Zé - #lerateondepuder 23/03/2023
Quando o homem é colocado à prova do sacrifício de sua própria vida, como é que, realmente, deve reagir?
Quando o homem é colocado à prova do sacrifício de sua própria vida, como é que, realmente, deve reagir? Seria condenável a aquele que se predispõe a integrar uma fileira de um exército e, logo à exposição do pipocar de balas e das primeiras mortes a seu lado, desesperar-se, recuar individualmente da frente de batalha, ou seja, desertar para salvar apenas a sua própria vida?
É desse dilema que o livro “O Emblema Vermelho da Coragem”, também nominado como “A Glória de Um Covarde”, em algumas edições, por conta de uma reconhecida adaptação ao cinema, cujo título original é The Red Badge of Courage, se predispõe a entreter seus leitores.
Esse romance naturalista americano escrito por Stephen Crane e publicado no ano de 1895 teve uma excelente aceitação pela crítica, a ponto de ser prefaciado pelo nobre Joseph Conrad, autor do aclamado clássico “Coração das Trevas”.
Conrad destaca “Ali estava um artista, um homem que, se não tinha experiência, tinha inspiração, uma pessoa intuitiva, com o dom de representar o mais significativo na superfície das coisas e com um olhar incomparavelmente penetrante para as emoções primitivas, e que, para nos mostrar a imagem da guerra, sondara profundamente seu próprio peito”.
Muito embora a obra se dedique a ressaltar com toda precisão as cenas de guerra, curioso é o fato de que seu autor nunca tenha participado de qualquer combate, exceto por ter coberto, com jornalista, o conflito greco-turco (1897) e, um ano depois, o hispano-americano. Crane, também poeta, a despeito de ser reconhecido como grande escritor americano, acabou empobrecido e internado em um sanatório na Alemanha, onde morreu apenas com vinte e oito anos, vítima de uma tuberculose.
A trama se concentra no cenário da Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana, quando o jovem Henry pensa em se alistar, por ler muito sobre marchas e confrontos armados, idealizando que, quem dos combates participa faz grandes feitos, deixando uma marca de glória na história. Em sua cabeça, pintava quadros imensos de cores extravagantes, cheios de façanhas espantosas. Como jovem, sentia crescer em seu íntimo, a força necessária para o desempenho dos grandes feitos de armas.
O que Henry imaginava é que, talvez, não houvesse combates sangrentos, o que foi desmistificado ao se alistar e, muito rapidamente, se deparar com os horrores dos primeiros entraves. Entre balas assobiando pelas árvores e pessoas atingidas, contorcidas em posições inimagináveis depois de alvejadas pela artilharia, vendo muitos de seus companheiros, simplesmente, fugir dos pavores, o protagonista se choca com a realidade e passa a viver o grande dilema: morrer combatendo ou fugir para tentar viver.
De alguma forma não tão nobre, Henry irá obter a sua medalha e marca de sangue tão procurada, embora com a certeza de que as batalhas eram máquina terríveis de produzir cadáveres, na prática. Como ele, muitos de seus compatriotas deveriam estar imaginando que colocariam seus nomes no panteão da glória por seus feitos, quando a história só figuraria algumas poucas personalidades insignificantes, na verdade. Deixar seu emblema de sangue, seria pouco relevante, então.
Embate retratado entre homens de duas cores, os cinzas conhecidos por Confederados e os azuis por Yankees, é detalhada em precisão do terror dos combates, sendo descrita com um linguajar que beira à dignidade. É uma forma inusitada de apresentar parte do conflito mais importante da história dos EUA, a grande disputa marcada pelas diferenças políticas e econômicas entre as regiões Norte (industrial) e Sul (agrária).
Em uma boa reflexão entre bravura e falta de coragem, como consta na introdução do livro escrita por Gary Scharnhorst, Crane era, até mesmo, confundido como um veterano da guerra civil, mas tinha nascido seis anos após o armistício e havia colhido a ideia da ferocidade do conflito, em um campo de futebol americano, o que não o impediu de ser reconhecido por seu realismo colhido apenas entre os relatos dessa disputa sangrenta.
Um livro de escrita leve, narrado em terceira pessoa e no ponto de vista do protagonista, por vezes com seus pensamentos íntimos e outras tal qual observasse tudo de fora, foi lido para essa resenha, uma edição da Penguin - Companhia das Letras, apresenta apenas 216 rápidas páginas que fluem bem.
Por fim, é uma boa leitura para encarar a opressão dos conflitos armados, com um olhar mais humanista, que, de forma naturalista, procura retratar a natureza no campo de batalha, além do aspecto vil da guerra, do medo e da vergonha, quando não se encontra a coragem necessária para encarar, de frente, a morte quase certa.
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