bobbie 23/08/2020
Como resenhar um vencedor do Prêmio Nobel de Literatura?
"Nossa infância torna-se como um país estrangeiro, uma vez que crescemos", é uma citação de uma poetisa japonesa (real, fictícia?) quase ao final de Quando éramos órfãos, e não poderia haver descrição mais certa do que essa de um tempo passado que todos os adultos experimentam. Tempo passado este que é o mote deste romance, como sempre finamente escrito por Kazuo Ishiguro. Christopher Banks, o protagonista, nos conta a história de sua vida sempre de um ponto de vista nostálgico, mesmo quando fala do "presente", pois ele mesmo já está passos adiante. Nunca - e perdoem-me se generalizei sem analisar a fundo frase a frase - Banks nos contará sua história a partir do agora, do momento presente. O presente, para ele, praticamente não existe. Sua vida inteira é composta por tijolos de memória, que ele assenta um sobre os outros, lentamente, e nem sempre com segurança: há inúmeras passagens em que as lembranças são borradas, como se surgissem detrás de uma cortina de fumaça, ou um véu que o Tempo inevitavelmente estende sobre os olhos de todos nós. A prosa de Ishiguro é memorável, como a busca por lembranças de seu protagonista, e não se arma da pompa das palavras difíceis e enredos complicados para se passar por bela ou elevada. O único ponto negativo, que me fez tirar uma estrela da minha avaliação, foi o apagamento de um importante personagem, cujo desfecho eu gostaria muito de ter conhecido, o que não ocorreu. No mais, este romance foi lançado no ano 2000, mas a edição que resenho, da Companhia das Letras, é de 2017. Contudo, a editora não revisou o texto de acordo com as regras ortográficas vigentes desde 2009. Incomodou-me muito ver muitas "idéias", "tranqüilidades" e outras grafias do passado num texto recentemente editado. Ficou feio e pegou mal. Nada que tire o brilho de Ishiguro, mas passou uma ideia de desleixo, principalmente em uma edição tão linda, tão caprichada.