O duplo

O duplo Fiódor Dostoiévski




Resenhas - O Duplo


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G.L. 25/02/2020

Um livro sobre autoconhecimento
Sem dúvida, foi uma das leituras mais impactantes que já fiz, não é à toa que Dostoiévski considera que essa tenha sido sua obra prima.
O romance conta a história de Golyádkin, um funcionário público que, em um dia comum, depara-se com um homem fisicamente igual a ele mesmo, um clone. Esse clone, Golyádkin II, passa a espoliar o primeiro de todas as suas posições sociais: seu trabalho, seus amigos, seu ambiente familiar, até que não sobre nada. Golyádkin I assiste a tudo isso perplexo, pois considera que o II consiga tais feitos por ser, internamente, tudo o que ele sempre quis ser, mas nunca conseguiu.
Não é uma leitura agradável, é maçante e repetitiva, não dá pra ler por pura diversão, porque não rola. Isso não a faz menos válida, pelo contrário, a forma é muito importante e ajuda a representar as tensões psicológicas e sociais de um indivíduo que se vê perdido em meio aos padrões de conduta da classe média/alta russa.
É lindo, é perturbador, me fez refletir sobre muitas das minhas ansiedades sociais.
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Marcia 03/03/2023

Minhas impressões sobre o livro
Como você reagiria se de repente desse de encontro com alguém igualzinho a você? E com o mesmo nome?
Situação muito diferente e meio que assustadora não é mesmo!?
Esse livro eu comecei a ler sem saber nada sobre a história, nao li sinopse, nem resenhas e nem comentários. Com isso foi uma surpresa todo seu desenrolar, me fazendo vivenciar todas as dificuldades e emoções passadas pelo protagonista.
A história se passa na Rússia e passear pelas ruas, entrar em algumas casas e vivenciar o dia a dia do protagonista, interagindo com outras pessoas foi muito instrutivo. Vivenciaremos junto com o protagonista a dificuldade imensa de ser aceito pela sociedade, de ter amigos, de fazer parte de um grupo. Isso o perturba demais e a situação se complicara um pouco quando surgir o seu duplo. Quem é esse duplo? Como aparece assim e ja vai interferindo na vida do protagonista?
Se puder, não leia a sinopse e mergulhe na história. Pra mim a sinopse e as resenhas entregam muito do livro, tirando um pouco da vivência. O final, que me emocionou, é previsível e também é uma surpresa. Como pode ser assim? Leiam! Mas se for ler, se dedique a ele pois é necessária atenção. Em alguns trechos me perdi e precisei retornar. Valeu muito a pena e deixo aqui minha sugestão de leitura.
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Luíza | ig: @odisseiadelivros 07/02/2020

Eu odeio o senhor Golyádkin
Após passar raiva atrás de raiva acompanhando a (confesso agora) interessante história de Golyádkin, descobri que “O duplo” é uma das primeiras publicações de Dostoiévski. O próprio escritor, no entanto, a classifica como a contribuição mais séria que deu à literatura. E foi então que eu pude perceber que a origem da raiva que sentia não estava relacionada unicamente ao personagem, à sua linguagem esdrúxula e ao absurdo de sua história, mas a todos esses fatores reunidos, que teceram habilmente uma crítica social à época – talvez até hoje, não sei – do autor. Devido a recepção que esse livro tem até hoje, é compreensível o fato de que na época também não foi bem recebido. Era um livro muito à frente de seu tempo ou muito comprometedor para a sociedade russa?
A história se inicia com um dia aparentemente típico para o nosso herói (como menciona o narrador) senhor Golyádkin e percebemos, ao decorrer de suas ações, como ele é desconfiado, possui vícios de linguagem extremamente irritantes, submisso aos seus chefes e é apenas corajoso dentro de sua cabeça, pois na vida real não reage para coisa alguma! A vida do protagonista se transforma quando, no dia seguinte, um novo funcionário chega à repartição em que ele trabalha. Para sua surpresa, o novato é ele mesmo. O seu duplo. A partir disso, somos jogados em uma narrativa que nos faz duvidar não só da sanidade do herói, mas da nossa. Muitas vezes eu tinha que voltar alguns parágrafos para saber se eu estava lendo certo, se eu havia entendido o que realmente estava acontecendo. Há, em inúmeros pontos, a manifestação da consciência de Golyádkin, confusa assim como ele, além de covarde. Golyádkin se mostra incapaz de confrontar a si próprio e a seu duplo.
Para quem, por acaso, está lendo esta resenha não sabendo se lê ou continua a história: continue. Não é apenas uma narrativa absurda, é uma narrativa altamente crítica. Foi minha primeira experiência com Dostoiévski e, apesar de ter demorado a entender a que ponto ele queria chegar com a história, posso dizer que fiquei curiosa para me adentrar mais em sua obra. Se esse é considerado, por ele mesmo, o ponto alto de sua carreira literária, imagino o que devem ser os outros livros, muito bem elogiados pela crítica.
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Diego 12/09/2020

Estranho
Bem estranho. Lembrou-me bastante Kafka.
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Thales 11/12/2020

E pensar que Dostô escreveu esse treco com minha idade
O cara é: a musa inspiradora da psicanálise, o pai do niilismo nietzschiano, estudado em criminologia e direito penal, vertente de estudo teológico. Por isso "O duplo", que em Dostoiévski é uma obra menor, poderia ser a obra-prima de qualquer literato importante tamanha a sua envergadura. E esse é só o SEGUNDO livro do russo, que o escreveu quando tinha minha idade. Que afronta.

Quando o livro foi lançado, a crítica não o recebeu muito bem por conta do estilo de narrativa empregado. Óbvio, hoje a gente lê sabendo quem é o monstro sagrado Dostoiévski, entendendo a obtusidade de seus personagens, o modelo experimental de trânsito entre realidade e paranoia. Mas quando "O duplo" saiu ele era só um moleque razoavelmente desconhecido. Essas inovações, portanto, foram confundidas com falta de qualidade mesmo - o que é até justificável. E é bem fácil a gente entender o porquê da confusão.

A história é propositalmente contada de uma forma caótica. Golyádkin tem, entre vários problemas, uma dificuldade crônica de comunicação: repete nomes próprios, encerra frases no meio, confunde sentidos, não apresenta uma métrica usual no discurso. O narrador, ao assumir o lado do protagonista, embarca nesse mesmo caos. Narrador esse que é irônico o tempo todo, se refere sempre ao "nosso herói", confere um caráter épico às questões mais absurdamente triviais da história. E o pior de tudo: toda a narrativa transita num limiar muito tênue entre realidade objetiva e construção imagética do Golyádkin.

Logo no início nós somos alertados para isso no diálogo entre o "herói" e seu médico. Portanto, nós sempre temos que ter um pé atrás com os acontecimentos, ou, mais particularmente, com o que gera os acontecimentos. Tudo o que parte do Golyádkin é duvidoso, tudo o que ele ou o narrador nos contam pode ser ou não real. É uma LOUCURA.

Isso, de certo, só piora com a chegada do "duplo", tanto no âmbito da narrativa como nos acontecimentos. Na mesma noite em que Golyádkin visita seu médico e acontece a vergonha da festa o doppelganger surge, e isso dá bem o tom do que viria pela frente. Os diálogos entre os dois são extremamente caóticos, já que possuem o mesmo nome (!!) e o narrador é obrigado a usar "primeiro"/"segundo", adjetivos vários e diferentes pronomes para designar um e outro. A por vezes grande dificuldade de entender quem fala o quê é um dos esforços que Dostoiévski empreende.

E sobre a relação dos dois em si, não é difícil entender porque a psicologia se debruça tanto sobre isso. Golyádkin é uma pessoa diagnosticada com solidão, sem amigos, com dificuldade para entender a realidade concreta e que projeta suas inseguranças nas pessoas ao seu redor. Do nada surge um exato "ele" que é confiante, afável, persuasivo e extremamente amigável, que paulatinamente vai tomando seu lugar na repartição e na vida em sociedade. O "eu" real x projeção metafísica do "eu" ideal é um tema maravilhoso que é soberbamente abordado aqui. A cena dos pastéis no restaurante fica passando a todo momento pela minha cabeça - muito novela mexicana mesmo.

Como eu já disse, é muito difícil saber o que é um fato concreto e o que é uma projeção do Golyádkin. Por isso é até difícil fazer um juízo sobre os acontecimentos narrados, sobretudo os que envolvem "o duplo". O final é um banho de água fria e um convite a você revisitar tudo o que tinha entendido até ali, colocando em perspectiva sua compreensão do todo da história.

Confuso? Genial? Inovador? Caótico? Dostoiévski.
Rafaela1643 11/12/2020minha estante
Esse está na minha lista também :)


Thales 11/12/2020minha estante
Depois de "Crime e castigo" e "O idiota" tu vai tirar esse de letra kkk


Rafaela1643 11/12/2020minha estante
rsrsrs pois é, thales! Queria ter começado por esses ..


Thales 11/12/2020minha estante
Eu respeito muito quem começa pelos calhamaços. Eu não tenho essa capacidade não rsss


Rafaela1643 12/12/2020minha estante
Obrigada. rsrs Mas olha, minha dificuldade nem foi tanta com esses dois calhamaços, e sim com ?Memórias do Subsolo?. Que é bem fino. Terei que reler futuramente.


Thales 12/12/2020minha estante
É, tenho que admitir que "Memórias do Subsolo" me dá mais medo que as tretas do Raskólnikov... Agora com o que tu disse só melhorou haha


Rafaela1643 12/12/2020minha estante
sim, as tretas de Raskólnikov chega a ser fácil perto do monólogo do homem do subsolo, viu?! Mas gosto muito dos dois e ainda irei relê-los.


Aryana 15/12/2020minha estante
Ahh, vou ler!!


Thales 15/12/2020minha estante
Se entregue de vez aos russos, Aryana! ??


Aryana 15/12/2020minha estante
De cabeça ? Em janeiro vou ler O Idiota do Dostô, já leu?


Thales 15/12/2020minha estante
Putsss eu ainda me sinto um neném literário pra ler "O Idiota". Tô primeiro me acostumando com os menores dele pra depois ler os calhamaços ?? Mas aposto que tu vai amarr


Aryana 15/12/2020minha estante
Espero ???




Lucas 21/11/2020

Angústia e desnudamento psicológico: Dostoiévski em seu primeiro ato caótico-narrativo
Impulsionado pelo sucesso do seu primeiro livro (Gente Pobre, de 1846), Fiódor Dostoiévski (1821-1881) lançou no mesmo ano O Duplo, seu segundo trabalho narrativo. Dada a impressão excelente que a crítica geral dispensou à sua primeira obra, O Duplo veio com grandes expectativas; os críticos literários, contudo, não reconheceram na obra a mesma qualidade da primeira. E isso afetou o jovem Dostoiévski.

Fundamentalmente, é esta não-aceitação por parte da crítica que torna O Duplo uma obra importante dentro da carreira do escritor russo. É a partir dele que Dostoiévski acaba travando uma "batalha psicológica" contra a crítica especializada, gerando uma relação conturbada ao longo dos anos. Especialmente até 1849, quando o escritor é preso sobe alegações de agitação popular, os críticos deixavam de valorizar seus trabalhos, deixando Dostoiévski num papel de relativo ostracismo junto a literatura russa (papel este sensivelmente alterado quando o escritor volta ao cenário literário na década de 1860, após dez anos de reclusão e serviços militares de caráter punitivo).

Hoje sabe-se, contudo, que O Duplo trouxe uma exacerbação do ainda jovem realismo em voga na literatura da época. O que tinha se visto até então, especialmente com Nikolai Gógol (1809-1852), era um realismo raso, terreno e material, não no sentido de qualidade das obras, mas apenas em termos de enfoque. Talvez o primeiro passo rumo ao aprofundamento desse movimento tenha sido com Gente Pobre, mas no texto desse livro ainda se percebe um pé do autor dentro do realismo tradicional, ocupado por descrever a realidade em seu sentido mais amplo (neste caso de Gente Pobre, a descrição de um casal de vizinhos, Makar Diévuchkin e Varvara Alieksiêievna, em condições sociais paupérrimas. Dostoiévski é aqui reticente, especialmente em comparação às suas grandes obras: alguns traços da regeneração por meio do sofrimento são expostos de forma apenas pontual, sem a contundência que acabou definindo-o como escritor). O Duplo rompeu essa barreira: o realismo é também direcionado para aspectos psicológicos, para a mente dos personagens, utilizando-se de nuances surrealistas.

O que confere a O Duplo essa carga de surrealismo e até mesmo de absurdo é o seu enredo, simplista e restrito a alguns poucos personagens. Basicamente, a história gira em torno de um deles, Yákov Pietróvitch Golyádkin, funcionário público que não vive em condições de miséria (isso afasta as comparações com Gente Pobre; não que a miséria inexista, mas ela está longe de assumir o protagonismo do primeiro livro). Aqui, o leitor terá diante de si um personagem com inúmeras perturbações: o primeiro capítulo da obra simboliza isso. Golyádkin sente um desejo latente por aceitação social, mas ele é claramente antissocial. Detesta as falsidades, as "conversas moles" dos círculos sociais, mas luta para estar nelas. O quadro resultante destas contradições é aquela técnica que viria a ficar batida por Dostoiévski: a exposição da luta do homem, com seus medos, angústias e incompreensões contra um mundo frio, que segmenta e ridiculariza outros indivíduos.

Entretanto, O Duplo não é sobre a luta do protagonista contra o seu mundo, mas contra outro homem, idêntico fisicamente e com personalidade distinta. Inesperada e inexplicavelmente, Golyádkin se vê diante de um sujeito fisicamente igual, homônimo, mas com uma personalidade maquiavélica que vai se revelando aos poucos. O que Dostoiévski vai chamar de "Golyádkin segundo" é uma espécie de parasita, que aumenta em "Golyádkin primeiro" a sensação de incompreensão, de não-pertencimento ao mundo que o rodeia. Este absurdo por si só é renegado a um papel secundário; em primeiro plano, o que fica é a descrição do psicológico de Golyádkin.

Todo esse processo de tentativa de compreensão por parte do protagonista e as consequências nefastas dos atos do seu duploo no meio em que eles viviam correspondem ao cerne do livro, a veia mestra que faz a narrativa circular pelos obscuros meandros da consciência de um indivíduo (muito) perturbado. Dostoiévski, se forem tomadas em conjunto todas as suas obras, tinha uma apego considerável pelo caos. O Duplo traz o primeiro símbolo deste apreço: este cerne mencionado arrasta o protagonista a um cataclismo narrativo, que adquire ares de inevitabilidade desde o fim do primeiro dos treze capítulos da obra. Golyádkin, assim, pode ser visto como um irmão mais velho de muitos outros personagens históricos do autor, tais como Rodion Raskólnikov (Crime e Castigo, 1867), princípe Míchkin (O Idiota, 1869) e Ivan Karamázov (Os Irmãos Karamázov, 1881).

Mas a regeneração, tema também recorrente nas obras posteriores de Dostoiévski, em O Duplo adquire um papel bem diminuto. Não podem ser revelados certos aspectos, mas as obras citadas acima oferecem uma possibilidade mais substancial de regeneração, por meio de filosofias próprias ou, principalmente, através de contemplações religiosas e/ou místicas. Golyádkin em determinados momentos bem isolados até demonstra esta capacidade de contemplação mais pluralizada, mas o que acaba prevalecendo são suas angústias. Não que isso signifique que O Duplo seja ruim ou que destoa negativamente das outras obras do autor, mas por diminuir o papel da regeneração dentro da narrativa acaba fazendo dela um relato bem mais psicológico (sem ser confuso) do que reflexivo ou edificante. Mas a influência da trajetória de Golyádkin nos outros escritos dostoievskianos é relevante, já que, especialmente nas obras citadas, há a presença de "duplos" específicos, personagens que se contradizem entre si, só que de uma forma menos explícita.

O Duplo é um livro curioso, para dizer o mínimo. Gera no leitor emoções contraditórias, fazendo dele um passageiro numa viagem rumo a uma mente perturbada. Nesta viagem, não dá para ignorar o sentimento de identificação com algumas ideias de Golyádkin, não no sentido da perca da razão, mas em suas análises das hipocrisias inerentes às convenções sociais, que ainda hoje perduram. Estas e algumas outras nuances menores podem ajudar a definir Dostoiévski como um visionário, muito a frente do seu tempo: o passar das décadas o legou à perpetuidade literária, fazendo a crítica literária da época ser engolida pelo seu talento inigualável de descrição psicológica dos seus personagens.
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Raissa 31/10/2023

Terminei na força do ódio
Primeiro livro do Dostoiévski que não me agradou, faz parte! A história tinha tudo pra dar certo, os temas psicológicos, loucura, devaneios, me lembrou vagamente algumas partes de O Médico e o Monstro, mas simplesmente não rolou pra mim. O protagonista é super chato e, pra representar o estado mental dele, suas falar são propositadamente escritas de forma repetitiva, ou seja, na metade do livro já dá um cansaço de continuar. Mesmo assim eu não vou deixar de indicar, isso foi apenas a minha experiência de leitura e sei que algumas pessoas amaram a história.
Mireille 31/10/2023minha estante
?




Toni 07/02/2012

Ambiguidade e desintegração
Mikhail Bakhtin identifica as raízes do romance dostoievskiano na tradição sério-cômica do diálogo socrático, da sátira menipeia e do romance de aventuras. Esses gêneros se diferenciam dos gêneros estritamente sérios – como a epopéia e a tragédia – na medida em que, ao contrário da seriedade retórica unilateral, da racionalidade, da univocidade e do dogmatismo destes, aqueles apresentam uma “alegre relatividade”, “dotada de uma poderosa força vivificante e transformadora e de uma vitalidade indestrutível” (BAKHTIN, 2010, p.122). A dualidade, a natureza profundamente dialógica e a relatividade na busca da verdade, dados geralmente no limiar entre a vida e a morte, a loucura e a sanidade, levam as personagens de Dostoiévski, à maneira das personagens dos gêneros sério-cômicos, a se libertarem das determinações histórico-biográficas, comuns aos gêneros sérios, e se tornarem homens de ideias, na acepção mais profunda do termo.

É no limiar entre loucura e sanidade que são narradas as malogradas aventuras do amanuense Yákov Pietróvitch Golyádkin, protagonista de O Duplo. Levada ao prelo no início de 1846, logo após seu aclamado romance de estreia, Gente pobre, trata-se de uma novela sobre o desdobramento da personalidade e o contraste entre as ambições de um conselheiro titular e a impossibilidade de ascensão social na corrupta hierarquia burocrática petersburguense. Contrariando a seriedade do tema, todavia, a novela possui uma composição essencialmente carnavalizada, construída como estilização parodística em dois níveis diferentes, um externo e outro interno à obra: o primeiro diz respeito ao diálogo do texto de Dostoiévski com o estilo elevado de Almas mortas e das narrativas breves de Gógol, como O nariz e Diário de um louco; internamente, a paródia é estabelecida na relação entre o protagonista e o narrador, quando a expressão deste último parece se identificar com a consciência de Golyádkin, para em seguida manter-se a distância com o intuito de parodiar o mesmo Goliádkin de quem parecia compadecer-se.

A oscilação entre paródia e simpatia determina o tom tragicômico da novela, engendrando a ambiguidade característica das obras iniciais de Dostoiévski, nas quais, segundo Frank, “um personagem é apresentado simultaneamente como oprimido pela sociedade e condenável e desprezível do ponto de vista moral” (FRANK, 1999, p.393). Nesta novela, Golyádkin é carente de convívio social e se esforça por ascender socialmente sem, contudo, entregar-se às exigências de “fazer rapapés” e “embelezar o estilo” que a sociedade almejada por ele demanda. Nas palavras de Bakhtin, “a novela conta como Golyádkin queria passar sem a consciência do outro, sem ser reconhecido pelo outro, queria evitar o outro e afirmar a si mesmo, e conta no que isso deu.” (BAKHTIN, 2010, p.247). A discrepância entre a consciência que tem de si mesmo e as ações que desempenha no mundo real, incompatíveis com as relações burocráticas, leva Golyádkin à mania de perseguição que culminará com o aparecimento do duplo – idêntico ao primeiro, mas seu contraponto social: seguro, autossuficiente e zombeteiro – que surge para provocar o protagonista e ser bem sucedido nos espaços onde Golyádkin fracassara.

A alta concentração de ambiguidade e desintegração em O Duplo impediu que a recepção da novela em 1846 correspondesse às expectativas de Dostoiévski. Frente a um público que procurava obras bem acabadas e com uma mensagem claramente definida, as atrapalhadas aventuras do senhor Golyádkin só poderiam malograr. É interessante notar que aqueles mesmos elementos que garantiram sua repulsa quando de seu lançamento são, para a modernidade, fatores determinantes à sua apreciação, que se baseia no grau de ambiguidade e irredutibilidade da obra. Até hoje O Duplo permanece uma leitura perturbadora, que nos faz lembrar a assertiva de James Wood acerca do escritor russo: “nada na literatura (...) prepara o leitor para os personagens de Dostoiévski” (WOOD, 2011, p.140).
Toni 08/09/2012minha estante
Olá Daniel, concordo com você em todos os detalhes de seu comentário. O Goliádkin é mesmo uma versão patologicamente piorada do Makar. Nos estudos que li sobre a obra do Dostoiévski marca-se bastante essa "repetição" (que não é bem repetição mas vá-lá) de "tipos" emprestados a outros autores e de obras anteriores dele. O próprio Gente Pobre (que também admiro muito; quis fazer uma resenha mas a época não deixou) tem muito do personagem Akaki d'O capote, de Gógol (referenciado no romance numa passagem que considero brilhante!).

Tive que ler bastante Dostoiévski devido a uma disciplina optativa do mestrado e, coincidentemente, li esse artigo que você citou para escrever meu trabalho final da disciplina que tinha tudo a ver com o que é dito ali. Dei a minha análise o título "'Ah se eu fosse poeta!': A carnavalização na descrição do baile de Clara Olsufievna em 'O Duplo'". Trata do capítulo IV que considero dos mais brilhantes dentro da obra de Dostoievski. Alguns trechos desta resenha foram tirados de lá. Se algum dia eu publicá-la, passo-te o link acto contínuo.

Enfim! Valeu pelo comentário, é excelente ter com quem discutir por aqui. =}




Karina Paidosz 10/07/2022

De todos as leituras de Dostô, a que menos gostei foi essa.

Fiquei muito perdida nos assuntos que falam de um, de repente já falava de outro sem nem terminar a conversa anterior.

De repente é o tipo de narrativa, mas que definitivamente não é o meu estilo favorito .

O enredo tbm não me prendeu.

?
Alê | @alexandrejjr 11/07/2022minha estante
E tá tudo bem! Têm livros que não batem mesmo...


Karina Paidosz 11/07/2022minha estante
Sim, obrigada, Alê ??




Rayane Lau 05/05/2021

Bom demais!
O Duplo é o meu segundo livro lido do autor que eu leio, e gostei bastante não senti tanta diferença assim do primeiro, eu o acho igualmente bom e profundo, tocante.
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Luiz 16/05/2021

Uma passagem de "Gente Pobre", o primeiro romance de Dostoievski, explica muito bem esse livro: "há obras que, por mais que a gente leia e releia, às vezes, por mais que quebre a cabeça, são tão astuciosas que é como se não a entendêssemos."
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Jeffez 27/12/2023

Exige um nível de leitura intermediário
Não é uma leitura fácil para leitores iniciantes, ou pessoas que não tem afeição pelas escritas de Dostoievski.

Você acaba se perdendo no meio de tanta confusão, o personagem confuso com o meio que vive sendo isolado e tendo um suposto clone roubando sua posição na sociedade, confunde você totalmente, os nomes dos personagens também dificulta um pouco. Você precisa estar bastante atento, fisgando o que o autor quer passar.. não achei uma leitura fluida e fácil, pensei em desistir várias vezes. Mas finalizei e entendi. Confusão de início ao fim ikk
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Paulinho 31/05/2013

"A única pessoa no seu caminho é você mesma." Cisne Negro
O Outro

O Duplo, título original; Dvoinik, do consagrado escrito Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski, foi publicado em 1846. Eu fiquei sabendo desta obra após assisti o bônus do DVD Cisne Negro, chamado A Metamorfose do Cisne Negro, onde Darren Aronofsky, diz ter tido a idéia do filme em O Duplo e após ter assistido a uma apresentação de O Lago dos Cisnes ele decidiu trabalhar com essa temática. Uma boa obra sempre puxa outra, amei tanto esse filme, que decidir ler o livro que o inspirou e não podia estar mais satisfeito. O Duplo é um trabalho de excelente escrita. Centrado principalmente nos diálogos, Dostoiévski cria uma atmosfera dúbia e angustiante. São nos diálogos que estão muitas pistas sobre a real condição do nosso herói, nas narrativas de seus encontros com O Duplo e no comportamento de alguns personagens como o criado Pietruchka.

O livro narra a desventura do senhor Golyádkin, que devido a um benfeitor consegue um emprego, e isso o induz a pensar que ele foi convidado a um jantar da aristocracia russa. O seu nome já expressa sua condição:

O sobrenome Golyádkin deriva de golyadá, que significa pobre, indigente, mendigo, miserável etc.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo IV. Página 53.]

Golyádkin é um homem introspectivo, que não consegue expressar-se com fluidez, é tímido e solitário como fica claro nesses trechos:

[...] seu tratamento deve consistir na mudança de hábitos... Bem, em divertimento; fazer visitas a amigos e conhecidos e ao mesmo tempo não ser inimigo da garrafa; conviver em grupos divertidos.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 21.]

- Estou dizendo que me desculpe, Crestian Ivánovitch, porque, pelo que me parece, não sou mestre em falar bonito.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 23.]

A novela que narra a saga do senhor Golyádkin é constituída de treze capítulos e tem ilustrações fantásticas de Alfred Kubin. O livro é fácil de ler e é interessante, o estimulo é perceber as dicas que o autor nos dá durante todo o livro. O inicio de Cisne Negro é bem parecido com o do livro, ou seja, começa com um despertar, isso é importante, pois não temos nenhuma informação anterior do senhor Golyádkin a não ser as sugeridas em diálogos, fica claro, portanto que embora o narrador seja em terceira pessoa, a história é contada do ponto de vista de Golyádkin, assim como no filme Cisne Negro os movimentos de câmera sugerem que o ponto de vista é o de Nina.

Aliás, ficou uns dois minutos deitado em sua cama, imóvel, como alguém que ainda não sabe direito se acordou ou continua dormindo, se tudo o que está acontecendo a seu redor é de fato real ou uma continuação dos seus desordenados devaneios.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo I. Página 09.]

Golyádkin não gosta da alta sociedade russa, não aceita participar suas falsidades e hipocrisias e por isso está só, mas deseja inserir-se nela devido a sua paixão Clara Olsúfievna.

- Eu Crestian Ivánovitch continuou o senhor Golyádkin no mesmo tom anterior, um pouco irritado e preocupado com a extrema insistência de Crestian Ivánovitch -, eu, Crestian Ivánovitch, gosto da tranquilidade e não do burburinho da alta sociedade.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 23.]

"- Senhores, até hoje não me conheceram. Dar explicações aqui e agora não seria de todo oportuno. Vou lhes dizer apenas uma coisa breve, de passagem. Há pessoas, senhores, que não gostam de rodeios e que só usam máscaras nos bailes de máscara. Há pessoas para quem o objetivo imediato do homem não está em sua habilidade para fazer rapapés. Também há pessoas, senhores, que não dizem que são felizes e levam uma vida plena, mas, por exemplo, usam calças que lhes caem bem. Há, por fim, pessoas que não gostam de andar por aí saltitando e saracoteando à toa, procurando cair nas graças de alguém, bajulando e principalmente, senhores, metendo o nariz onde não são chamadas... Senhores, eu disse quase tudo; agora permitam que me retire..."

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo III. Página 38.]

Ele sugere também que há um lado seu desconhecido:

- Os senhores todos me conhecem, mas até agora só conheceram um lado meu. Neste caso não cabe censurar ninguém, e confesso que eu mesmo tenho uma parte da culpa.

[ O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo III. Página 37.]

Todos esses trechos servem para expor que a solidão é o maior mal de um ser humano. Tanto no filme Cisne Nego quanto no livro os protagonistas parecem viver dentro de si, sem sair, sem se divertir e sem amigos outro ponto interessante é a ideia de perseguição:

- Eu tenho inimigos, Crestian Ivánovitch, tenho inimigos; tenho inimigos cruéis, que juraram me arruinar...

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 26.]

E para percebermos como o estado de Golyádkin é grave o trecho que faz referência a remédios:

-Vou continuar tomando os medicamentos como o senhor diz, Crestian Ivánovitch, vou continuar tomando-os e também comprando-os na mesma farmácia... Hoje em dia, Crestian Ivánovitch, até ser farmacêutico já é uma coisa importante...

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo II. Página 28.]

Montado esse o quadro psicológico do personagem começa-se a narrativa das conturbações do nosso herói, quando Golyádkin ver seu Duplo é bem parecido com a ideia de Cisne Negro, um homem passa por ele e ele percebe que o transeunte é igual a ele.

Súbito ele parou como se estivesse plantado, como se um raio o tivesse atingido, virou-se rápido para trás, seguindo o transeunte que acabava de ultrapassá-lo voltou-se de um jeito como se algo o tivesse puxado por trás, como se o vento o tivesse feito girar como um cata-vento.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo V. Página 68-69.]

Não irei estender demais esta análise, queria apenas traçar alguns paralelos entre o filme, Cisne Negro e a novela O Duplo. Por isso ressalto aqui outra semelhança importante, os espelhos.
À porta, que até então ele tomara por um espelho, como outrora já lhe acontecera, apareceu sabe-se quem: ele, o conhecido bem íntimo e amigo do senhor Golyádkin.

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo XII. Página 208-209.]

O Duplo é uma verdadeira viagem a o inconsciente humano, aos seus desdobramentos, a sua importância. Um livro para se ler, ver, olhar e reparar como diria José Saramago. A obra que com certeza influenciou muitas outras tais como: a duplicidade de Golum de O Senhor dos Anéis, as histórias de irmãos gêmeos, clones, e tantos outros personagens nos quais a ambiguidade e a duplicidade são fundamentais.

A sanidade humana depende da companhia de outras sanidades.

Procura um homem bom, meu amigo. Hoje em dia um homem bom é coisa rara, meu querido; ele toma um trago contigo, te dá de comer, de beber, minha cara e boa alma... Porque às vezes percebes que até através do ouro lágrimas escorrem, meu amigo... [...].

[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo XIII. Página 221.]

E lembrem-se:



Porque, como diz o ditado, guarda-te do homem que não fala e do cão que não ladra.


[O Duplo. Fiódor Dostoiévski. 256 páginas - Editora 34. Capítulo VI. Página 91.]
Adriano Barreto 24/07/2017minha estante
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