Ivone 23/03/2013
Abraços inversos
Resenha O abraço, de Lygia Bojunga Nunes
Por Ivone Gomes de Assis
O abraço, de Lygia Bojunga Nunes, foi publicado originalmente em 1995. Recebeu vários prêmios, dentre eles: “Orígenes Lessa” e “Altamente Recomendável”, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), em 1996; Prêmio Adolfo Aizen, outorgado pela União Brasileira de Escritores (UBE), em 1997; e, juntamente com outras obras, recebeu o Prêmio em Memória de Astrid Lindgren, em 2004.
Em O abraço, a narrativa gira em torno da angústia da protagonista (Cristina), devido ao estupro sofrido aos 8 anos de idade. Cristina, uma mulher de dezenove anos, desabafa à autora sobre o crime do “Homem da Água”.
Sua memória de criança criou uma autodefesa, fazendo-a adormecer a amarga lembrança, que, inicialmente, manifestava-se por processo onírico. Quando se tornou adulta, ao visitar um circo, o palhaço, exerceu sobre ela uma espécie de epifania (aparição divina) ao contrário. Desse modo, suas lembranças adormecidas no inconsciente foram trazidas à vida presente. A memória busca perfilhar o estuprador na expressão do palhaço, mas é a sua voz que o denuncia. Contudo, ao invés de odiá-lo, ela o deseja.
Convidada a uma festa, pela mulher mascarada (a Dona Morte), Cristina participa de uma cena real, na contação, então reencontra o palhaço, que a arrasta para mata (os jardins), a enforca com uma gravata, a estupra novamente, e a enforma mais ainda.
O abraço exige uma intensa participação. Na história, fala-se em afeto, carinho e amizade, mas apontando seus opostos.
A capa, de Rubem Grilo, já é uma leitura controversa ao tema. Suas cores são escuras, o corpo retorcido da Mulher/Morte permite uma leitura cubista. O chapéu fecha os olhos da mulher e abre seu próprio olhar.
A obra apresenta em sua localização geográfica: Rio (Flamengo), Minas (Fazenda), Rio (Gávea).
Diversos abraços são apontados por Clarice e Cristina, especialmente para “ilustrar” as situações caóticas vivenciadas por elas.
A narrativa começa em 1.ª pessoa por Cristina; depois continua na 1.ª pessoa, na voz da escritora; e finaliza em 3.ª pessoa, por meio de um narrador (relato do reencontro entre Cristina, a Mulher mascarada e o palhaço). Observa-se que, no final, não se tem nem a voz de Cristina, nem da personagem-escritora, mas, sim, de um narrador onisciente, que vai descrevendo o que vê: “Os músicos continuavam afinando os instrumentos, os garçons iam passando bandejas de copos e pratos, e assim que viu Cristina a Mulher chamou ela pro jardim.” (p. 78).