Renata CCS 19/12/2013Fechando o ano com chave de ouro
Uma neta recebe do avô a chave da casa que ele deixou em Esmirna, na Turquia, antes de emigrar para o Brasil, e isto a impulsiona em direção ao passado e decide buscar em terras desconhecidas a própria história. É este o ponto de partida em A CHAVE DE CASA, o belíssimo livro de estréia de Tatiana Salem Levy. Mas o livro não é apenas a busca de suas raízes: ao mesmo tempo em que ela enlaça a busca de sua identidade, há o constante conflito amoroso, a doença e morte da mãe, as questões de migração e exílio com uma densa pitada política, a volta ao passado dos avós, enfim, é sobre amor, medo, memória, doença, sexo e sobre tudo o que importa na vida. Para cada uma é apresentada uma linha narrativa própria, de modo que as histórias são contadas paralelamente, sendo que todas se intercalam, mas seus enredos não são entrelaçados. Os capítulos se alteram de maneira desordenada e são maravilhosamente bem escritos, sejam com poucas palavras ou com passagens mais longas. Os “saltos” no tempo que compõem o relato são tão instigantes que devoramos o livro em poucas horas.
Apesar da narrativa em primeira pessoa, o livro não é autobiográfico: a escrita segura e talentosa de Tatiana usa o material de sua memória e o de sua família de forma criativa, sem a preocupação de narrar os acontecimentos em si, mas usando a carga afetiva destes acontecimentos para construir as várias partes de uma mesma mulher. A grande “sacada” da escritora é a maneira como ela conseguiu entrelaçar toda a narrativa, destruindo as fronteiras entre realidade e ficção, pois mesmo que indiscutivelmente a premissa seja real, a obra é desenvolvida de uma forma que não paramos para pensar no que é real e o que não é. É uma ficção que atrai, encanta e emociona, totalmente desprendida da veracidade dos fatos, docemente apoiada na veracidade dos sentimentos.
O livro é tão maravilhoso, tão bem escrito, tão seguro, tão carismático de se ler que nos encontramos na história com a narradora quando ela desfila épocas e personagens e, na tentativa de entender o seu presente, buscamos também o nosso.
Como é bom encontrar novos grandes autores na literatura brasileira!