Lodir 25/04/2011Cotidiano. Está aí uma das coisas mais difíceis de retratar na literatura. Se você pode escrever aventura, ficção-científica, criar mundos paralelos, seres mágicos e outras histórias de fantasia, por que escrever sobre uma vida normal? Por que se dedicar ao dia-a-dia de gente comum, como eu e você, que não tem superpoderes nem vive coisas sobrenaturais? Qual a graça em escrever sobre coisas que acontecem com qualquer um e não são inimagináveis?
Esse é um dos maiores desafios que um autor pode enfrentar. Quem escreve sobre o cotidiano sabe a dificuldade em tornar esse gênero algo interessante. Talvez seja mais fácil criar um mundo mágico para seu personagem descobrir a uma história onde ele acorda, vai para o trabalho e encontra depois seus amigos para um happy-hour. Uma vida normal, que costuma ser sinônimo de monotonia. Dizem que a graça em acompanhar uma história é justamente o escapismo para algo surreal, diferente do que você vive, não?
Não necessariamente. Se fosse assim, novelas não fariam tanto sucesso no Brasil. Tirando alguns personagens mutantes, novelas nada mais são do que histórias sobre gente normal, onde os ingredientes são coisas comuns a nossa vida, como romances, traições, conflitos familiares e brigas por poder. Na literatura é possível encontrar autores que se dedicam ao mesmo estilo – e de forma muito eficiente. Essa literatura incomum ganha alguns novos adeptos, e entre eles pode-se destacar Tanner Menezes, com seu romance de estréia lançado em 2010 pela editora Novo Século.
Em “Cinco Sentidos”, o protagonista Fábio é um playboy boa-pinta, dono de uma rede de hotéis, rico e bonito que tem todas as garotas aos seus pés. Um jovem que leva uma boa vida cercado de lindas mulheres, sexo e álcool – tudo em excesso, como qualquer homem desejaria. Ele não esquenta a cabeça com nada – a não ser talvez o agendamento das festas de celebridades em que precisa comparecer. Ele é alguém, devido ao seu estilo de vida, nunca se apaixonou, algo que parece impossível para ele. Tudo muda quando ele encontra a mulher da sua vida e conhece o amor pela primeira vez. O problema: ela é portadora de uma doença rara e tem poucos meses de vida. Não parece sinopse de novela?
Podia ser. Na verdade, a essência de “Cinco Sentidos” poderia ser retirada de uma novela, ainda que seja mais provável o simples desejo de contar um drama puro – daqueles que poderia acontecer com um conhecido seu – e uma abordagem cativante sobre o amor e com um final surpreendente. É um livro sobre o cotidiano, porque nele podemos acompanhar o grupo principal de amigos fazendo coisas banais – como jantar em um restaurante, passear em um iate ou dançar em uma boate. Em certos momentos, as cenas lembram outra referência televisiva – a série “Friends” – que também é protagonizada por um grupo de seis amigos, sendo três homens e três mulheres.
Algumas coisas incomodam no livro. Há erros de datas, já bastante apontados em outras resenhas. Também há muitos erros de digitação e pontuação, que apontam uma falha da editora. O excesso de palavras destacadas em itálico – a maioria de origem inglesa, mas com grifo desnecessário – e também do uso de frases terminadas em reticências foi algo que me aborreceu por saltar aos olhos todo o tempo. Alguns diálogos estão sem identificação, e como a cena tem a presença de muitos personagens, fica a cargo do leitor imaginar quem está dizendo certas frases. Algumas partes se tornam repetitivas, ainda que não deixem a leitura monótona. O personagem Fábio tira e coloca a cueca ou a sunga quase na mesma freqüência em que as páginas são viradas. Isso porque quando ele faz coisas como sexo ou tomar banho, o autor faz questão de sempre descrever seu gesto de colocar as roupas ou retirá-las, dando destaque para a peça íntima. Ao invés de escrever algo como “ele tomou um banho”, Tanner registra algo como “ele tirou a cueca e tomou um banho”, frisando uma atitude que já se subentende diante de tal cena. Dessa forma, sua cueca quase se torna um personagem, com direito a mais aparições que alguns deles. Também irritam as descrições físicas dos personagens. O escritor parece ter imaginado todos os personagens com corpos perfeitos e malhados. Dessa forma, todo mundo é definido de forma muito genérica, tendo “músculos definidos” ou “abdômen sarado”. Dessa forma, na minha imaginação, todos acabaram ganhando a mesma imagem física. Quando Débora escreve uma reportagem para sua revista, o texto de sua criação aparece no livro, mas sem qualquer tipo de destaque, misturando-se a própria narração da trama. O correto seria o uso do itálico. Por fim, algumas cenas poderiam ser mais trabalhadas. As personagens Suellen e Yasmim – essa última de grande importância para a trama – são apresentadas muito rapidamente. Quando Fábio descobre a doença de sua amada, falta emoção e drama. O próprio início do romance principal, que acontece entre Fábio e Yasmim, ficou sem introdução, deixando a sensação de que talvez Fábio tenha se apaixonado rápido demais, tendo conhecendo quase nada sobre sua amada.
Ainda assim, esses são erros que podem ser facilmente corrigidos para uma futura edição, e não comprometem a leitura em si. São problemas comuns em romances de estréia. Dessa forma, basta ignorar esses pequenos detalhes e seguir em frente com a leitura, já que ela é fácil e leve, não exigindo muito do leitor. Li quase metade do livro em apenas um dia, porque as páginas viravam rapidamente e é fácil se envolver no drama dos personagens, querendo saber o que acontece a seguir.
Confesso que o autor conseguiu me confundir algumas vezes. No início pensei que o par romântico de Fábio seria Débora, e não Yasmim. Quando Débora revela a intenção de fazer uma reportagem para sua revista sobre a vida de Fabio, tive certeza de que a trama seria parecida com a de uma comédia romântica americana que assisti certa vez, em que uma jornalista faz o mesmo, o casal acaba brigando quando ele descobre e os dois ficam juntos no final. Para a minha felicidade, isso não aconteceu e a história se tornou bem mais complexa.
Muitos aspectos da trama foram acertos. A idéia de um playboy garanhão, que não quer saber de compromisso e nunca se apaixonou sempre é interessante – ainda mais quando fica no leitor a dúvida se ele realmente é capaz disso. Quem gosta de histórias com muitas cenas de sexo deve ficar satisfeito com o livro. Ainda que o livro não seja erótico, a vida sexual de vários personagens é narrada com destaque. Além da história de amor, presente como tema principal do livro, algumas outras relações entre os personagens merecem destaque. A amizade é uma das bases do livro, e percebe-se um forte desejo do autor em tratar esse tema. Gostei muito da relação criada entre Fábio e Débora, já que são poucos os livros que mostram amizade entre homens e mulheres, algo que é tão comum e verdadeiro. A relação sem compromisso de Fábio com várias mulheres rendeu alguns dos momentos mais hilários. A cena do banheiro do avião foi uma das mais divertidas, assim como as cenas do senador, da mãe assanhada do amigo de Fábio e das festas com celebridades.
“Cinco Sentidos” é para quem deseja ler um livro simples com histórias comuns. É um livro para quem gosta de histórias de amor, e daquelas bem fortes, com final imprevisível e que foge do “felizes para sempre”, um lugar comum. O final da obra, ainda que não agrade algumas pessoas, é original, intenso e violento. O autor mostra que tem um grande talento dramático, principalmente quando descobrirmos o porquê do título do livro e da cena na belíssima capa. Se você aprecia uma história sobre a vida como ela é, fugindo de qualquer forma de fantasia e ilusão, “Cinco Sentidos” é um livro muito recomendado.