Naty 10/01/2011www.meninadabahia.com.br
'Sinto mãos velhas e enrugadas apertando as minhas, e sua intensidade e familiaridade me forçam a abrir os olhos. A luz penetra e vislumbro seu rosto, um olhar que não quero ver novamente. Ele se agarra ao seu bebê. Sei que perdi o meu. Não posso deixá-lo perder o dele. Ao tomar minha decisão, já começo a sofrer. Aterrissei agora, a aterrissagem da minha vida. Meu coração ainda bate.
Mesmo partido, ele ainda funciona.'
pg. 9
Joyce acaba de perder seu bebê. Depois de anos tentando engravidar, depois da alegria da descoberta... a dor da perda. E quando uma tragédia acontece, geralmente nunca é um ato isolado, com ela vem um tsunami de infortúnios.
Sem filho, sem marido, sem emprego, sem casa, sem mãe... Resta a Joyce chorar, chorar pelo que nunca teve, pelo que poderia ter tido... Chorar pela morte da mãe, anos antes, que não estava ao seu lado, agora, quando mais precisava... Chorar pelo pai, que esquecia as memórias, mas que estava sempre presente para ela.
Passando pelo limbo da morte, Joyce recebe uma transfusão de sangue. E é quando toda a sua vida muda, literalmente, num piscar de olhos.
Justin é americano, atualmente mora em Londres. Depois do divórcio se mudou para a mesma cidade da ex, para ficar perto da filha. Professor conceituado, é convidado a dar uma série de palestras numa universidade em Dublin.
Inteligente, cético, morre de medo de agulhas. Não gosta de doar sangue. Acredita que ao doar a pessoa que recebeu seu sangue tem o dever moral de lhe agradecer eternamente por ter lhe salvado a vida. Pequenos agrados como uma cesta de muffins, lavagens de roupas, ingressos para a ópera, e tudo mais que ele desejar.
Instigado pela filha e pela bela médica, participa de um programa de doação e descobre que foi a coisa mais verdadeiramente espontânea que fez em muito tempo. Sentiu alívio, prazer, felicidade.
Joyce está cansada, precisa enfrentar um lar vazio e à venda... enfrentar o vazio do resto de sua vida. Mas a nova Joyce quer cortar os cabelos. Isso mesmo, cortar os cabelos!
Justin precisa cortar a franja e... hum, um salão à vista. É lá que ele cortará os cabelos.
Joyce e Justin, um olhar, um arrepio. Sensações de déjà vu e déjà senti se apoderam deles. De onde se conhecem? Melhor, de onde se reconhecem?
Com início dramático, As suas lembranças são minhas, de Cecelia Ahern (Rocco, 352 páginas, R$ 48,50), é um livro arrepiante. Comovente ao extremo, como costumam ser as histórias de Ahern, é uma história para ler e sentir. Chorei quando Joyce perdeu o bebê, quando retornou para um lar vazio, com seu desespero ao imaginar o pai morto.
E seu pai, então? Mesmo nunca ter andado de avião, por medo, quando Joyce tem uma súbita vontade de ir à Londres, ele se benze e a acompanha. Quando é barrado por guardas armados, que o consideram um velhinho altamente suspeito, seu discurso de apelo fez os funcionários, do aeroporto, chorarem e eu também!
'Minha Joyce tem andado por uma estrada esburacada. Ela perdeu seu bebezinho semanas atrás, veja só. Tentou durante anos ter um bebê com um rapaz que joga tênis com um shortinho branco e as coisas finalmente pareciam estar ótimas, mas ela teve um acidente, caiu, veja você, e perdeu o pequenino. Perdeu um pouco dela também, para ser honesto com o senhor. Perdeu o marido, também na semana passada, mas não tenha pena dela por isso. Ela perdeu algo, isso é certo, mas veja, ela ganhou alguma coisa que nunca teve antes. Não sei dizer exatamente o que é, mas seja o que for, não acho que seja algo tão ruim. No geral as coisas não estão dando certo para ela e, é claro, que tipo de pai eu seria deixando-a ir nesse estado? Ela está sem emprego, sem bebê, sem marido, sem mãe e em breve sem casa, e se ela quer ir à Londres descansar, mesmo que na última hora, com toda certeza tem o direito de ir sem que ninguém a impeça de fazer o que quer.
Aqui está, fique com a minha bendita boina. Minha Joyce quer ir para Londres e os senhores devem deixá-la. Ela é uma boa menina, nunca fez nada de errado em toda sua vida. Não tem nada nesse momento além de mim e essa viagem, pelo que posso perceber. Aqui está, fique com ela. Se tiver que ir sem minha boina, sem meus sapatos, sem meu cinto e meu casaco, muito bem, não tem problema, mas minha Joyce não vai para Londres sem mim.'
pg. 162
As suas lembranças são minhas não é um livro triste, como P.S. Eu te amo, mas um livro sobre esperanças e sonhos. Um romance de conto de fadas, onde acreditar na magia do impossível é a base para a felicidade. E como Justin/Joyce recomendam: Pefer et obdura; dolor hic tibi proderit lim (Seja paciente e forte; um dia essa dor lhe será útil).
O final é digno de todo belo romance e... melhor parar por aqui, antes que eu conte a melhor parte da história, rs.
Ahern costuma dizer que todo dia é mágico, o que me fez lembrar da música Beautiful, que diz num trecho: Todos os dias são tão maravilhosos, e de repente, fica difícil respirar. De vez em quando, eu me sinto insegura. Com toda a dor, eu me sinto envergonhada... palavras não podem me abalar.
A vida é mágica. Mas ninguém nunca disse que viver seria fácil.
Recomendo!!!!!
P.S.: Espero que vire filme.
P.P.S.: Prefiro o nome original do livro: Thanks for the memories.