Paulinho 31/05/2013
"A única pessoa no seu caminho é você mesma." Cisne Negro
O Outro
O Duplo, título original; Dvoinik, do consagrado escrito Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, foi publicado em 1846. Eu fiquei sabendo desta obra após assisti o bônus do DVD Cisne Negro, chamado A Metamorfose do Cisne Negro, onde Darren Aronofsky, diz ter tido a idéia do filme em O Duplo e após ter assistido a uma apresentação de O Lago dos Cisnes ele decidiu trabalhar com essa temática. Uma boa obra sempre puxa outra, amei tanto esse filme, que decidir ler o livro que o inspirou e não podia estar mais satisfeito. O Duplo é um trabalho de excelente escrita. Centrado principalmente nos diálogos, Dostoiévski cria uma atmosfera dúbia e angustiante. São nos diálogos que estão muitas pistas sobre a real condição do nosso herói, nas narrativas de seus encontros com O Duplo e no comportamento de alguns personagens como o criado Pietruchka.
O livro narra a desventura do senhor Golyádkin, que devido a um benfeitor consegue um emprego, e isso o induz a pensar que ele foi convidado a um jantar da aristocracia russa. O seu nome já expressa sua condição:
O sobrenome Golyádkin deriva de golyadá, que significa pobre, indigente, mendigo, miserável etc.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo IV. Página 53.]
Golyádkin é um homem introspectivo, que não consegue expressar-se com fluidez, é tímido e solitário como fica claro nesses trechos:
[...] seu tratamento deve consistir na mudança de hábitos... Bem, em divertimento; fazer visitas a amigos e conhecidos e ao mesmo tempo não ser inimigo da garrafa; conviver em grupos divertidos.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 21.]
- Estou dizendo que me desculpe, Crestian Ivánovitch, porque, pelo que me parece, não sou mestre em falar bonito.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 23.]
A novela que narra a saga do senhor Golyádkin é constituída de treze capítulos e tem ilustrações fantásticas de Alfred Kubin. O livro é fácil de ler e é interessante, o estimulo é perceber as dicas que o autor nos dá durante todo o livro. O inicio de Cisne Negro é bem parecido com o do livro, ou seja, começa com um despertar, isso é importante, pois não temos nenhuma informação anterior do senhor Golyádkin a não ser as sugeridas em diálogos, fica claro, portanto que embora o narrador seja em terceira pessoa, a história é contada do ponto de vista de Golyádkin, assim como no filme Cisne Negro os movimentos de câmera sugerem que o ponto de vista é o de Nina.
Aliás, ficou uns dois minutos deitado em sua cama, imóvel, como alguém que ainda não sabe direito se acordou ou continua dormindo, se tudo o que está acontecendo a seu redor é de fato real ou uma continuação dos seus desordenados devaneios.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo I. Página 09.]
Golyádkin não gosta da alta sociedade russa, não aceita participar suas falsidades e hipocrisias e por isso está só, mas deseja inserir-se nela devido a sua paixão Clara Olsúfievna.
- Eu Crestian Ivánovitch continuou o senhor Golyádkin no mesmo tom anterior, um pouco irritado e preocupado com a extrema insistência de Crestian Ivánovitch -, eu, Crestian Ivánovitch, gosto da tranquilidade e não do burburinho da alta sociedade.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 23.]
"- Senhores, até hoje não me conheceram. Dar explicações aqui e agora não seria de todo oportuno. Vou lhes dizer apenas uma coisa breve, de passagem. Há pessoas, senhores, que não gostam de rodeios e que só usam máscaras nos bailes de máscara. Há pessoas para quem o objetivo imediato do homem não está em sua habilidade para fazer rapapés. Também há pessoas, senhores, que não dizem que são felizes e levam uma vida plena, mas, por exemplo, usam calças que lhes caem bem. Há, por fim, pessoas que não gostam de andar por aí saltitando e saracoteando à toa, procurando cair nas graças de alguém, bajulando e principalmente, senhores, metendo o nariz onde não são chamadas... Senhores, eu disse quase tudo; agora permitam que me retire..."
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo III. Página 38.]
Ele sugere também que há um lado seu desconhecido:
- Os senhores todos me conhecem, mas até agora só conheceram um lado meu. Neste caso não cabe censurar ninguém, e confesso que eu mesmo tenho uma parte da culpa.
[ O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo III. Página 37.]
Todos esses trechos servem para expor que a solidão é o maior mal de um ser humano. Tanto no filme Cisne Nego quanto no livro os protagonistas parecem viver dentro de si, sem sair, sem se divertir e sem amigos outro ponto interessante é a ideia de perseguição:
- Eu tenho inimigos, Crestian Ivánovitch, tenho inimigos; tenho inimigos cruéis, que juraram me arruinar...
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 26.]
E para percebermos como o estado de Golyádkin é grave o trecho que faz referência a remédios:
-Vou continuar tomando os medicamentos como o senhor diz, Crestian Ivánovitch, vou continuar tomando-os e também comprando-os na mesma farmácia... Hoje em dia, Crestian Ivánovitch, até ser farmacêutico já é uma coisa importante...
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 28.]
Montado esse o quadro psicológico do personagem começa-se a narrativa das conturbações do nosso herói, quando Golyádkin ver seu Duplo é bem parecido com a ideia de Cisne Negro, um homem passa por ele e ele percebe que o transeunte é igual a ele.
Súbito ele parou como se estivesse plantado, como se um raio o tivesse atingido, virou-se rápido para trás, seguindo o transeunte que acabava de ultrapassá-lo voltou-se de um jeito como se algo o tivesse puxado por trás, como se o vento o tivesse feito girar como um cata-vento.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo V. Página 68-69.]
Não irei estender demais esta análise, queria apenas traçar alguns paralelos entre o filme, Cisne Negro e a novela O Duplo. Por isso ressalto aqui outra semelhança importante, os espelhos.
À porta, que até então ele tomara por um espelho, como outrora já lhe acontecera, apareceu sabe-se quem: ele, o conhecido bem íntimo e amigo do senhor Golyádkin.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo XII. Página 208-209.]
O Duplo é uma verdadeira viagem a o inconsciente humano, aos seus desdobramentos, a sua importância. Um livro para se ler, ver, olhar e reparar como diria José Saramago. A obra que com certeza influenciou muitas outras tais como: a duplicidade de Golum de O Senhor dos Anéis, as histórias de irmãos gêmeos, clones, e tantos outros personagens nos quais a ambiguidade e a duplicidade são fundamentais.
A sanidade humana depende da companhia de outras sanidades.
Procura um homem bom, meu amigo. Hoje em dia um homem bom é coisa rara, meu querido; ele toma um trago contigo, te dá de comer, de beber, minha cara e boa alma... Porque às vezes percebes que até através do ouro lágrimas escorrem, meu amigo... [...].
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo XIII. Página 221.]
E lembrem-se:
Porque, como diz o ditado, guarda-te do homem que não fala e do cão que não ladra.
[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo VI. Página 91.]