Mauricio Gonçalves 09/04/2021
100 anos querendo que o livro não tivesse terminado
O livro é sensacional. Posso até compreender quem o tenha abandonado nas primeiras 100 páginas, não por ser um início ruim, mas devido o livro não ter um objetivo claro inicial como a maioria das obras, onde se identificam personagens, motivações, enredo e ambientação. E aí é que está a mágica desse livro, pra quem o abre, assim como eu, sem saber de nada disso previamente. É uma história simples, uma novela, um acompanhamento do cotidiano, não é o conto clássico do herói, seu passado desconhecido, sua decadência e ascensão. É apenas uma onipresença num cotidiano familiar incrível, cômico, trágico, depressivo, revolucionário e acima de tudo comum, que de certo modo toda família se identifica total ou parcialmente.
Quando eu digo comum, não falo dos acontecimentos, que são, em grande parte, atípicos. O comum vem das preocupações individuais e da reação às mudanças, que independentes das situações, fazem parte de todo ser humano.
O que para alguns pode parecer confuso também é a escolha dos nomes. A repetição infinita de Josés Arcadios e Aurelianos pode desviar a tenção da leitura, porém é o núcleo de todo o teor cômico do livro e uma vez familiarizado o próprio leitor já quer batizar os personagens que venham a aparecer com os mesmos nomes. Após a leitura acredito ser impossível não querer reler montando graficamente uma árvore genealógica
O livro oscila muito entre a comédia e o drama, inclusive os mistura num enredo que te traz surpresas, risadas e preocupações ao mesmo tempo. Tudo é devidamente medido e preciso (nos dois sentidos), tudo se encaixa de uma maneira primorosa, mesmo com a característica de brincar com a linha do tempo, o que às vezes gera confusão. As idas e vindas súbitas no tempo traz a sensação de início para todas as ações, bem como aumenta o sentimento de onipresença.
Os personagens são excelentes, muito bem trabalhados em suas individualidades e em suas semelhanças, características dos Buendías. Isso faz com que o leitor se apegue demais a todos eles, acabando por compartilhar seus sentimentos. O que muda com o humor do leitor ao longo das páginas. A parte ruim disso é que o final se torna mais triste do que simplesmente ter lido algo triste, é uma despedida sacrificante não só do livro, mas como de todo um universo que o leitor viveu.