Leandro.Bonizi 19/12/2022
Augusto dos Anjos nasceu em 1884, escreveu seus primeiros versos aos sete anos, e publicou seu primeiro poema em 1900. Formou-se em Direito em 1907. Dedicou sua carreira ao magistério, sendo professor de Literatura. Publicou apenas este livro em vida, em 1912, e morreu em 1914. Foi contemporânio do simbolismo e parnasianismo. Uma poesia excessivamente naturalista, numa concepção materialista numa poesia repleta de termos nada poéticos, assim como termos científicos. Usa de rimas extremamente originais e inusitadas, algumas chegam a ser bizarras, inesperadas, exóticas.
Fala que leva uma vida anônima de larva. É sombrio, tenebroso. É comum termos de podridão e nojo, e fala muito de vermes que comem a carne humana. O livro inteiro é repleto de nome de doenças, termos e biologia, e com seu niilismo não enxerga a vida como um milagre. É frequente a imagem da morte, fala inclusive da do filho como desprovida de significado. Expressa a imagem do ser humano como um mero pedaço de carne. Termos comuns em seus poemas são "carniça", "mucosa", "pus", "esterco", "estrume", "decomposição", "putrefação", "lodo", "sangue", "trevas", "vermes" e muitos outros termos mórbidos ou que denotam nojo.
Aqui expressa com termos nada líricos sua heresia:
"Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do Cristianismo!"
Fala também de luxúria, de devassidão, da miséria humana. Não acredita no amor.
Morbidez muito presente:
"Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!"
Fala que a matéria depois de decomposta formará outros seres vivos, mas baseado na ciência: "Depois da morte, inda teremos filhos!"
Fala da irrelevância que a sua morte terá para outras pessoas:
"Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
(...)
A mão que afaga é a mesma que apedreja."
Reparem no jogo de palavras deste trecho:
"E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, como a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!"
Em Outras Poesias não tem tanto as características essenciais de "Eu", alguns até possuem certo lirismo. Exemplo esses versos que remetem Platão:
"Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéias!"
Outro exemplo:
"Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.
Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca tive flores!
Volvendo à quadra azul da mocidade,
Minh’alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.
Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!"
Esses versos me lembram a frase de Stalin: "A morte de um homem é uma tragédia, de cem milhões uma Estatística":
"Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!"
Esse tende para o simbolismo, lembra até Cruz e Sousa:
"Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados."
Neste também:
"E tudo quer que nessa flor se enleve
O poeta. É que dessa concha armínea,
Da lactescência angélica da neve,
Se evolam castos, virginais aromas
De essência estranha; olências de virgínea"
Há diversos outros exemplos.
Neste faz homenagem à raça negra:
"Teus braços brônzeos como dois escudos,
São dois colossos, dois gigantes mudos,
Representando a integridade humana!
(...)
Ao bruto encontro dos ferrões agudos
Gemeu por muito tempo a alma africana!"
Em Outras Poesias demonstra até otimismo:
"A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança."
Mas também da morte como cura:
"E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!"
Fala da luxúria de um modo que também lembra Cruz e Sousa:
"Ânsias que pungem, mórbidos encantos,
Crepitações de flamas incendidas
N'alma explodindo como fogos santos,
Vão pelo mundo ensangüentando as Vidas.
Eflúvios quentes e fatais quebrantos
Crestam a alma das virgens adormidas..."
Com frequência associa a Lua ao seu sofrimento.