Carol 14/03/2024
Der Steppenwolf
O lobo da estepe é dividido em 3 partes.
A primeira parte, introdutória do livro, é o ponto de vista de um rapaz burguês, sobrinho da locatária do protagonista. Nessa parte, são expostas suas impressões do personagem Harry Haller, auto intitulado lobo da estepe, evidenciando a estranheza que o estilo de vida e personalidade de Harry, muito diferentes do tradicional, causam nas pessoas ao redor. A segunda parte é um manuscrito do próprio protagonista, não ficando claro se tem cunho ficcional ou biográfico.
Harry haller, protagonista do livro seria um alter ego do escritor Hermann Hesse. Inclusive, o protagonista tem 50 anos, mesma idade do escritor quando escreve o livro. Alguns paralelos entre a vida do autor e do personagem podem ser observador, como por exemplo, Harry em uma passagem fala que recebeu uma educação que visava "quebrar a personalidade dele" e, da biografia do escritor, sabemos que Hermann era filho de monge pietista e foi criado para seguir a mesma carreira do pai.
Harry está em crise existencial no livro, em busca de sentido, não consegue se conectar a vida burguesa que o rodeia, não por desprezar o estilo de vida, em algumas passagens até conseguimos sentir sua admiração, e sim por estar completamente alheio a ele. Se sente sozinho, desconectado do mundo - sem mulher, filhos e até trabalho tradicional. Sempre foi muito introspectivo, dedicado às atividades intelectuais, o personagem cita inúmeras vezes seu gosto pela alta cultura alemã, Wagner, Goethe, Nietzsche, entre outros.
Por um lado o personagem deseja estar sozinho, principalmente devido ao sentimento de superioridade de sua parte, uma vez que sente ter mais cultura do que os seus pares. Por outro, se sente sozinho e carente de conexões humanas. É nisso que consiste a dicotomia homem-lobo trabalhada na obra. O lobo representa o desejo de solidão e o homem o desejo de viver em sociedade. E o personagem Harry em crise no meio, vítima de dois instintos opostos. No entanto, como deixado bem claro no tratado do lobo das estepes, essa dicotomia é apenas uma simplificação uma vez que há "inúmeras almas" em cada um.
"O peito, o corpo, é sempre uno, mas as almas que nele residem não são nem duas, nem cinco, mas incontáveis; o homem é um bulbo formado por cem folhas, um tecido urdido com muitos fios"
O tema do suicídio é abordado levemente na obra, de forma coerente com o tema de sentido da vida (considerando o suicídio a ausência de sentido total. E, nesse sentido, a obra dialoga com o Mito de Sísifo de Camus: "Só há uma questão Filosófica verdadeiramente séria: o suicídio". Uma definição bem interessante do que seria um suicida consta na obra "Para nós, entretanto, são, apesar disso, suicidas, pois veem a redenção na morte e não na vida; estão dispostos a eliminar-se e a entregar-se, a extinguir-se e a voltar ao princípio."
Ao conhecer Hermínia, sua vida começa a mudar. É o ponto de virada da obra, pois o personagem começa a aprender a ter uma vida comum. Hermínia o ensina a dançar, ouvir músicas populares e a ir em eventos populares. Tem até um diálogo interessante no livro em que Harry pergunta a ela "por que você escuta músicas populares quando existe Wagner?", evidenciando o quanto Harry estava desconectado da realidade mundana. Só depois que o personagem começa a tolerar o "normal" que sua solidão começa a ser mitigada e ele consegue aos poucos "matar" o lobo das estepes.
"o senhor tem de viver e aprender a rir. Tem de aprender a escutar a maldita música de rádio da vida, tem de reverenciar o espírito que existe por trás dela e rir-se da algaravia que há na frente."
"aprenda a levar a sério o que merece ser levado a sério, e a rir de tudo mais"
Essa obra, talvez, evidencie o caminho percorrido pelo personagem ao lidar com sua crise. Caminho este que não é claro, e nem se pretende a ser, de forma que o fim da obra se torna um pouco enigmático, sombrio e obtuso a maioria.