Retratos Londrinos

Retratos Londrinos Charles Dickens




Resenhas - Retratos Londrinos


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Tiago 29/07/2017

RETRATOS LONDRINOS
Com Apenas 24 anos um jovem chamado Charles Dickens havia acumulado ao longo de dois anos, trabalhando como cronista em jornais londrinos como o Morning Chronicle e o Evening Chronicle, uma coletânea de textos sobre os aspectos da vida diária da velha Londres vitoriana. Dotado de uma observação sem igual Dickens consegue captar os pequenos dramas particulares dos cidadãos de uma das maiores metrópoles do século XIX. O retrato da cidade se constrói a partir do banal: um vendedor de biscoitos perambulando pelas ruas, um jovem limpador de chaminés sentado na calçada, o transito de carruagens no Mercado de Convent Garden, vendedores ajeitando as mercadorias nas vitrines das lojas, a agitação dos festeiros durante as madrugadas e a miséria presente em cada esquina. “E surpreendente observar o dia começar, a vida fervilhar e o alvoroço instalar-se ao redor dos prédios trancados e emudecidos. (,,,) O ultimo bêbado, que deveria ter achado o caminho de casa antes do dia raiar, ainda cambaleia pesadamente, ecoando sua voz roufenha aos sons da bebedeira da noite anterior.” – escreveu em uma crônica publicada no Evening Chronicle em 21 de julho de 1835.
Charles John Huffam Dickens nasceu em 7 de fevereiro de 1812 na cidade de Portsmouth, e logo na infância sentiu os efeitos da Revolução Industrial. Seu pai, chamado John, era um funcionário da marinha que vivia endividado. Em 1822 a família decide se mudar para Londres na esperança de melhorar de vida. Dois anos depois John Dickens vai para a cadeia por dividas. Elisabeth Dickens, sozinha a própria sorte com o filho resolve vender os pertences da família; o jovem Dickens, apaixonado por leitura desde cedo, viu seus livros serem vendidos para saldar as dividas. Em 1824 ele consegue emprego em uma fabrica de graxa como colador de rótulos. Anos mais tarde ele se recordaria de sua ocupação na fabrica como um dos momentos mais dramáticos de sua vida. Três anos depois ele se torna escrevente de um escritório de advocacia e em 1832, após aprender sozinho a taquigrafia, consegue emprego como repórter parlamentar. Em 1836 Dickens se casar com Catherine Hogarth, filha do editor do Evening Chronicle. Naquele mesmo ano ele finalmente pública seu primeiro livro: “Retratos Londrinos” – “Sketches by Boz” (O nome era devido ao costume do autor em assinar seus texto com o pseudônimo “Boz”). A obra teve sucesso imediato e abriu as portas para Dickens emergir como um dos maiores escritores da era vitoriana.
O livro é dividido em três partes: “Cinco retratos de nossa paróquia”, “Cenas” e “Personagens”. O estilo descritivo da narrativa, adornado pela ironia e sarcasmo característicos do autor, são os pontos fortes da obra. Em alguns momentos Dickens expõe a tendência humana de querer extrapolar os limites do “eu” na busca pelo ideal que fazem de si própria. Essa atração pelo objeto fátuo invariavelmente remete ao ridículo:

“O desejo dos integrantes das classes sociais humildes de ascender, elevar-se aos costumes e maneiras daqueles cuja sorte fez com que estivessem em um patamar mais acima, é muitas vezes observável, para não dizer lamentável. Tal atenção deve existir, e de fato existe, para muita gente, principalmente entre aquela parcela da população conhecida por seus sonhos aristocráticos: a classe media. (...) Desfilam pelos desbotados ambientes de algum hotel de segunda categoria com tanta satisfação quanto àquelas invejáveis criaturas que tem o privilegio de exibir toda a sua pompa em exclusivos lugares marcados pela parvoíce.”

Obviamente que nem todos os textos são interessantes, alguns poucos são chatos, mas a maioria faz a obra valer a pena. Um dos mais belos trechos está no conto “Divertimentos Londrinos”, publicado no Evening Chronicle em 17 de março de 1835. Nele o autor menciona o costume de um casal de idosos em admirar seu jardim durante as tardes; e o que se inicia como uma simples narrativa, aparentemente banal, termina adornada por um tom poético bem característico do autor:

“Num entardecer de verão, depois de o velho casal já estar exausto de tanto andar de um lado para o outro e do grande regador já ter sido enchido e esvaziado umas quatro vezes. Você pode observá-los sentados lado a lado, juntinhos e felizes, em sua pequena e aconchegante casa, aproveitando a paz do crepúsculo e admirando as sombras que se lançam sobre o jardim. Pouco a pouco, o lugar vai ficando cada vez mais envolto nas sombras. As pétalas multicoloridas das flores mais alegres vão, lentamente, escurecendo – uma boa representação dos anos que já se passaram silenciosamente diante de suas vistas e que, no caminho, acabaram eclipsando os matizes mais brilhantes de suas esperanças no futuro e de uma juventude que se esvaneceu.”

No século XIX o progresso econômico e industrial da Inglaterra era notável. A Revolução Industrial havia concentrado capital e recursos tecnológicos em uma escala assustadora. O país era um exemplo de sociedade capitalista e servia de inspiração para muitos dos países europeus que buscavam alcançar um nível de desenvolvimento industrial semelhante. A industrialização criou uma gigantesca demanda de aço e as grandes siderúrgicas floresceram devido às imensas reservas de carvão mineral do país. Em 1830 a Grã-Bretanha produzia 15 milhões de toneladas de carvão mineral, que correspondia a 90% da produção mundial. A expansão das linhas ferroviárias facilitou o escoamento do carvão até os grandes centros industriais e favorecendo ao crescimento urbano.
O aspecto geo-econômico mais marcante do século XIX foi a migração populacional (a maior de toda a historia humana) e nesta se inclui o êxodo rural. Os quatro maiores aglomerados urbanos era composto pelo eixo Londres-Paris-Berlim-Viena. Essa concentração industrial funcionou como poderoso atrativo a massa proletariada das cidades provincianas e dos camponeses. Os centros urbanos prometiam maiores oportunidades de emprego, o que teoricamente significava melhores condições de vida. Na busca por seus sonhos no emaranhado industrial urbano os trabalhadores deram vida a seus piores pesadelos.
A velha Londres vitoriana era um lugar onde não faltavam elementos capazes de abreviar a vida, sobretudo à dos mais pobres. “O inferno é um lugar semelhante a Londres, uma cidade esfumaçada e populosa. Existe ai todo tipo de pessoas arruinadas e pouca diversão, ou melhor nenhuma, e muito pouca justiça e menos ainda compaixão.” escreveu Sheller.
Dickens é um dos maiores especialistas em retratar a marginalidade da sociedade inglesa do século XIX. Obras como “Grandes Esperanças” e “Oliver Twist” o imortalizaram como um dos maiores escritores da era vitoriana. Ninguém menos que Fiodor Dostoievski era um grande admirador de seus textos. Durante toda a obra é possível perceber a intenção do autor em criar, não personagens, mas caricaturas urbanas da sociedade vitoriana. Impossível não perceber o tom de critica no trecho que abre a crônica “O primeiro de maio”: “Limpador, limpador, lim-pa-dor!”. Naquela época o governo havia proibido os limpadores de chaminés de percorrer as ruas anunciando seus serviços aos gritos. Dickens explorou a polissemia desta proibição ao destacar um trecho, publicado no The Library of Fiction em 31 de maio de 1836, seguido das palavras “propaganda ilegal”. É como se a imundice da sociedade vitoriana tivesse o consentimento do governo. Outro trecho onde é possível perceber a transição sutil entre critica e narrativa esta no conto “À noite nas ruas”, publicado no Bell’s Life in London em 17 de janeiro 1836:
“Se quisermos conhecer as ruas de Londres em seu momento mais glorioso, devemos observá-las em uma escura, sombria e triste noite de inverno (...). A multidão que passou de um lado para o outro durante todo o dia vai minguando rapidamente. E o barulho dos gritos e discussões que vem das tavernas é praticamente o único som a quebrar a quietude melancólica da noite.”
Dickens produz um quadro vivo da Londres vitoriana o que lhe permite, como observador, reafirmar as palavras de Edgar Alan Poe: “A multidão inabarcável onde ninguém se desvenda todo para o outro e onde ninguém é para o outro inteiramente impenetrável.”

AUTOR
TIAGO RODRIGUES CARVALHO

site: http://cafe-musain.blogspot.com.br/2013/10/com-apenas-24-anos-um-jovem-chamado.html
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Dose Literária 28/07/2013

Dickens era jornalista de corpo e alma, pois soube mesclar como ninguém informação com humanidade...
Imagine a Dona Clotildes, sua vizinha chata e corpulenta que, ao sinal de qualquer barulho, sai na porta de casa para protestar. Ou aquelas beatas de igreja, sempre prontas a “ajudar” o novo cura. Lembre também dos ex-abonados, os quais, sem ter a quem recorrer, procuram agiotas. Ah, claro: não esqueça do Seu Leopoldo, o funcionário público que enterrou 3 gerações e continua atrás de ninfetas.
E não termina aí...

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site: http://www.doseliteraria.com.br/2012/02/retratos-londrinos.html
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Joachin 02/12/2012

A leitura que realizei das crônicas do jovem Dickens não enfocou as representações elaboradas pelo escritor da Londres vitoriana. O que busquei perseguir foi a possibilidade de se pensar em um Dickens comprometido com um determinado método de interpretação da metrópole onde viveu. Ao construir um estilo criativo e astucioso que visava capturar, assim como fazem os fotógrafos por trás das câmeras, a luminosidade, as sombras e os contornos da vida em uma grande cidade, a literatura de Dickens pode auxiliar, de várias formas, os historiadores em seu ofício.
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Gláucia 29/08/2011

Retratos Londrinos - Charles Dickens
Hesitei antes de ler esse livro, por se tratar de crônicas jornalísticas escritas na década de 30 (1830). Imaginei que não me falariam nada por não ter conhecimento das pessoas e fatos da época, em Londres ainda. Mas os tipos e situações expostos são tão exatamente iguais aos nossos personagens atuais (artistas, políticos, intelectuais, religiosos, damas e cavalheiros da sociedade) que ao final só pude concluir uma coisa: o mundo não mudou nada!
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Mara Vanessa Torres 29/08/2009

Fantástico!
Charles Dickens (1812-1870) tem uma característica que parece peculiar ao estilo inglês: observação. Seus trabalhos começaram a ser publicados em meados de 1830, quando a Inglaterra vivia a Era Vitoriana. 179 anos depois, Dickens continua tão atual quanto qualquer bom autor de livros-reportagens.

Retratos Londrinos (Record, 302 pág., tradução de Marcello Rollemberg) traz à tona toda a potencialidade do contista que, esmiuçando a realidade de Londres do século XIX, imortaliza fatos e caricaturas da época sem deixar o tom sarcástico e irônico que o consagrou. Impossível não se envolver com personagens que parecem sair do papel e ganhar vida, misturando ficção e realidade.

Imagine a Dona Clotildes, sua vizinha chata e corpulenta que, ao sinal de qualquer barulho, sai na porta de casa para protestar? Ou aquelas beatas de igreja, sempre prontas a “ajudar” o novo cura. Lembre também dos ex-abonados, os quais, sem ter a quem recorrer, procuram agiotas. Sem esquecer do Seu Leopoldo, o funcionário público que enterrou 3 gerações e continua atrás de ninfetas.

E não termina aí: festas “beneficentes”, profissionais da lei que se acham acima do bem e do mal, bajuladores, transporte público... Charles Dickens não poderia ser mais atual. A sensibilidade em falar dos pacientes de hospitais; dos famintos e marginalizados, sempre englobando toda sorte de temas sociais, confirma a evidente capacidade do autor em ser muito mais do que números, detalhes, relatos secos ou românticos.

Dickens era jornalista de corpo e alma, pois soube mesclar como ninguém informação com humanidade. É isso que faz de Retratos Londrinos um livro tão especial; um verdadeiro achado.
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