Livros da Julie 30/01/2023O primeiro conto vale a pena!-----
Três contos foi o livro escolhido para dezembro no Clube de Leitura Oh là là, promovido pela @eleonora_ribeiro. Como diz o título, o livro é composto de três textos, que poderiam até ser considerados novelas devido à extensão.
Em "Um coração simples", o autor narra a história de Felicité, criada da Sra. Aubain. Tendo se desencantado do amor quando jovem, Felicité encontra trabalho na casa da Sra Aubain, uma viúva com dois filhos pequenos. Ali a moça levava uma vida tranquila, porém marcada por grandes emoções. Ela sentia um amor verdadeiramente maternal pelas crianças e uma quase devoção pela patroa, fazendo o que estava em seu alcance para servi-la.
Em um texto rico em descrições, Flaubert faz dessa minibiografia um retrato sutil das diferenças de classe e da força emotiva de Felicité. Somos levados a simpatizar imensamente com a personagem e sofrer a cada momento em que ela é ignorada, desconsiderada, desrespeitada ou agredida. Embora Felicité pareça sempre à parte, alheia à atenção e ao amor, vários acontecimentos banais e insólitos movem o seu mundo e conferem intensidade a uma vida dedicada de coração a terceiros. Nas entrelinhas de situações perfeitamente plausíveis e até prováveis, a surrealidade ganha um arremate sensível e poético, que deixa um nó na garganta.
Em "A legenda de São Julião Hospitaleiro", Flaubert narra a intensa vida desse santo, cuja lenda consta do livro Legenda Áurea, de Jacopo de Varazze. Acompanhamos atentos desde seu nascimento ao desenrolar do seu destino, marcado por chocantes profecias e por uma grandiosa diversidade de experiências.
O enredo traz vários elementos interessantes em uma perfeita ambientação medieval, o que instiga a curiosidade. Apegado a detalhes, o autor descreve as cenas de modo tão vívido, e com o uso de vocábulos tão antigos e específicos, que nos transporta imediatamente àqueles locais, nos fazendo sentir as mesmas sensações dos personagens. No entanto, a história é desenvolvida de forma lenta e enigmática, trazendo uma mensagem de difícil compreensão.
Em "Herodíade", Flaubert relata como essa mulher, esposa de Herodes Antipas (governante da Galileia e filho de Herodes), o levou a mandar matar São João Batista.
O autor parte do princípio de que já temos conhecimento dos fatos históricos e bíblicos relativos ao momento e ao período descritos, pois traz explicações tão sucintas sobre pessoas e lugares que não é fácil entender o que se passa na trama. É preciso ter uma noção razoável sobre os personagens e suas origens para poder identificar as referências e o posicionamento de cada um na ação que se desenrola.
De fato, todos os contos, principalmente os dois últimos, transparecem o extenso trabalho e a dificuldade enfrentada por Flaubert na concepção das histórias, como ele mesmo confessou a familiares e amigos em diversas cartas escritas entre 1875 e 1877 a respeito do assunto. O resultado do livro pode não ter sido unânime, mas seu talento está efetivamente embutido em suas páginas.
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