yanaalmoura 12/09/2023
Uma nova perspectiva em C.S. Lewis
Não é surpresa alguma o inegável brilhantismo de C. S. Lewis na escrita de histórias, porém, desvencilhando-se dos modelos conhecidos em "As Crônicas de Nárnia" e na "Trilogia Cósmica", o mundialmente querido e renomado inglês expõe um ângulo bastante diferente em sua maneira de redigir narrativas no livro "Até que tenhamos rostos". Nele, o autor exibe uma espécie de sagacidade e nudez crua as quais não são encontradas nas suas obras mais populares e são desconhecidas por vários de seus mais zelosos leitores.
À primeira vista, o romance em questão é mais um recontar do mito antigo de Eros (ou Cupido) e Psique, mantendo diversas porções marcantes do enredo e aparentando trazer apenas novas formas "bárbaras" ao conto clássico de amor e sofrimento transmitido por gerações. Exemplo desta perspectiva é o nome dado a Psique, "Intra", inexistente no conto original, em adição da intensificação brutal do egoísmo da chamada "Ungit", Afrodite ou Vênus, a qual revela-se ser além do que lhe é atribuído de início.
"Até que tenhamos rostos", com poucos personagens e uma surpreendente fluidez de cenas, reforma o mito a partir da narração de Orual, meia-irmã de Psique e filha do Rei, protagonista fortemente construída e desenvolvida em meio às suas aflições e amores. A princesa relata os acontecimentos de sua vida de modo tão vulnerável e humano que, em grande sucesso, leva o leitor a empatizar com suas emoções e a pensar como ela, adotando a sua perspectiva quanto aos fatos apresentados, de maneira involuntária e natural.
O enredo desvenda-se numa mistura nada homogênea de pequenas alegrias e amarguras profundas, curas simples e feridas complexas, resoluções mortais e obstáculos divinos, sempre preservando a clássica dramaticidade identificada nas histórias gregas. Ademais, em meio à turbulenta existência da narradora, a cada página lida, mais questões são levantadas e menos partidos podem ser tomados, evidenciando um tipo de "este ou aquele?" que pode demarcar a salvação ou a perdição das princesas Orual e Intra.
À inconfundível moda Lewis, o livro conta com uma estrutrura simbológica enraizada mais profundamente do que se percebe de início. Tais significados manifestam-se aos poucos, distribuídos ao decorrer da exposição da história, e conseguem passar despercebidos caso não haja uma leitura consciente mais afiada e crítica.
Por fim, "Até que tenhamos rostos" é uma bela ramificação do acervo de C.S. Lewis, a qual, apesar de pouco explorada, é envolta em caracerísticas menos infantis e bem mais astuta em sua desenvoltura.
Pessoalmente, ao fim da leitura desta obra, a considerei uma das minhas favoritas do autor inglês: marcou-me numa deleitosa experiência literária.