Pedro Pinto 24/03/2014
Uma incrível vingança
Máiquel, o personagem principal, é também o personagem principal do livro “O matador”. Ele representa todo o nosso mal cotidiano e que está inserido nos costumes de nossa sociedade. Em seu código de conduta está não acreditar em nada e em ninguém. O seu modo de vida do início ao fim sugere que o mundo está perdido em meio à violência sem controle, como diz o título. Seu coração está endurecido, enternecendo-se apenas com Tigre, o cão que atropela e se torna seu companheiro. Máiquel não gosta de pensar nem que outras pessoas o façam pensar. Sua distração o incomoda a ponto de não prestar atenção às noticias dos telejornais, pois acaba desviando sua atenção para os detalhes das vestes dos repórteres. Não consegue fugir de sua sina: matar e fugir. Em caso de dúvida prefere matar, não perdoando ninguém, porém em alguns momentos desperta bons sentimentos, chegando a encantar o leitor, gerando certa semelhança com a síndrome de Estocolmo, história real do sequestro da filha de um milionário que acabou aderindo à causa dos seus seqüestradores; Tia Rosa, tia de Máiquel, que falece logo no início da história, deixando uma herança para Máiquel, que a mantinha, enviando dinheiro, porém ela não gastava; As mulheres de Máiquel: Cledir, sua esposa e mãe de sua filha Samanta. Foi assassinada por ele; Érica, fugiu com o pastor Marlênio e sequestrou a sua filha; Eunice, viveu com ela em Nova Iguaçu-RJ durante parte dos dez anos em que esteve foragido; Divani, vizinha de Tia Rosa, achou que pudesse formar par com Máiquel ao saber que eram ambos vizinhos e viúvos; Sílvia, prostituta de Campo Grande-MS que rouba o seu dinheiro para matar o seu pai e seu padrinho em uma vingança; Ana, moradora do acampamento do MST em Rondonópolis; Cecília, dona de pousada na Chapada dos Guimarães-MT e Lúcia, mulher de narcotraficante em Santa Cruz de La Sierra-Bolívia, com a qual fica durante alguns dias antes de continuar sua viagem; Sua Filha Samanta, que não vê há dez anos, desde que fugiu após ter sido denunciado à polícia pelo pastor Marlênio; Pastor Marlênio, tornou-se bispo de uma grande igreja evangélica junto com Érica, que também se torna bispa; Odécio, irmão de Eunice, janta com o casal Máiquel-Eunice na feira central de Campo Grande-MS e leva Eunice de volta para Nova Iguaçu-RJ; Tigre, cão adotado por Máiquel após ter sido atropelado por ele e, apesar de ser um animal, apresenta vários comportamentos que o fazem ser enquadrado como personagem; Detetives particulares Jonas e Anderson, orientam Máiquel em sua missão de recuperar a sua filha e cumprir a sua vingança; Advogado Haroldo, auxilia-o a converter em dinheiro a herança da Tia Rosa; Cabo Bruno, é morto por Máiquel quando tentou prendê-lo por ter morto o seu primo; O açougueiro Nei, tem um filho com Lúcia e ajuda Máiquel a chegar à Bolívia; Osório, ex-marido de Ana e um dos líderes do MST de Rondonópolis, é esfaqueado por Máiquel em uma discussão, porém não morre; Caminhoneiro Josias e Piloto Rôni, auxiliam Máiquel, transportando-o por motivos diversos e Éder, o falso Francisco, matador enviado pelo pastor Marlênio para matar Máiquel, porém é morto por este ao ser descoberto; Pastor Otávio Freitas, auxilia o pastor Marlênio em sua fuga e Giane, a pivete que o acompanha em Manaus-AM.
“Sou um foragido”. O livro termina como começa: Máiquel fugindo. Após 10 anos fugindo, de ter a filha sequestrada por sua namorada Érica, de ter sido denunciado à polícia pelo pastor Marlênio, de ter perdido a empresa de segurança e ter perdido até a sua cabeleira loira, continua fugindo. Ele nada sabe fazer, só matar. Mesmo após dez anos ele ainda tem a maldade em sua alma. Ao mesmo tempo ingênuo e amoral, mesmo sem querer, deixa atrás de si um rastro de cadáveres. Da vida só espera que ela continue.
No enterro de sua tia Rosa, Máiquel decide procurar a sua filha Samanta, que foi seqüestrada pela namorada Érica quando fugiu com o pastor Marlênio. Em sua busca desenfreada pelas estradas e aerovias clandestinas do Brasil, atravessa um mundo subterrâneo movido a subornos e violência e que ignora os canais oficiais do governo. Chega até a Bolívia, passando por um acampamento de sem-terras (MST). Sua missão secundária é vingar-se de Marlênio por ter arruinado a sua vida.
Em São Paulo relaciona-se com a vizinha de sua tia, a Divani, que ajudava a cuidar de sua tia. Porém deixou em Nova Iguaçu a sua atual companheira, a caixa de supermercado chamada Eunice, que, ao telefonar, é atendida grosseiramente por Divani, decidindo, assim, ir para São Paulo para ficar junto de Máiquel. Divani auxilia Máiquel a procurar na internet um detetive particular para achar Samanta e traz o Cabo Bruno, policial militar, para ajudar. Com a presença de um policial, a chegada de Eunice e o dinheiro da poupança da tia e da venda da casa, herança liquidada pelo advogado Haroldo, Máiquel decide viajar para Campo Grande-MS, de acordo com informações do detetive particular Jonas. Os irmãos despachantes conseguem-lhe documentos falsos, agora seu novo nome é Rogério. Ao ser reconhecido pelo Cabo Bruno que queria prendê-lo por ter morto o seu primo, Máiquel o assassina com três tiros na cabeça. Na fuga para Campo Grande, junto com Eunice, atropela um cachorro e, a despeito da recusa de Eunice, leva-o para uma clínica veterinária. O cão recebe o nome de Tigre. Manco e doente, Tigre será a única amizade verdadeira do protagonista durante todo o tempo.
Máiquel lembra de que seu pai o ensinou de que nada tem valor e de que não deveria se misturar a grupos. Achava bom, pois pretendia manter-se invisível por ser um foragido.
Em Campo Grande encontram Odécio, caminhoneiro irmão de Eunice. Com a morte do policial, os jornais republicam as fotos de arquivo de grandes bandidos e Eunice acaba sabendo de sua vida, decidindo então retornar para Nova Iguaçu com o Irmão. Máiquel fica ansioso e telefona para a casa de Érica e nada fala ao ser atendido pela secretária eletrônica. Após várias ligações, acaba gerando a desconfiança dos perseguidos, que fogem, pois sabiam que seria perigoso permanecer em Campo Grande.
É notável que a autora, não desejando criar constrangimentos, cita locais na cidade de Campo Grande, todavia com modificações no nome: Avenida das Américas, Churrascaria Boi de ouro, Instituto Evangélico de Educação, Rua Visconde de Albuquerque, Igreja Poderoso Coração de Jesus e Sol Azul imóveis. Em outros momentos cita locais que realmente existem: em Campo Grande – o único Shopping, o parque das nações (indígenas), as avenidas largas que dão em campos (no nada); na Chapada dos Guimarães – a estrada que faz os carros subirem sem estarem engrenados (famosa ilusão de ótica local) e a caverna Aroe Jari; em Belém – Mercado Municipal e feira do Ver-o-Peso e em Manaus – Avenida Constantino Nery e Estádio de futebol Vivaldo Lima (Vivaldão).
Máiquel não encontra a família e fica sabendo que fugiram para Cuiabá. O detetive Jonas dá o endereço do detetive Anderson em Campo Grande, o qual passará a atendê-lo. Em uma festa junina conhece a prostituta Sílvia que, após passar a noite com ele, rouba-o. Sílvia havia dito que desejava matar o pai que a vendeu para o seu padrinho em troca de uma vaca doente e também matar este padrinho que abusava dela sexualmente todos os dias. Mais adiante Máiquel lê nos jornais que Sílvia matou os dois, provavelmente utilizando o dinheiro que roubou dele.
Ao retornar para o hotel, Máiquel é agredido por homens enviados por Marlênio. É resgatado pelo detetive Anderson que o esconde em um acampamento de sem-terra em Rondonópolis-MT. Relaciona-se com Ana, ex-mulher de Osório, um dos líderes do acampamento. Recebe a informação que os perseguidos fugiram para Boa Vista-RR, porém, ao tentar sair do acampamento, é atacado por Osório, esfaqueando-o. Foge sem saber se o matou. Mais tarde é informado por Anderson que Osório não morreu, mas ficou com o seu carro, uma Parati, que havia entrado em uma negociação para que fosse transportado pelo caminhoneiro Josias para Corumbá-MT, agora o seu novo destino.
Sonhando sempre com Érica, com saudades de Eunice e saboreando o ódio por Marlênio, Máiquel prossegue sua viagem. Em Corumbá, recebe das mãos do açougueiro ilegal Nei, um embrulho com fitas de áudio e vídeo e fotos dos perseguidos, enviadas pelo detetive Anderson. Nei pede que leve um caminhão de brinquedo para o seu filho em Santa Cruz de La Sierra-Bolívia. Desconfiado, Máiquel destrói o caminhão, achando que continha drogas. Durante a viagem observa um grupo de jovens brasileiros “filhinhos de papai”, queimando o dinheiro do pai em drogas. Ao chegar ao seu destino, após dezoito horas no trem da morte, é informado por Anderson que Marlênio e família já estão em Belém-PA para uma reunião de altos pastores. Relaciona-se com Lúcia, mãe do filho de Nei e mulher de um narcotraficante que está viajando. Lúcia consegue carona para Máiquel com destino a Belém na aeronave do piloto Rôni, porém Máiquel não sabia que teria um preço a pagar: matar o irmão de Rôni quando pousassem em Porto Velho-RO. O irmão de Rôni havia traído o narcotráfico local e seria torturado e enterrado vivo. Rôni poupou-lhe este sofrimento. Máiquel não queria matá-lo, mas, ao tentar avisá-lo, foi atacado pelo mesmo, vindo a dar-lhe vários tiros. É notável observar que Máiquel recusou a ajuda de Rôni quando soube que não poderia levar Tigre, tendo a sua exigência atendida.
Depois de distribuírem tambores de éter e acetona para a fabricação de cocaína e observarem em voo as clareiras abertas por queimadas e pela madeira nobre extraída que seria enviada clandestinamente para a Ásia, desembarca em Belém, prosseguindo de barco para Manaus-AM, o novo destino. No barco descobre que o seu companheiro de convés, na verdade é um matador enviado por Marlênio. Em uma emboscada durante um passeio em Santarém-PA, Éder, que se dizia chamar Francisco, é morto por Máiquel por ter tentado mudar de lado em troca de mais dinheiro.
Em Manaus, avisado por Éder, Máiquel sabe que Marlênio será usado pela polícia como isca para capturá-lo. Conhece a pivete Giane, que se oferece sexualmente, mas Máiquel recusa, pois vê que é apenas uma criança, mas deixa que o acompanhe, pois deu água para aplacar a sede de Tigre sob o forte calor da Amazônia.
Vai até o estádio Vivaldo Lima e assiste com Giane ao culto em que o pastor Otávio Freitas, amigo do pastor Marlênio, anunciaria a construção, em Brasília, do maior templo evangélico do Brasil. Não consegue atirar em Marlênio. Segue para o hotel e consegue entrar com Marlênio no elevador, vindo a atirar-lhe duas vezes. Persegue Samanta até o quarto e a encontra abraçada a Érica. As duas oram pedindo que sejam salvas. Máiquel não tem o que falar. Tudo estava mais do que destruído por Marlênio. Consegue fugir, deixa Giane que chora e acomoda Tigre no banco traseiro do carro alugado.
Próximo ao clímax do livro, duas forças espirituais entram em oposição: a tatuagem de estrela de sete pontas que Máiquel fez por ordem de um pai-de-santo a fim de fechar o seu corpo e a oração a Deus de Samanta e Érica para que fossem salvas daquela terrível situação. As duas forças funcionaram.
O final deixa a dúvida se Marlênio realmente morreu, pois não pode fazer a confirmação ou não da morte, como no caso de Osório. Continua um foragido, deixando a porta aberta para a continuação da história, como no romance anterior.
Máiquel conseguiu atingir, depois de muito empenho, a sua incrível e persistente vingança, mas pouco lhe valeu. Continuou sem sua filha, sem amigos, sem amor e com um rastro de infelicidade.