Seu rosto amanhã

Seu rosto amanhã Javier Marías




Resenhas - Seu Rosto Amanhã


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Alê | @alexandrejjr 19/08/2021

O labirinto do desconcerto

A literatura praticada por Javier Marías está em baixa em nosso mundo caótico. Esse escritor madrilenho - que para o meu gosto é o maior escritor europeu vivo - não dá concessões aos leitores. Sei que a falta de abertura do seu estilo pode afastar uma quantidade considerável de “consumidores em potencial”. Eu, no entanto, não estou incluído nesse grupo.

Para Marías, o excesso não é gratuito. Isso é perceptível na concepção de “Seu rosto amanhã”, romance dividido em três tomos que soma, na edição brasileira da Cia. das Letras, mais de 1.400 páginas.

E o recado do autor com esta obra é claro: é preciso prezar pela paciência. A paciência, qualidade rara no mundo atual, é essencial para apreciar a literatura deste espanhol. Aliás, é essencial para entender o ritmo da história contada por Jaime (Jacques, Jacobo, Jack) Deza.

Em “Veneno, sombra e adeus”, diferentemente dos dois volumes anteriores, muita coisa acontece. Eu diria, inclusive, que este é o tomo em que a ação alcança a reflexão. É neste último volume, também, que Marías dialoga com maior intimidade com os mestres dos romances de espionagem, como Ian Fleming e John le Carré. Aqui, Jacques Deza descobre segredos, faz perseguições - memoráveis, diga-se de passagem -, vive a dúvida e entra em contradição. É aqui que Javier Marías aborda os temas que toda a grande literatura almeja tratar: o amor, a traição, a lealdade, o engano, a verdade, a mentira, o poder, a violência, a morte.

Em suas mais de 600 páginas, “Veneno, sombra e adeus” mostra sobretudo os conflitos internos de Jaime Deza. É a partir dele - e sempre do seu ponto de vista - que entendemos melhor sua relação com Luísa, sua ex-esposa; seu temor por uma figura como Bertram Tupra, seu inescrupuloso e agora não tão misterioso chefe; sua admiração pelo catedrático oxfordiano Peter Wheeler, espião de longa data e voz consciente que permeia o romance. São nessas poucas personagens que Marías concentra seu labirinto do desconcerto, em que, através das temidas digressões, reflete à moda shakespeariana sobre a miséria do mundo.

Da primeira à última linha dos três volumes os leitores serão questionados à exaustão sobre o pecado ao qual fomos condenados: o pecado da dúvida. Após sermos envenenados pelo que nos é contado, devemos ou não transmitir esse conhecimento? Quando o segredo se faz necessário? Se a incerteza é uma realidade, como conviver com ela? Somente perguntas, nenhuma resposta. É através dos solilóquios de Jaime Deza que cortam a narrativa que iremos refletir sobre as mais variadas questões da natureza humana. E é dessa maneira que o livro acaba, deixando os leitores suspensos no ar, pensando em como é possível fechar os olhos enquanto somos todos vulneráveis à dúvida. Afinal, é isso a vida, certo? Viver descobrindo, adquirir conhecimento e morrer sem a certeza absoluta de nada.
Roberta 19/08/2021minha estante
Excelente ??????


Carolina.Gomes 19/08/2021minha estante
Daquelas resenhas q despertam, realmente, a vontade de ler o livro.


Roberta 19/08/2021minha estante
Exatamente, Carolina.


Alê | @alexandrejjr 19/08/2021minha estante
Assim eu me derreto, Roberta e Carolina! Agradeço a vocês por sempre darem uma chance às minhas longuíssimas resenhas. A ideia é sempre tentar apresentar o porquê de ter gostado - ou não - dos livros que escolho.


Roberta 19/08/2021minha estante
Só tem um problema, Alê. Quero ler todos os livros que você resenha. ?




Julyana. 01/09/2013

Antes desse livro que veio a se tornar o livro da minha vida, eu nunca tinha nem pensado que um dia pudesse vir a escolher [nem música ou filme preferidos eu tenho]. Mas nunca antes um livro tinha conversado tão de perto comigo. Não foi fácil de ler, ele desfez muitas certezas e verdades que eu trazia comigo. Minha amiga Mari, que compartilha desse meu amor pelo autor, costuma dizer que a gente morre um pouco a cada vez que lê Javier. E era assim que eu me sentia a cada página, a cada verdade desfeita... morrendo um pouco. O livro é gigantesco, os três volumes juntos contam mais de mil páginas. O mote do livro é que "tudo encerra seu contrário". Então, no início, ele diz que tudo tem o seu tempo para ser acreditado, nunca se sabe quando se ganha ou perde a confiança de alguém, não se deve contar nada nunca a ninguém e que não se tem controle depois que algo é falado. Temos um narrador que se sente substituído - e declara que todos somos substituíveis -, que está separado da esposa e dos filhos. Ele narra em primeira pessoa, imiscui-se em detalhes microscópicos, tem uma imaginação e eloquência infinitas. Nunca se caminha para uma síntese, ele parece depender desse transe de discurso, dessas repetições e digressões que não acabam, não para simplesmente adiar, mas para viver. Enfim, foi uma experiência única, incrível e que eu nunca vou poder ser capaz de traduzir em palavras.
Mariana. 01/09/2013minha estante
Sempre morro com Javier.


Julyana. 01/09/2013minha estante
Morremos, Mare.


Alê | @alexandrejjr 16/07/2019minha estante
Que bonita essa tua resenha, Julyana!


Julyana. 17/07/2019minha estante
Obrigada! :)


Luísa 25/11/2020minha estante
Excelente resenha. Me junto ao time dos que morrem um pouco cada vez que leem Marías. :)




DIRCE 10/06/2014

Diferencial
Com o término da Guerra Fria, da bipolarização(U.S.A x URSS)o mundo da espionagem também chegou ao seu final,certo? Claro que não. Ela se tornou globalizada como o mundo se tornou pós Guerra Fria. Não tem como passarem despercebidos a revelação bombástica do ex-funcionário da Cia. Edward J. Snowden, as câmeras de monitoramento que se espalharam feito vírus- não nos deparamos a todo momento com a popular frase: “ Sorria você está sendo filmado”? - os celulares que permitem, com apenas um toque, que uma imagem ou uma notícia acerca de alguém, como um passe de mágica, “corra” mundo afora.
E é do mundo da espionagem que Javier Maria se utiliza para se dedicar às reflexões do mundo contemporâneo, reflexões que nos volumes primeiro e segundo e, até pelas tantas do volume terceiro, me proporcionaram momentos de êxtase e de fastio. Entretanto a partir das tantas, a leitura se tornou exclusivamente agradável vertiginosa.
Nos volumes anteriores o narrador Deza deixa transparecer o quão apaixonado é pela sua esposa (Luíza) da qual se encontra separado, e o seu temor de que outro passe a exercer o papel de marido e pai de seus dois filhos, um dos muitos recursos criados por Marias para demonstrar os conflitos morais que o ser humano enfrenta e da fragilidade dos nossos escrúpulos e honradez, quando nos vemos ou nos julgamos obrigados a defender nossos entes e interesses.
No decorrer da leitura, não foram raras as vezes que me lembrei do excelente Coração tão branco e a minha preferência recaia sobre ele, porém, quando cheguei ao diálogo, entre Deza e Weeler ,na verdade trata-se mais um monólogo do Weeler que tem por ouvinte o atento Deza, “Coração tão branco“ foi destituído do trono cedendo o lugar ao “Seu rosto amanhã”. Achei o "diálogo" notável, contundente e apoteótico. As lembranças de Weeler, sua volta ao passado, trazem à tona o período entre guerras, a 2ª Grande Guerra, o Holocausto e o mundo da espionagem, ocasiões em que os homens cometeram barbáries para defenderem os interesses dos seus países. Mas o período das trevas chegou ao seu final. Chegou a hora do recomeço e da reconstrução das devastações física e moral, porém nem todos saíram ilesos. Não aqueles dotados de valores morais como Valerie. Atos por ela cometidos fizeram com que fosse tomada pelos sentimentos de remorso e culpa culminando em grande tragédia.
Nada do que Marias cria é irrelevante ou em vão. Ele lança mão de episódios, acontecimentos e de comportamento para suas reflexões , as quais demonstram a finitude e imperfeição do ser humano e o quão petulante ou até mesmo ingênuo é acharmos que podemos prever as ações e o comportamento de outrem. Não nos é dado conhecer ninguém, mesmo um alguém que vive ao nosso lado que julgamos conhecer e tampouco a nós mesmos.
A leitura do Seu rosto amanhã [vol.3] Veneno, Sombra e Adeus me fez retornar mentalmente às leituras dos dois volumes anteriores e conclui que este último é o grande diferencial de toda a obra. O “desfilar” de algumas personagens, dentre elas, Valerie – esposa de Weeler -, o pragmático e enigmático Tupra, a discreta senhora Berry, e também Luiza (ela já havia me conquistado nos volumes anteriores), o esclarecimento da tão misteriosa mancha de sangue,enfim, o arremate final combinado com a escrita requintada de Marias, me deram a certeza de que valeu muito a pena a leitura de uma obra tão volumosa. Mas...seriam mesmo necessárias tantas páginas (1.376)? Eu responderia que não e sei que muitos outros leitores também responderiam que não – eles responderiam que seriam necessárias mais algumas centenas de páginas para satisfazê-los.
Seu Rosto Amanhã [vol.3] Veneno, Sombra e Adeus é merecedor de 5 estrelas, e apesar de eu ter me rendido a essa obra, me vejo obrigada a alertar que ela não é uma leitura que agrada a todos – exige folego.
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Aguinaldo 10/04/2011

teu rosto amanhã
Tu rostro mañana 3: Veneno y sombra y adiós. Será difícil escrever esta resenha sem transformá-la em um "spoiler", ou seja, de falar sobre a trama, das histórias que se completam, dos enigmas que são elucidados. Esta terceira parte de "Teu rosto amanhã", ou melhor, terceira parte de "Tu rostro mañana", consegui comprar na versão original (pois a tradução só será publicada aqui no ano que vem). Comprei na Gran Via madrilleña, em uma tarde de sol e calor, feliz da vida ao achar o livro, como deveria sempre ser. Por conta disto já te aviso, caro e eventual leitor, só leia a partir daqui por tua conta e risco. No primeiro volume (Febre e lança) Javier Marías começa dizendo que "Ninguém nunca deveria contar nada". No segundo volume (Dança e sonho) ele começa com "Calar é a grande aspiração que ninguém realiza", um mal da modernidade, na definição do ancião Peter Wheeler. Já neste terceiro volume (Veneno y sombra y adiós) ele diz ao iniciar: "Não desejamos, mas preferimos sempre que morra quem esteja a nosso lado", e por aí segue por setecentas páginas. A teoria cede à realidade, à violência. O romance inteiro deve ter umas mil e seiscentas páginas, mas cada uma delas tem algo a dizer ao leitor (mesmo aquelas criticadas por mim no segundo volume, confesso). A história avança, paralisada que estava com a decisão de Tupra de mostrar algo ao narrador Jaime Deza. Tupra (ou Reresby, ou Ure, ou Dundas) mostra a Jaime (ou Jacobo, ou Jack, ou Iago, ou Jacques) filmes onde sujeitos estão ativa ou passivamente, direta ou indiretamente, cometendo os mais variados tipos de crimes, se drogando, sendo violentos, trepando, executando, torturando, se reunindo com tiranos, roubando, participando de jogos cruéis. São filmes que servem para ter-se e exercer-se poder sobre as pessoas. Tupra responde a indagação de Deza sobre o porque de toda aquela violência dizendo que todos os seres humanos são capazes, mesmo os que negam ou não o sabem de antemão, dos atos mais violentos, das declarações ou dos comportamentos mais torpes, desde que seja imperiosamente necessário que nos comportemos assim, seja racionalmente ou apenas institivamente. Enfim, a partir desta injeção de veneno Deza parece entender melhor o que faz no seu trabalho, utilizando aquela habilidade incomum de ser capaz de interpretar o caráter e a personalidade das pessoas apenas conversando um pequeno período de tempo com elas, ou apenas as vendo de longe, enquanto conversam com terceiros. Os personagens dos capítulos iniciais voltam a participar ativamente da trama. Sua colega Pérez-Nuix lhe pede um favor e os dois mantêm um curto romance. Deza visita um ainda assustado De la Garza, recuperado da surra que levou. Deza e Tupra viajam pelo mundo coletando informações e, além de ganhar uma certa sofisticação, ele passa a controlar muito melhor a sua arte. De férias na Espanha fica sabendo que sua ex-mulher está tendo um caso com um sujeito (o pintor Custardoy, personagem de "Coração tão branco", que conheceremos melhor aqui) que é violento com ela. Deza descobre aos poucos que ele não apenas sente ciúmes mas é capaz de ser tão violento quanto Tupra foi com De la Garza. De volta a Londres visita seu antigo professor Lord Wheeler, que vem a ser irmão de um de seus mentores nos tempos de Oxford, o mercurial Toby Rylands, que vivia já aposentado às margens do rio Ísis, com seus cisnes selvagens como companhia. Foi este último que detetou a capacidade de observação de Deza e o indicou, primeiro ao irmão Wheeler e depois ao próprio Tupra, para ser recrutado pelo serviço de informações que eles criaram. No início ele marca esta visita ao velho professor para coletar informações sobre Tupra (de quem de resto jamais saberá nada), mas acaba sabendo mais sobre o papel de Wheeler na segunda guerra mundial, sobre as circunstâncias da morte de sua mulher Valerie, sobre seus contemporâneos e colegas, sobre muitos assuntos relacionados à espionagem e os serviços de segurança da Inglaterra durante a guerra fria. Ele fala muito sobre pintura (há uma longa sessão que se dá no museu do Prado) e literatura ou ainda sobre o cinema, tudo muito interessante. Há muitas outras coisas para falar deste livro, mas a idéia aqui é fazer mesmo curtas resenhas. Poderia falar muito sobre o trecho longo onde Deza e Custardoy caminham da região do Retiro (em Madrid) até a região da praça do Oriente, que é espetacular; sobre a teoria de Marías sobre o que aconteceu no mundo entre a queda do muro em 1989 e os atentados terroristas de 2001; sobre a presença do personagem Custardoy ou os personagens ligados ao mundo taurino; ou sobre a doença e as conversas que Deza tem com seu pai; sobre as diferenças entre o jogo sujo, de desinformação, na guerra civil espanhola e na segunda guerra mundial; ou a transformação de Deza; a ainda a discussão sobre a vida pessoal e o trabalho; ou mesmo sobre as línguas e como os povos se relacionam e se afastam por conta das diferenças entre as línguas; enfim, há muitas coisas neste romance. Talvez um dia eu venha a relê-lo de uma vez só, sem interrupções. Se nos dois primeiros volumes a ambientação do romance se concentra em poucos cenários, deste último há muito mais sobre o que refletir. Aparentemente com este livro Javier Marías resolve questões pessoais com os algozes franquistas de seu pai e com seus anfitriões ingleses. Vamos esperar um tanto para ver que outra obra, que outro romance, ele escreverá após o longo período em que esteve envolvido com "Tu rostro mañana". [início 26/08/2009 - fim 04/09/2009]
"Tu rostro mañana: Veneno y sombra y adiós", Javier Marías, editora Alfaguara (1a. edição) 2007, brochura 14x23, 709 págs. ISBN: 978-84-204-7235-5
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Júlio 22/03/2016

Marías e suas múltiplas possibilidades
Estou certo de que terminei de ler um dos melhores livros (sim, a trilogia nada mais é que um só livro muito bem amarrado, conciso, não há pontas soltas nem arestas) da minha vida. Marías é dono de uma obra cíclica - quem conhece outros escritos do autor saberá reconhecer -, onde os temas (contar ou não contar, a traição, o rosto amanhã, a vicariedade humana etc.) se repetem e as possibilidades, incrivelmente, não se esgotam, muito pelo contrário, renovam-se, ampliam-se. A impressão que fica é de que, com engenho - e, claro, gênio elevado -, sua capacidade de criação é inesgotável, mesmo reduzida a um número determinado de temas - ou possibilidades. É isso que faz dele, na minha opinião, um dos maiores de nossos dias, quiçá o maior.
Julyana. 22/03/2016minha estante
*maior escritor vivo*


Julyana. 22/03/2016minha estante
(ao menos na minha opinião)


Júlio 22/03/2016minha estante
Também acho, Julyana. E olha que, a despeito do que dizem, temos ótimos escritores hoje.


Pedro Nabuco 23/03/2016minha estante
Maior que Llosa?


Julyana. 23/03/2016minha estante
Bom, para mim o Llosa é um escritor apenas mediano, cheio de altos e baixos. Logo...


Júlio 24/03/2016minha estante
Pedro, é sempre complicado eleger um só, gosto demais do Llosa, tá entre meus favoritos, assim como Mia e Kundera, citando os vivos, hehe, mas vejo Marías um pouco acima. Opinião pessoal, claro.


Pedro Nabuco 29/03/2016minha estante
Concordo que Llosa tem altos e baixos, mas acho que ele tá muuuuito acima do mediano. Ele tem livros "fracos" mas para mim, os grandes livros dele são incomensuráveis, coisa do nível dos melhores trabalhos de Gabo ou de um Machado de Assis...
Nunca li Marías, mas fiquei ainda mais curioso depois dessa, haha.


Luísa 25/11/2020minha estante
Terminei ontem o terceiro volume e fiquei extremamente emocionada. Marías já era um dos meus escritores favoritos e só faltava Seu rosto amanhã para completar a leitura de todos os romances dele que saíram português. Que obra-prima essa trilogia! (Confesso que fiquei curiosa sobre o que é verdade e o que é ficção na vida do pai do escritor e do seu amigo Wheeler).




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