Otávio Augusto 07/09/2023O que é o Brasil?Quarup é um ritual indígena em que se homenageiam os mortos. Na cerimônia há danças, música, lutas e trocas de presentes entre tribos; recomendo ver os vários vídeos no Youtube sobre o Quarup antes de se ler o romance. Entretanto, o livro vai muito além da questão indígena. É romance de formação de um homem - o padre Nando - e de descoberta das origens do Brasil. Também é uma resistência à ditadura militar e uma denúncia da corrupção política do país.
Nando é um padre idealista e ingênuo. Achava que o indígena seria um segundo Adão nesse mundo, um sujeito despido de qualquer maldade e corrupção, o que o leva a ir ao Xingu a fim de tentar restaurar uma nova Republica Guarani no Brasil. Porém, ele começa a entrar em conflitos internos ao ter sua integridade sacerdotal testada ao se aproximar de mulheres e tentar, em vão, frear seus impulsos sexuais.
A partir do contato com os nativos e com os prazeres da carne, Nando perceberá que suas conjecturas não passam de uma utopia oposta à realidade em que vive, meras elucubrações que não dialogam com o mundo material. O cristianismo já não é mais suficiente para as pessoas, que são cada vez mais capturadas pelo mundo perfeitamente e justo do comunismo; os trabalhadores sobrevivem em condições análogas à escravidão; os indígenas, na verdade, estão à mercê de dirigentes políticos, os quais não passam de individualistas corruptos e usuários de drogas.
Dessa forma, Nando encontrou uma forma diferente de resistir ao contexto em que vive. Decidiu educar trabalhadores para se conscientizarem de seus direitos, o que o levou a ser torturado e humilhado por militares; largou a batina e se tornou um amante irreverente das mulheres, sem trabalho ou maiores pretensões individuais. Sua história é a narrativa de uma despertar para a realidade trágica e imutável que se revela a ele - e ao leitor. Renunciou à religião, entregou-se ao mundo.
Apesar dos temas trabalhados proporcionarem muitos momentos de reflexão e entretenimento - como um bom livro clássico o faz - , Quarup possui vários problemas. O mais notório, desde o início do livro, é a ausência de maior desenvolvimento dos personagens; apenas Nando e mais alguns personagens são bem desenvolvidos, restando a maioria deles - dezenas - como porta-vozes de ideias que servem ao debate e ao contexto histórico. Também há momentos em que o texto não aparenta ter sido bem revisado, pois há uma constante ausência de vírgulas que prejudicam a correção gramatical, semântica e até mesmo estilística do texto.
Enfim, considero esse livro uma leitura obrigatória para todo brasileiro que se interessa por literatura e história do seu país. Ainda que publicado em 1967, o Brasil escrito por Antônio Callado persiste aos dias de hoje.