Spy Books Brasil 23/01/2024
Mais um livro surpreendente de Ken Follett
Este ano decidi focar na leitura de autores clássicos. Escolhi seis nomes consagrados da literatura de espionagem e dividi o ano em bimestres.
Os meses de janeiro e fevereiro, nessa divisão, ficaram destinados à leitura de três livros de Ken Follett. O primeiro deles, que abriu as leituras do ano, é justamente O Homem de São Petersburgo.
Mais um livro surpreendete de Follett, escrito em 1982, o quarto escrito depois do autor atingir a fama (antes dele vieram O Buraco da Agulha, Tripla Espionagem e A Chave de Rebecca).
Contexto – A história se passa no início do século 20, quando a grande rivalidade geopolítica do mundo era entre Inglaterra e Alemanha. Os britânicos haviam construído seu império usando a supremacia da marinha de guerra e os alemães, que demoraram a entrar no jogo do expansionismo colonialista, começaram o século investindo pesado nas forças armadas para equilibrar o poder.
Quem leu a resenha de The Riddle of the Sands e o post de curiosidade sobre a rivalidade naval entre Inglaterra e Alemanha, publicados no meu blog no ano passado, sabe do que estamos falando.
É nesse clima de rivalidade, com ligeira superioridade da Alemanha, que as duas potências chegam às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Mas aí, já estamos entrando na trama do livro.
A trama - Europa, 1914. O ambiente político é precário e o risco de um conflito armado no continente é enorme. A Alemanha vem ser armando de forma consistente desde o início do século e espera a oportunidade para atacar a França, velha inimiga com quem disputa historicamente as regiões da Alsácia e Lorena. A Inglaterra, que tem um tratado militar com a França, sabe que será arrastada para essa guerra. Pior: sabe também que, mesmo combinadas, as forças britânicas e francesas não têm poderio para derrotar os alemães.
A única esperança é provocar a divisão das forças germânicas em duas frentes de batalha, arrastando a Rússia para o conflito.
Primeiro Lorde do Almirantado, Winston Churchill designa um nobre, conde Walden, para negociar um tratado militar com os russos. Walden é casado com Lydia, oriunda da nobreza russa. Um dos sobrinhos de Lydia, que costumava passar férias na propriedade dos Walden quando criança, é o príncipe Aleks Orlov, sobrinho também – e um dos preferidos – do czar Nicolau II.
Orlov viaja à Inglaterra para discutir os termos de um acordo. O movimento anarquista russo descobre as negociações e envia Feliks Kschessinsky para assassinar Orlov. O objetivo é impedir que um acordo costurado entre os nobres dos dois países arraste o povo russo para uma guerra que não trará benefício algum ao país.
Papéis invertidos – Pela descrição acima, o primeiro engano que se pode cometer é acreditar que o homem de São Petersburgo do título seja o príncipe Orlov. Foi assim que eu embarquei na leitura. Não poderia estar mais errado.
Orlov, ao longo da trama, vai se revelar um mero coadjuvante de terceiro escalão. Ele é, praticamente, uma isca para trazer à trama o verdadeiro protagonista, o asssassino Feliks Kschessinsky.
(Aqui cabe um parênteses para comentar o sobrenome escolhido por Follett: ele é tão difícil de pronunciar e até mesmo de escrever que o próprio autor faz graça com isso. Em determinado momento, o inspetor da Scotland Yard designado para encontrar o assassino diz que o sobrenome é tão difícil que é melhor chamá-lo apenas por Feliks.)
Não deixa de ser uma inovação do autor, construir uma história em que o protagonista é o vilão. Embora tenha uma missão negativa, assassinar outra pessoa, Feliks é uma personagem tão complexa que é impossível não se sentir, no mínimo, dividido em relação a ele.
Feliks nasceu pobre na Rússia, tornou-se um anarquista e sofreu tantas barbáries nas mãos do aparelho de repressão da monarquia russa que você se pega entendendo perfeitamente as motivações dele. E essa personagem cresce muito na história, a ponto de ofuscar o candidato a mocinho, o conde Walden, que é uma pessoa interessante, justa, mas fica anos luz de distância de Feliks em termos de complexidade.
Personagens femininas – Além dos dois, Follett constrói duas personagens femininas bastante marcantes, como é comum em suas obras.
A primeira é Lydia, a esposa de Walden.
Dezoito anos antes do tempo da história, ainda na juventude, Lydia se apaixonou por um homem comum e iniciou um tórrido caso proibido. Decoberta pelo pai, foi forçada a se casar com Walden, que sem saber de nada pediu a mão dela num impulso após a notícia da morte do pai dele. O falecimento o tornava conde e para assumir a posição, ele precisava estar casado. Lydia foi embora para a Inglaterra e, desde então, carrega esse terrível segredo com ela.
A segunda personagem que cresce ao longo da trama é Charlotte, filha de Walden e Lydia. Criada numa redoma, protegida das vicissitudes do mundo real, ela começa a se revoltar quando descobre o quão ignorante é sobre as coisas da vida. Esse desenvolvimento vai acabar levando a personagem a se ver enredada na tentativa de assassinato de seu primo, o príncipe Orlov.
O drama do herói – Ao escolher o assassino para protagonista, Follett criou uma espécie de armadilha para si próprio. Afinal, nas estruturas narrativas clássicas, o herói (aqui entendido como protagonista) sofre algumas quedas ao longo do caminho antes da grande batalha final, em que obterá êxito – ou não –, terá uma revelação e se transformará.
Como lidar com isso se o êxito do protagonista representa a vitória do mal? E qual pode ser a revelação transformadora para uma personagem no campo da vilânia?
Bem, vou deixar essas duas perguntas como iscas para atrair para a leitura. Não posso revelar as saídas geniais encontradas por Follett, porque seriam espoilers absolutamente indesejados.
Recomendação de leitura – Eu sou suspeito, porque Ken Follett é de longe um dos meus autores preferidos. Por isso – e por todas as inovações que listei nesta resenha – eu recomendo muito a leitura de O Homem de São Petersburgo.
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