Nandara.Secco 04/04/2024
8 - um autor do meu estado
Na oitava categoria do #desafiolivrada2024 eu deveria escolher um autor do meu estado, São Paulo. Para tal empreitada, decidi-me pelo incrível Lourenço Mutarelli, do qual só conhecia o trabalho visual, suas histórias em quadrinhos, mas, ao me deparar com esse pequeno romance, quase um conto, não tive dúvidas.
A história por si só já é bastante intrigante: um homem permanece desaparecido por um ano, até que reaparece como se nada tivesse acontecido, no entanto, sem sua mulher e filha, as quais desapareceram junto com o protagonista. Paulo, o homem, parece não se lembrar de nada e muito do livro mostra o processo de uma tentativa de lembrança nas sessões de terapia, o que é bastante interessante.
No entanto, para além disso, o que mais me chamou a atenção foi a semelhança da escrita de Mutarelli com a do nosso grande Machado, já que, primeiramente, a história não tem uma explicação inicial, jogando-nos "in media res", no meio dos acontecimentos, fazendo com que o próprio leitor tenha que preencher as lacunas ao longo da leitura. Isso contribui com a força interpretativa da história, que vai se costurando com eventos passados e presentes. Em segundo lugar, senti aquela abertura à interpretação que dá uma grande margem para análises e debates, já que nada é tão certo ou confirmado por nenhum personagem.
Ainda, a construção formal, isso é, textual, é ainda mais interessante: o texto é todo escrito em diálogos, sem narrador, ao modo do teatro, contudo, sem as rubricas para nos guiarem, tornando as situações mais introspectivas e até íntimas.
Quanto ao "não dito", percebi em Paulo um símbolo da "sociedade do cansaço", em que o sucesso e a produtividade devem estar em tudo - trabalho, relações familiares, amizades, casamento... - desgastando toda a humanidade possível, e forjando sujeitos apáticos e não empáticos. Afinal, como se reconhecer humano em uma sociedade não humana? Acho que essa é a chave para entender o cerne dessa história...