Seu rosto amanhã

Seu rosto amanhã Javier Marías




Resenhas - Seu Rosto Amanhã


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Alê | @alexandrejjr 19/03/2021

Silêncios impossíveis

Javier Marías é um escritor para leitores pacientes. É uma virtude necessária para aproveitar a densa prosa de um dos maiores romancistas vivos. Aqui, a literatura ligeira não tem vez.

O primeiro volume do monumental "Seu rosto amanhã", dividido em três tomos, propõe, como de costume na obra deste espanhol, uma discussão de cunho filosófico. Interessa a Marías muito mais a reflexão do que a ação, mesmo que a trama envolva espionagem. E a grande questão desta vez é: o que está implícito no ato de contar? À primeira vista pode parecer uma pergunta confusa, sem propósito, mas vou me arriscar a explicar.

Você, por exemplo. Já parou para pensar quantas vezes no dia a dia temos a oportunidade de saber algo que não devia ser revelado? Ou ainda contar algo que não devia ser compartilhado? A palavra, mas mais do que ela, a comunicação, é perigosa. Não importa se é apenas uma fala, um olhar ou um gesto. Comunicar algo a alguém nos torna vulneráveis a qualquer momento - e não é preciso ser um espião para saber disso.

Para além das consequências da decisão de não se calar, Marías medita sobre o poder do segredo e a fragilidade da confiança. Afinal, os mortos não podem contar, esse é um ato pertencente somente aos vivos e por isso é tão delicado. Aos mortos, como as páginas mais inspiradas do romance nos revelam com maestria, pertence apenas a permanente segurança do silêncio. Mas chega de divagar, voltemos às questões mais formais do livro.

Uma maneira interessante de entender o estilo do autor pode ser sintetizada na frase de Laurence Sterne, um dos ídolos literários de Marías, sempre repetida em entrevistas concedidas por ele: "eu avanço enquanto eu digressiono". Aliás, digressão é a palavra-chave para entender - e entrar - em qualquer obra do espanhol. A capacidade, muitas vezes cansativa, que ele tem de tirar o foco da história principal e retornar ao exato ponto perdido após páginas e mais páginas de reflexões é, goste você ou não, impressionante. Outro ponto a salientar é a característica possessiva de quem narra. Narrada em primeira pessoa, a história é por vezes levemente claustrofóbica. O poder e a falta de abertura exercidos pelo narrador para com os leitores me irritou um pouco, pois me senti sufocado em certos momentos.

Outras críticas importantes devem ser feitas aqui. Uma delas é a ausência de personagens femininas relevantes. Em mais de 400 páginas acompanhamos a conversa entre dois homens, um idoso e outro na meia-idade, se eu quiser resumir precariamente o livro. Mas isso pode mudar no segundo e terceiro volumes (eu espero). Há também o fato da condição socioeconômica das personagens se passar num microcosmo ínfimo: todas são eruditas, no mínimo bilíngues e provavelmente nunca passaram dificuldades para pagar contas. Isso reflete claramente a personalidade do autor, homem branco, hétero, europeu, erudito e rico, mostrando, portanto, certa miopia para problemas essenciais do nosso tempo. Mesmo assim, Marías ainda consegue abordar com competência as mazelas humanas que não distinguem cor, gênero ou condição social.

Em seu primeiro volume, intitulado "Febre e lança", o romance "Seu rosto amanhã" é uma experiência válida para quem conhece o terreno que pretende entrar. Aos não iniciados, o clássico contemporâneo "Coração tão branco" ou o ótimo "Os enamoramentos" soam como opções mais interessantes para conhecer o pensar literário de Marías. Agora resta descobrir o que os misteriosos Peter Wheeler e Bertram Tupra reservam ao protagonista do romance, Jacques Deza, e a nós, (nem tão) inocentes leitores.
Amanda Vaz 19/03/2021minha estante
Muito boa resenha, Alê, fiquei deveras interessada, e com muito surpresa vejo aqui personagens presentes também em Berta Isla. Mas devo admitir que não estou disposta a enfrentar, assim tão cedo, outro Javier Marías.


Silvia 19/03/2021minha estante
Dos meus autores favoritos ??


Alê | @alexandrejjr 19/03/2021minha estante
Entendo, Amanda, ele exige mesmo um certo distanciamento entre uma obra e outra. E sim, soube que "Berta Isla" tem ligações com a trilogia, assim como provavelmente "Tomás Nevinson", lançado recentemente na Espanha, deve ter. É o universo particular do Marías, isso é bem legal, de certa forma. E Silvia, ele é dos meus também, apesar de não ter sido surpreendido nas últimas leituras...


Roberta 18/08/2021minha estante
Parece um livro filosófico, gostei muito da resenha. Deu vontade de ler ?


caroline 18/08/2021minha estante
excelente texto/resenha, Alê! ??????


Alê | @alexandrejjr 18/08/2021minha estante
É uma espécie de "thriller psicológico", Roberta. Mas o caminho é longo e o tempo dedicado, caso queira desbravar, não é pouco;

Obrigado por ter lido, Caroline! Na verdade eu fui arrumar um nome errado e aí o Skoob não sabe apenas editar, tem que republicar a resenha de novo... coisas da vida. ??


Roberta 19/08/2021minha estante
Eu acredito, mas gosto do aspecto psicológico. Quem sabe um dia, me aventure. ?


caroline 19/08/2021minha estante
confesso já ter deixado palavras erradas em resenhas antigas ao perceber tardiamente pra não ter que publicar novamente ?




DIRCE 18/01/2014

Embrionário
Faz um bom tempinho que a trilogia “Seu rosto amanhã” se encontra na minha estante e já não me lembro do que me levou a adquiri-los. Provavelmente foi a lembrança do "Coração tão branco” acompanhada de alguma oferta dos livros.
Li, no mês de Dezembro,“Seu rosto amanhã Vol. 1 Febre e lança” . Algo muito estranho se passou durante a leitura: eu tinha uma preguiça enorme de pegar o livro para ler, por outro lado, uma vez vencida a preguiça, ficava relutante em interromper a leitura do romance.
A causa da preguiça? Não consegui me deixar me seduzir pelo enredo, um enredo que falava tanto no filme do James Bond que me fez esperar pelo famoso trio: luz, câmara, ação, mas AÇÃO foi algo que esperei em vão. Quanto a relutância em pausar a leitura, se deveu a escrita de Javier Marias: nada menos que estonteante e refinada. Uma escrita que fez com que me passasse despercebido o fato dos colóquios entre Deza (o narrador) e seu interlocutor, o octogenário Wheeler, eram feitos pelo discurso direto, um tipo de discurso que muito me desagrada e me desmotiva ler.
Não me aprofundarei neste meu comentário, direi apenas que Seu rosto amanhã Vol.1 Febre e lança é o embrião condutor aos dois volumes que se encontram pendentes: “Seu Rosto Amanhã Vol. 2 - Dança e sonho” e “Seu Rosto Amanhã Vol. 3 - Veneno, sombra e adeus”, pois além do desejo de me deixar embalar pelas divagações do Deza, fiquei curiosa em saber se ele fará uso com sucesso da sua “clarividência” . Por ora, 4 estrelas.


Ren@t@ 27/01/2014minha estante
A trilogia tb aguarda em minha estante.




Fabrício 24/01/2012

Uma prosa deslumbrante.
Uma prosa derramada, que se espalha no tempo, que avança e retrocede e se abre em digressões sem conta - tudo isso sem perder a tensão do texto, sem se tornar cansativa nem tediosa, pelo contrário: o interesse na trama (e no estilo do autor, e nos personagens) só aumenta quanto mais nos aproximamos do final do livro. A escrita de Javier Marias é plena, transbordante: especialmente saborosa em nosso tempo de prosas raquíticas, onde se confunde concisão com irritantes sequências de frases curtas e períodos superficiais. Um escritor magistral, um mestre no domínio da expressão verbal. Recomendo este e "Coração Tão Branco", que são os dois que já li dele.
Julyana. 19/05/2013minha estante
Em poucas linhas você conseguiu dizer tudo. Bela resenha.


DIRCE 23/12/2013minha estante
Uauuuuuuu!!!!




Karina Paidosz 29/07/2021

digressões e análises profundas
Uma grata surpresa, por indicação aqui do Skoob (na vdd li a resenha e fiquei com vontade de conhecer)

Tive um pouco de dificuldade em alguns trechos. Um misto de gostei muito, e outros gostei menos. Mas no geral o livro tem uma pegada muito boa, reflexivo, filosófico. Vale a pena conhecer.
Curiosa para ler a continuação.
Alê | @alexandrejjr 29/07/2021minha estante
Que legal! Um livro que exige bastante, né, Karina? Que bom que pelo menos a experiência foi válida.


Karina Paidosz 29/07/2021minha estante
Muito válida. Gosto de livros assim, como se nos tirasse da zona de conforto. Achei bem necessário. Quero ler mais dele ? vlw




Aguinaldo 02/02/2011

Seu rosto amanhã
Comprei este "Seu rosto amanhã (vol.1. - Febre e lança)" em 2007, em um sebo do bairro do Flamengo, quando estava flanando pelo Rio após um congresso de magnetismo dos bons. Já conhecia Javier Marías (alguns eu já resenhei aqui), mas fiquei surpreso ao comprar um romance dele tão barato, ainda por cima em um sebo tão modesto, de um balaio onde havia de tudo um pouco. Quando voltei deixei o livro perdido entre os demais e ele teve de mostrar suas garras para que eu o resgatasse e começasse a lê-lo. Meu dia de aniversário estava chegando e eu sempre gosto de voltar as cousas de Espanha nesta época. "Seu rosto amanhã" é um grande romance, que Marías publicou originalmente em três partes nos anos 2002, 2004 e 2007. Segundo ele não se trata de uma trilogia, mas sim um grande romance, um sinuoso romance, sinuoso como um rio, que um dia poderá ser publicado em um único volume. É um livro onde há poucos cenários, mas onde a ação se desenvolve em miríades de detalhes, reviravoltas, desvios, reflexões. Estes cenários são três: uma festa organizada por um velho professor de um dos "colleges" da Oxford milenar, sempre cara à Marías; uma reunião em um discreto "bureau" de um serviço secreto de informações inglês; e uma conversa a beira do rio Isis, entre o velho professor e o narrador da história, conversa que acontece na manhã seguinte ao jantar descrito na primeira parte, e que antecipa o que acompanhamos na parte central da história. Trata-se de uma história complexa, "pós onze de setembro de 2001" se podemos definir assim uma história, e que, provavelmente, somente vamos entender ao finalizar o terceiro volume (diferentemente do que li em algumas críticas deste romance, não se trata de volumes que possam ser lidos de forma independente, mas esta é outra história). O tema central me parece até aqui ser o da impossibilidade de conhecermos realmente alguém, pois um rosto, uma personalidade, uma vida enfim, pode ser apenas superficialmente conhecida. A traição, a desconfiança, os segredos surperpostos, as surpresas, abundam no livro. O romance está recheado de enigmas, mas ler um romance é um tanto como ler uma pessoa, descobrir o que ela é e o que ela quer que entendamos o que ela seja. Há personagens muito curiosos neste livro: Tupra, que aparentemente testa e contrata o narrador para um tipo de atividade relacionada a espionagem; Wheeler, o velho professor, com título de nobreza e um passado vinculado às grandes guerras do século passado; e claro, Deza, o narrador, um espanhol que vive de traduções e cujo nome é grafado de várias formas. Vou tentar ler de pronto os demais volumes (a tradução do segundo saiu no ano passado no Brasil, mas o terceiro volume está prometido apenas para o ano que vem). Há muito que lembra Proust e também Lawrence Durrell no texto de Javier Marías. Excelente romance. [início 03/03/2009 - fim 01/04/2009]
"Seu rosto amanhã: febre e lança", Javier Marías, tradução de Eduardo Brandão, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2003, brochura 14x21, 406 págs. ISBN: 978-85-359-0423-9
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Naila Soares 10/09/2017

Febre e lança
Estar na companhia de um livro do Javier Marías é sempre muito instigante. Sua escrita ora nos desafia, ora nos fascina; suas personagens são construídas com tamanha destreza e refinamento que se tornam inesquecíveis, cada uma delas.

A série "Seu rosto amanhã" me foi muito recomendada pelos também fãs do Marías, porém, esse primeiro volume, apesar de possuir todas as qualidades da escrita do autor, não se tornou um favorito.

O livro apresenta uma prosa composta por divagações que se alongam além da conta, que avançam e retrocedem no tempo de acordo com as reflexões do narrador. Já o enredo, para quem começa a ler sem nada saber sobre a trama, é um tanto quanto velado e misterioso, além de não conter muita ação. Páginas e mais páginas são lidas sem que muito aconteça ou seja esclarecido.

Toda a história gira em torno de um ex-professor de Oxford que, ao retornar à Inglaterra após se separar da esposa, é apresentado, por um velho amigo, ao enigmático Tupra que o convida para trabalhar com ele.

Nós leitores e o narrador sabemos que este convite está relacionado ao dom do narrador em interpretar pessoas, traduzir vidas e antecipar histórias; como se ele conseguisse ver nas pessoas o que nem mesmo elas são capazes de ver em si mesmas.

Quem é Tupra? Com o quê ele trabalha? Para quem ele trabalha? Essas questões só serão respondidas no final do livro.
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Felipe Holloway 11/02/2018

A narrativa como perdição da qual não se pode abdicar
No primeiro volume de "Seu rosto amanhã", Javier Marías põe em prática expedientes bastante conhecidos de seus leitores: a narrativa lenta (as primeiras duzentas páginas passam-se durante um intervalo de menos de doze horas, entre um jantar e a subsequente noite insone do narrador), as longas frases, a digressão como mecanismo de exposição de estupendas epifanias existenciais, os temas da traição, das relações humanas e do que o tempo pode fazer a elas, da tradução e, sobretudo, do ato de narrar. "Ninguém deveria contar nada nunca" -- como costuma acontecer em muitos dos melhores romances, a frase que abre a trilogia parece encerrar, como o enfoque de um fractal, o espírito do que impregnará o todo da obra. Porque aquele que constata, pela via da escrita, o perigo de se comunicar o que quer que seja a outrem, de se passar adiante o que se viu e o que se pensou, o que se viveu e o que se omitiu -- este já põe em marcha a perdição contra a qual pretendia alertar, e cujo corolário destrutivo pode arrastar-se no tempo, tragar a outros.

Daí a pertinência das longas reflexões sobre as "careless talk", as "conversas imprudentes" sobre as quais o governo britânico, durante a Segunda Guerra Mundial, e ante a possibilidade (em muitos casos confirmada) de haver espiões a serviço da Alemanha nazista infiltrados no país, pedia à população que tivesse extremo cuidado. Contando com vários folhetos de alerta ao povo sobre o perigo de se passar informações (muitas das quais aparentemente inofensivas, mas potencialmente mortíferas, no contexto da guerra) a quem se imaginava conhecer -- "careless talks costs lives", era o leitmotiv da campanha --, "Seu rosto amanhã" aponta, em seu primeiro volume, para o fracasso geral do empreendimento do silêncio, quando se lida com o gênero humano. Da mesma forma como nunca se saberá em que medida os ostensivos avisos sobre as "careless talk" foram importantes para a vitória sobre o nazismo, os efeitos aniquiladores de nossas narrativas, do que não pudemos calar, restarão insondáveis, posto que diluídos na imensidão do tempo.
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