pedro II, bem como o dia do "Diga ao povo que fico"; a independência do Brasil; a Revolução Farroupilha e outros conflitos sulistas; D. Isabel e a abolição da escravatura; a proclamação da república em 1889...
Tibicuera relata suas andanças pelo país e suas relações com várias figuras históricas que tomaram parte em momentos pontuais do país. Tibicuera foi amigo padre Anchieta, Tiradentes, Zumbi dos Palmares, D. Pedro e tantos outros. Elementos indianistas e folclóricos também figuram na narrativa, sobretudo no princípio, quando o índio fala sobre seu nascimento e infância. Além disso, o livro, ao menos nesta minha edição (São Paulo: Globo, 1996), é ricamente ilustrado com 108 gravuras assinadas por Oswaldo Storni. Imagino que outras edições também tragam esse material.
A única coisa que não gostei foi que Tibicuera aceitou passivamente a conversão ao catolicismo. Incomodou-me a maneira despreocupada com que ele abriu mão de seu sistema de crenças tribais para abraçar outra religião, desconhecida para ele até então. Bem, isso desassossegou a mim, mas pode ser que não desassossegue você. No mais, As aventuras de Tibicuera, com seus capítulos curtíssimos, é um livro rápido, que não se detém por muito tempo nas cenas e acontecimentos. Não fosse isso talvez não conseguiria abarcar tudo o que pretende em tão poucas páginas.