Sobre Heróis e Tumbas

Sobre Heróis e Tumbas Ernesto Sabato




Resenhas - Sobre Heróis e Tumbas


8 encontrados | exibindo 1 a 8


Alexandre Kovacs / Mundo de K 07/06/2010

Ernesto Sabato - Sobre Heróis e Tumbas
Editora Companhia das Letras - 623 páginas - Publicação 2002 - Tradução de Rosa Freire d'Aguiar.

Certos livros são inesquecíveis, ou melhor, nunca nos abandonam. É o caso deste "Sobre Heróis e Tumbas" do argentino Ernesto Sabato, prêmio Miguel de Cervantes de Literatura de 1984 e um dos maiores romancistas do século XX. O romance se divide em três narrativas, a paixão doentia do jovem Martín por Alejandra, a desonrosa fuga do general Juan Lavalle, herói da independência argentina, para o exílio, com os sobreviventes de seu exército e a investigação fantástica sobre a Seita dos Cegos. O próprio Sabato define melhor do que ninguém o seu trabalho nesta frase: "A diferença entre um romancista e um louco é que o primeiro pode ir até a loucura e voltar". Entre tantas passagens dignas de nota, o trecho abaixo, doloroso e angustiante, devo alertar, mostra bem porque não se consegue escapar sem marcas desta leitura:

"Mas nem sempre os homens sentados e pensativos são velhos ou aposentados.

Às vezes são homens relativamente moços, indivíduos de trinta ou quarenta anos. E, coisa curiosa e digna de reflexão (pensava Bruno), parecem tão mais patéticos e desvalidos quanto mais jovens são. Pois o que pode haver de mais pavoroso do que um rapaz sentado e pensativo num banco de praça, angustiado por seus pensamentos, calado e alheio ao mundo a seu redor? Às vezes, o homem ou rapaz é um marinheiro; outras vezes, talvez seja um emigrante que gostaria de regressar à pátria e não pode; volta e meia são criaturas incapazes para a vida, ou que deixaram a casa para sempre ou meditam sobre sua solidão e seu futuro. Ou pode ser um rapazinho como o próprio Martín, que começa a ver com horror que o absoluto não existe.

Ou também pode ser um homem que perdeu o filho e que, de volta do cemitério, se encontra sozinho e sente que agora sua existência carece de sentido, refletindo que, enquanto isso, há homens por aí que riem ou são felizes (mesmo sendo apenas momentaneamente felizes), meninos que brincam no parque, ali (está vendo-os), enquanto seu próprio filho está debaixo da terra, num caixão pequeno adequado ao tamanhinho de seu corpo que, quem sabe, finalmente deixará de lutar contra um inimigo atroz e desproporcional. E esse homem sentado e pensativo medita de novo, ou pela primeira vez, sobre o sentido geral do mundo, pois não consegue entender por que seu filho precisou morrer assim, por que teve de pagar por um pecado de outros, com sofrimentos imensos, com seu coraçãozinho torturado pela asfixia ou paralisia, lutando desesperadamente, sem saber por quê, contra as sombras negras que começam a se abater sobre ele.

E este, sim, é um homem desamparado. E, coisa curiosa, pode não ser pobre, é até possível que seja rico, e até poderia ser o Grande Banqueiro que planejava a formidável Operação com divisas fortes, evocada antes com ironia e desdém. Desdém e ironia (agora era fácil entender) que, como sempre, eram excessivos e definitivamente injustos. Não há homem que, em última instância, mereça o desdém e a ironia, já que, cedo ou tarde, com divisas fortes ou não, ele é atingido pelas desgraças, pelas mortes dos filhos, ou irmãos, por sua própria velhice e solidão diante da morte. Terminando, enfim, mais inválido que ninguém, pela mesma razão que é mais indefeso o homem de guerra flagrado sem sua cota de malhas do que o insignificante homem de paz que, por nunca ter tido esta proteção, tampouco sente sua falta."
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Gláucia 28/01/2010

Bom
O livro vai num crescendo de suspense e a questão principal: até onde você iria para descobrir um segredo?
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AleixoItalo 03/02/2023

O pouco, mas agradável, contato que tenho tido com a literatura argentina tem sido carregado de maravilha e estranheza. Por meio de nomes como Borges, Casares, Arlt, eu mergulhei num mar de loucura, onde o insólito colide com a realidade triste e violenta, criando um tipo exótico de fantasia. A sensação ao terminar ‘Sobre Heróis e Tumbas’ de Ernesto Sabato não foi diferente.

É uma obra multifacetada que traz vários livros dentro de si: é um livro sobre o amor “impossível” entre dois jovens já desgastados pela vida, um livro sobre a loucura e sobretudo sobre a loucura da história da Argentina. A narrativa lembra diversas obras clássicas: um pouco de ‘Travessuras da Menina Má’, por vezes remete à um romance histórico no estilo ‘O Tempo e o Vento’, mas também lembra alguns livros de mistério e ficção (como o bom ‘A Sombra do Vento’) e contém monólogos pessoais que perscrutam o fundo da loucura e degradação (lembrando de longe o niilismo de algumas obras russas).

O livro é um tanto hermético para com quem não conhece a história da argentina, muitos dos pensamentos, tanto quanto alguns personagens da obra, remetem diretamente ao passado do país e são reflexos de momentos fundamentais históricos. A jornada de Martín ao tentar cativar e compreender Alejandra, imiscui com a própria jornada do país em busca de uma identidade própria e os traumas e o passado de Alejandra são os reflexos dessa história escrita em sangue. O famoso “Relatório Sobre os Cegos” (amado por muitos, mas pra mim a parte mais destoante do livro), uma busca doentia por uma obsessão, de certa forma reflete o absurdo que é a tragédia humana, assim como é o típico elemento surreal da literatura argentina presente no livro.

A sensação que fica ao término da obra é de amargor, um “aroma” de não conclusão no ar que embora indigesto é marca registrada da literatura argentina. Ao longo do livro passamos por revoluções, batalhas sangrentas, ditaduras violentas e todos aqueles personagens que perecem sem alcançar seus objetivos, deixam sobre os leitores o peso de seus fracassos e de uma certa forma a literatura argentina capta bem essa sensação. Enquanto alguns outros clássicos nacionais conseguem passar para o leitor a tristeza de seu passado, a literatura argentina consegue vender sob forma do fantástico esse absurdo inconcluso.
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Cassionei 04/08/2015

“A descida ao eu”
A frase que intitula esta resenha sintetiza o romance do século XX, segundo o escritor argentino Ernesto Sabato, que completou 99 anos no dia 24 de junho. A Argentina é um país que pode não ter o melhor futebol do mundo (apesar do título eminente), mas possui a melhor literatura, pelo menos na humilde opinião de quem escreve estas linhas, pois é o berço de Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e tantos outros. Não estranhe, caro leitor, se em plena Copa do Mundo estou neste espaço elogiando “los hermanos”. Não podia, porém, deixar passar a oportunidade de escrever sobre um grande escritor e sobre um livro que me tirou algumas noites de sono.
Sabato foi um grande físico, chegando a trabalhar no Laboratório Curie, em Paris. Nos anos 40, depois de questionar esse mundo tão racional – que lhe provocava, segundo suas palavras, “um vazio de sentido”–, abandonou a ciência para se dedicar à literatura e à pintura. Publicou livros de ensaios e romances, pouco em quantidade – só três romances –, mas de uma qualidade incontestável. Destaca-se nesse conjunto a obra-prima Sobre heróis e tumbas, lançado em 1961 e com edição recente no Brasil pela editora Companhia das Letras, com tradução de Rosa Freire d’Aguiar.
O romance é dividido em quatro partes, mas antes há uma nota, supostamente tirada de um jornal de Buenos Aires, pela qual ficamos sabendo que Alejandra matou seu pai, Fernando Vidal Olmos, e depois ateou fogo no próprio quarto, se suicidando. Na primeira parte, “O dragão e a princesa”, passamos a conhecer melhor essa impressionante personagem a partir das percepções de Martín, jovem que se apaixona por ela. Misteriosa, imprevisível e de personalidade forte, Alejandra só não é mais estranha do que os parentes que habitam a casa, gente ligada à antiga aristocracia argentina, cujos antepassados participaram da luta pela independência do país. Esses antepassados podem ser os heróis do título no que seria uma interpretação político-social da obra, colocando Alejandra como metáfora para a própria Argentina. Prefiro, no entanto, a chave mais existencial, sendo que o título dessa primeira parte nos leva a esse sentido. Seria o dragão Martín e a princesa a Alejandra? Ou seria a jovem uma princesa-dragão, soltando fogo através de suas duras palavras?
Na segunda parte, “Os rostos invisíveis”, a história se desenvolve com mais comentários sobre a história da Argentina, inclusive sobre a era peronista, as paixões anteriores de Alejandra e aparece pela primeira vez Fernando Vidal Olmos, esse o rosto invisível em boa parte do enredo, mas que começa a se revelar. É dele o manuscrito que seria encontrado posteriormente no quarto incendiado e que corresponde à terceira parte, talvez a mais perturbadora de todo o enredo: “Informe sobre cegos”.
O texto é uma narrativa enigmática, que reflete a mente perturbada de Fernando em sua tentativa de encontrar a Seita dos Cegos. Percorre, inclusive, os esgotos subterrâneos de Buenos Aires, como a descida de Ulisses ao Reino de Hades em busca das respostas do cego Tirésias, contada na Odisseia, de Homero. Paradoxalmente, busca a luz nas trevas. Na verdade, a busca representa a jornada nas tumbas da nossa mente, por isso as menções ao sexo desenfreado, aos canalhas de todas as estirpes, ao lixo produzido pelo homem. Tudo alegorias das questões morais do ser humano. Mais do que isso eu não falo sobre o “Informe”. Leia-o. Repito, leia-o. E mais uma vez: leia-o, mesmo que seja só essa parte. Vai te deixar perturbado durante dias, mas é esse o objetivo de todas as grandes obras literárias.
O romance se encerra com “Um Deus desconhecido”, que retrata os acontecimentos depois da tragédia relatada na nota policial do início. Também ficamos sabendo mais sobre a vida de Fernando Vidal Olmos. Vidas particulares e pátria se mesclam a partir de justaposições de imagens do passado e do presente, tanto dos personagens como da própria Argentina.
Tudo se conclui e nada se conclui. O Absoluto continua desconhecido, as trevas continuam trevas, os rostos continuam invisíveis e não descobrimos se a princesa é mesmo o dragão. A única certeza é de que o leitor terminará a leitura com a mesma sensação que teve Martín depois de ver Alejandra pela primeira vez: “já não era a mesma pessoa de antes. E nunca mais voltaria a sê-lo.”

site: http://cassionei.blogspot.com.br/2010/06/descida-ao-eu.html
Paulo 12/02/2017minha estante
bom resumo de uma obra sedutora e certamente entre as melhores da ficção latino americana.




Rodrigo Arlindo 06/03/2024

Complexo, de leitura complexa. Parece estúpido assim definir esse livro, mas não sei outra forma de descrever a leitura desse surpreendente romance.

No entroncamento duma via expressa, onde encontram-se os caminhos dos fragmentos da história da formação da Argentina e da tensão psicológica entre seus personagens, Ernesto Sabato resolveu estourar as barreiras de contenção das pistas e seguir adiante pelo canteiro narrativo pilotando uma escavadeira fora-de-estrada. Uma imagem caótica? Sim, deliciosamente caótica. Para além da peculiar relação de Martin e Alejandra, temos um panaroma histórico que vai desde os mitos fundadores da Argentina até a luta de classes vista por anarquistas por conveniência (Fernando) e por pessoas intelectualmente honestas (Bruno). A terceira parte do romance, “Relatório Sobre os Cegos”, foi uma das melhores leituras da minha vida. A conexão dessa parte de “Sobre heróis e tumbas” com o romance inicial da trilogia, “O túnel”, (sendo “Sobre heróis e tumbas” o segundo volume e “Abadon, o exterminador” o terceiro) é desconcertante. Mal posso esperar para começar o último livro da trilogia e descobrir suas conexões com os dois volumes precedentes.

site: https://www.instagram.com/p/Cq8JL6VLegj/?img_index=1
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Carla Reverbel 08/01/2013

Fantástico
Eu confesso que não gosto muito do início, nem da construção de alguns personagens, mas...
quem leu sabe que o Relatório dos Cegos...
vale a genialidade.
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Moises Celestino 13/08/2020

"Clássico Latino-Americano"
Confesso que não sou fã da obra literária deste célebre escritor argentino, mas a releitura deste "Sobre Heróis e Tumbas", simplesmente me surpreendeu! O citado romance possui algo de misterioso que o leitor precisa descobrir ao folhear este livro. O único problema é que a narrativa se arrasta demasiadamente nas primeiras páginas, e só depois, com a paciência elogiada dos leitores, é que se nota o melindroso e secreto contexto inserido na obra.
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Adriano.Santos 14/01/2018

Por que ler?
Leiam o Relatório dos cegos! Leiam!
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