Fabrício Cardoso 03/04/2024
Um livro capaz de dialogar com as diferentes pessoas que somos ao longo da vida
Há tempos vinha cogitando meu regresso a Macondo. Na primeira visita, no fim dos anos 90, eu tinha 20 e poucos anos e ilusões de mudar o mundo. O idealismo do Coronel Aureliano Buendía me tocou predominantemente. Hoje, quando esse mundo que não consegui mudar começa a me defenestrar, o que me salta à alma é a solidão que vai se instalando nos personagens, indistintamente. Estão todos fisicamente próximos, numa companhia ruidosa, enquanto são carcomidos pelos tormentos particulares. O outro nada acrescenta diante do desalento interior. Coronel Aureliano chegou a verbalizar: "uma boa velhice requer um pacto honrado com a solidão". É um livro infinito, capaz de dialogar com dois fabrícios tão diferentes.
Mas nossa condenação a vivermos conosco, imersos em tormentos e delícias próprios, não é um convite à resignação. Gabo não foi sombrio. Lá pelas tantas, Aureliano Segundo, entregue ao amor insípido de Fernanda, chegou a gozar de uma "serenidade esponjosa da inapetência", mas foi só com Petra Cotes que encontrou alguma plenitude, sob a chuva de quatro anos e onze meses que se derrama no telhado de zinco. Sou, como todos nós, de uma estirpe condenada à solidão, mas saúdo essa segunda chance de ler Cem Anos de Solidão, agora com essa ideia, pretensiosa, de ser mais maduro.
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