Polly 13/04/2024
Memória de minhas putas tristes: Gabo sem o mágico, só com o realismo (#202)
Quando iniciei Memória de minhas putas tristes, achei que seria mais um livro do Gabo para colocar na minha estante de ranço confuso, tal qual Do amor e outros demônios. Mas, a experiência foi bem diferente do que eu imaginava. Embora o protagonista da história continue sendo um velho pedófilo, acredito que este livro definitivamente não é sobre isso. A mediocridade de caráter do protagonista é só um "plus" no efeito que o autor quer nos causar: ter asco da velhice.
A narrativa se inicia no aniversário de 90 anos do protagonista, de quem nem mesmo sabemos o nome. Ele, que não foi ninguém que prestasse durante toda a sua vida, decide que precisa, como presente de aniversário, de uma noite com uma bela jovem virgem. Ele, que não amou durante toda a sua vida e até se orgulha de nunca ter ido para cama com uma mulher sem que tivesse pagado por isso, nos conta que essa é a sua mais verdadeira e pura história de amor. Diante de encontros platônicos com uma menina de 14 anos, onde ele só a observa dormir nua, vamos conhecendo a rotina monótona do velho e o seu passado vazio de sentido.
A deterioração do corpo e a solidão parecem angustiar o protagonista, mas o que aparentemente acaba com ele é a consciência de que a morte está próxima. O medo de não mais existir é o que o joga num abismo, o que faz com que um crápula sem caráter queira amar, para ter algo em que se segurar, ainda que esse "amor" seja imoral. Em resumo, Memória das minhas putas tristes é a história de alguém que tem pena de morrer.
Não que a morte seja certa apenas para pessoas idosas, mas acho que esse deva ser um pensamento mais presente em nossas mentes ao chegarmos nessa idade. Ou, ao menos, é isso o que o Gabo parece querer passar. Ter limitações físicas parece também exercer uma angústia no autor. O contraste existente entre a figura do gato idoso e a jovem bela adormecida Delgadina nos mostra essa relação entre juventude e decrepitude da velhice, na qual o autor acredita. Definitivamente, Gabo nos mostra que ele não conseguia ver pontos positivos de envelhecer. Pelo menos, não com nesse livro.
E isso fica extremamente claro quando percebemos que o realismo mágico, tão característico do autor, não está presente na narrativa. Este é um livro cru, sem o elemento mágico. É só realismo, ainda que presente o ritmo compassado e envolvente de nos contar histórias. É o Gabo, mas não é o mesmo.
Enfim, gostei. A despeito do protagonista, o livro é bom.