Ada ou ardor

Ada ou ardor Vladimir Nabokov




Resenhas - Ada ou ardor


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Marília Mangueira 18/09/2023

Memórias que mergulhamos também
Achei o livro semelhante a um sonho. Até agora me sinto tocada pelo surrealismo. Nabokov construiu uma história tão cheia de memórias e fases, que ao terminar a leitura, ainda me sinti sobrevoando por toda a narrativa, talvez a fim de uma releitura, para registrar cada momento das façanhas escritas, a fim de voltar às imagens e aos acontecimentos da história dessa família russa. “Todas as famílias felizes são mais ou menos diferentes; todas as famílias infelizes são mais ou menos semelhantes”, disse o autor citando o famoso romance de Anna Kariênina.
Ada ou ardor, de Vladimir Nabokov, publicado em 1969, conta a história de amor os primos Van e Ada (talvez até irmãos, não se sabe) que se inicia na pré-adolescência na Mansão de Ardis. A leitura nos permite viajar nas mais ardentes sensações e emoções, e nos envolvem nas descobertas do sexo e no prazer da vida - cheia de encantos, vícios e virtudes. O autor nos dá de presente uma beleza campestre, um fascínio nas coisas da natureza e também da natureza humana. Um foco na essência dos personagens, que jamais é desprezada.
Van e Ada, juntos, vivem a efervescência de seus ardores; e separados transfiguram-se por seus interesses. Há encantos e desencantos, porém o amor proibido é a engrenagem e o paraíso desses dois amantes, que sempre acabam voltando um para o outro, embora as circunstâncias da vida os afastem por um tempo - eis O Tempo - a máquina, o passado, presente e futuro. É possível recapitular as memórias - esse mecanismo tão impalpável - registrando-as por meio da escrita. E assim veio “Ada ou ardor, crônicas de uma família”, o livro das recordações de Van Veen.
“Você beijou e mordiscou e roçou e remexeu e cutucou tanto e com tanta frequência ali que a minha virgindade se perdeu na confusão. Mas, meu querido, lembro-me sem a menor dúvida de que, no meio do verão, a máquina que nossos antepassados chamavam de “sexo” estava funcionando tão bem quanto mais tarde, em 1888 (nota de Ada)”.
Engana-se quem achar que toda a história concentra-se apenas no casal. O livro é heterogêneo em assuntos e a arte atua na hereditariedade da família.
Finalizo alertando que Nabokov não é um autor para qualquer leitor, pois não há limites na sua narrativa, ele brinca com o erotismo, zomba com os personagens sucumbidos pela passagem do tempo, brinda o que a vida traz de paraíso e despreza o moralismo, sem medo nenhum de um futuro reservado no Éden ou no Hades. Para ele tanto faz.

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Reginaldo Pereira 15/05/2023

Memórias: a verdadeira mensuração do tempo
O prazer ou o desprazer de uma leitura estão intrinsecamente relacionados ao nosso momento, e pra mim isso nunca foi tão forte quanto em ?Ada?. A primeira vez que peguei esta obra pra ler, desisti sem nem chegar à página 25? Agora, na segunda tentativa, estou triste, angustiado, extasiado e perdido? por ela ter acabado. Que livro extraordinário!

Muitos dirão se tratar de uma história de amor; outros dirão (torcendo o nariz) que é uma história erótica; e outros ainda (que não entendem a obra) apenas ressaltarão a respeito de uma ?obcenidade nojenta?. Nada disso, absolutamente nada disso descreve a minha percepção da mesma: a vida sendo construída pelas experiências do tempo, e o tempo sendo percebido pelo acúmulo (das memórias) da vida!

Nabokov consegue descrever o amor, o desejo, a alegria, a tristeza, o egocentrismo, a luxúria, a vida (e a morte) da forma mais exaltada que já li. E tudo isso com a leveza de um sonho, de uma fantasia e de uma surrealidade únicas, e que nos faz virar as páginas com rapidez e profundidade de quase um século de narrativa.

Destaco três pontos que mais chamaram a minha atenção:
- o detalhe da história se passar em ?outro mundo?, na Antiterra, pode parecer até meio bobo, mas é crucial para forçar o leitor a se libertar de preconceitos (estes sim bobos!) e poder se dedicar à leitura como ela o pede;
- a narração futura e conjunta de uma série de eventos passados, com a sutileza de descrever momentos não sabidos àquela época, mas que já causaram marcas profundas no momento presente da narração, é algo simplesmente grandioso;
- e Lucette?. como eu gostava de Lucette? pode não ser a protagonista do casal ?Vaniada? mas com certeza será a personagem que permanecerá em minhas lembranças?

Enfim, uma das obras mais complexas que já tive o prazer de ler e que, com certeza, fará parte das minhas releituras futuras, quem sabe daqui a 90 anos!

Obrigado, Nabokov!????????
Milena.Saleh 16/05/2023minha estante
Também gostaria de reler essa obra! Concordo até com as vírgulas!


Reginaldo Pereira 16/05/2023minha estante
Milena, é impressionante como obras assim conseguem mexer com a gente? acho que só a (boa) literatura tem esse poder!!! ??




Leonardo 12/05/2023

Um dos romances mais ambiciosos e desafiadores do autor
"Ada ou ardor" se passa numa Antiterra chamada Demonia da qual o nosso planeta Terra efetivamente se assemelha a uma espécie de paraíso, uma terra metafísica para onde vão as pessoas após a morte. Grande parte da história se passa em um Estados Unidos de língua russo-francesa, que faz uso de tecnologia mista, onde carruagens são utilizadas porém automóveis com motores a explosão também sao encontrados. A energia elétrica é proibida e falar, nomear "eletricidade" se torna um tabu. Aparelhos como telefones que funcionam a base de água, chamado Hidrofones, são comuns nessa história.

Neste cenário, acompanhamos uma história de amor que percorre 80 anos entre dois primos, Ada e Van Venn, que posteriormente se descobrem irmãos (não considero isso spoiler, pois não tarda muito para isso ficar evidente).

A narrativa é densa e composta de vozes fragmentadas. Há um narrador que alterna o uso da primeira e terceira pessoa que assume a voz de Van, e há a interrupção de anotações de Ada em dados trechos.

Além do erotismo, muito intenso mas pouquíssimo vulgar, outros temas recorrentes no livro são a loucura e sobretudo a linguagem em si, presente em muitos jogos idiomáticos, metáforas e paráfrases de outros autores como Tolstói.

Nabokov nos convida a comprender que essa investigação da linguagem é uma tentativa de compreender melhor o mundo que nos cerca, afinal ela é a maior ferramenta que temos para explicá-la, além de ser o único recurso que nos é natural e exclusivo em relação a outros animais. Além disso, nossas referências constroem esse mundo que nós conhecemos e dão sentido à essa realidade.
A busca do sexo neste romance por vezes se mostra como uma forma de transcender espiritualmente essa realidade, mas também de nos tornar presos e escravos a ela.

Foi um livro bem desafiador para mim e merece outras releituras para absorver todo o seu conteúdo.
O que tornou a leitura de certo modo enfadonha pra mim foi o fato da escrita ser muito densa e complexa demais. Gastei mais energia tentando decifrar essa prosa enigmática e floreada do que apreciando a trama. Além disso, o autor introduz muitis personagens secundários sem apresentá-los e desenvolvê-los direito.
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Adda 18/03/2023

Uma das melhores obras que já li na minha vida. Esse autor era um gênio da escrita. Não tenho palavras pra descrever como ele ?escreve bonito?.
Reginaldo Pereira 30/04/2023minha estante
Estou compartilhando deste encantamento! Uma gratíssima surpresa!!!




Thais 25/08/2022

?Nabokov o romancista + apaixonado do século XX? BrianBoyd
De forma gradual eu fui arrebatada por esse romance. Van e Ada transmitem tanta paixão e cumplicidade que ficou impossível para eu julgar esse relacionamento e as suas atitudes.
O amor dos dois é egoista. É único!

Nabokov cria conexões que ao longo da história e e aos poucos vamos entendendo as semelhanças entre as pessoas. É magnífico, de uma mentalidade genial. A sua forma romântica de escrever, as suas metáforas e analogias.
Como me peguei supresa com suas referências sexuais de forma sútil e debochada. As suas piadinhas! É leve, ao mesmo tempo rápida e perspicaz, e ele distorce o campo geográfico, acrescenta referências literárias, cita seus autores favoritos, faz tbm à filosofia, ciência, inclusive ao seu amor por borboletas.


Amei esse livro .
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Carla.Maciel 29/11/2021

Diferentão/ gostei e ao mesmo tempo não
Estou dividida com essa leitura, o livro é dividido em cinco partes a primeira retrata a infância de Van e Ada no Paraíso que é ardis, onde os dois iniciam seu ardoroso romance foi a melhor parte da história para mim.
A partir da segunda parte fiquei tristemente entediada, até desejando a morte dos personagens pelas repetições: primeiro o romance de Marina com Demom, depois a felicidade de ada e Van com suas constantes separações e traições.
O que mais gostei do livro foi a liberdade de Ada sexualmente e intelectualmente (ela assim como van transa com quem quer) ela me conquistou de certa forma ao pintar a aquarela da orquíde aquela descrição é tao bem feita que o leitor também beija o pescoço da beldade de cabeça baixa.
A linguagem é da típica de Nabokov ou perfeita, a descrição de sexo mas invulgar que existe.
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Milena.Saleh 03/10/2021

Genial
Minha primeira leitura de Nabokov. Apesar do tema polêmico, envolve demais o leitor, a narrativa é extremamente bem trabalhada e estruturada (como precisa ser quando se quer retratar décadas em um só livro). É o tipo de livro que, quando fazemos uma pausa, nos perguntamos incansavelmente o que deverá acontecer a seguir. Ele também apresenta trechos pesados, como um capítulo especialmente sórdido que me obriguei a pular. Posso dizer que, após finalizar, senti por Nabokov um misto de amor e ódio, como muitos relatam sentir. Apesar disso, recomendo fortemente a leitura.
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Mari 05/09/2021

Deus amado, só a misericórdia
quis ler esse livro, porque achei a Antiterra super legal e quis saber sobre essa história.

A Antiterra é bem um plano, nada muito falado (ou eu talvez não tenha lido com atenção, porque eu realmente não li muito sobre)

Agora vamos para o Ivan Veen, o pior personagem do mundo! Deus amado, que homem horrível, nojento, assediador e pedofilo, né? Não é porque houve consentimento que quer dizer não é nojento.

Tudo é narrado pelo Ivan, então, estar na cabeça dele foi o antro da radiação.

Romance entre primos já tava péssimo, aí descobrimos que eles são irmãos e, tá tudo bem, vamos continuar com o nosso relacionamento.
Até aí tava tudo bem. MAS entrou um elemento pior: Lucette entra nesse romance.

ADA TINHA 17. IVAN 19. LUCETTE 13!!!!!!!!! ONDE ISSO TÁ ACEITÁVEL? E LEMBRANDO QUE LUCETTE É MEIA IRMÃ DOS DOIS.

Entre idas e vindas nesse relacionamento do Rio Tietê, Ivan assedia diversas mulheres... Ele falando pra uma mulher acabar com o sofrimento dele TRANSANDO COM ELE e ela falando que não estava curtindo aquilo e ele achando que ela estava se fazendo de difícil.

Você tem que ter um foco de 400% pra não fugir da narrativa. Do nada, o autor bota uns 171837474 nomes e não introduz nenhum personagem e, do nada, começa umas intertextualidade que você fica "Que? Daonde surgiu isso?".

Teve um capítulo que não tem número e me senti no 3°capítulo de A Relíquia, parecia que fumei uns 10 e li aquela coisa.
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Andrea 18/08/2021

A vida de Veen
A crônica familiar da rica família Veen ocorre na Antiterra - que seria a nossa realidade na Terra em uma imagem distorcida no espelho - durante um período de cem anos, indo de 1868 a 1967. Neste lugar, muitas vezes parece que ainda não ocorreu a Pangeia, tamanha facilidade de deslocamento de um ponto a outro. E a língua é uma mistura de inglês, francês e russo.

Logo de início iremos conhecer as gêmeas Marina e Aqua, que irão se casar com os primos Demon e Daniel. Estes relacionamentos irão gerar os personagens que são os fios condutores da história, a Ada do título, sua irmã Lucette e o primo Van.

O livro mistura narrativas em primeira e terceira pessoa, visto que Van é o narrador e o personagem central da história por ele contada, embora possua anotações de Ada durante as suas revisões, ficando claro ao leitor que ele está lendo as memórias deste homem com uma vida digamos bastante intensa.

Para os fãs de clássicos, ao longo da narrativa será fácil encontrar os vários easter eggs que alimentam a história, para confirmar ou entender ao que estou me referindo, basta ler na parte final as anotações de Ada assinadas por um anagrama do autor. São referências a outros autores - como Tolstói, Júlio Verne e Jane Austen -, lugares e as expressões usadas ao longo da história agora traduzidas. Nem todas as opiniões são exatamente positivas, o que de certa forma podem gerar uma comparação de opinião entre o que diz o escritor e o que pensa o leitor.

Mas ao contrário do que ocorreu na leitura de Lolita, ao qual considerei o livro fantástico, em Ada ou Ardor tiveram algumas coisas que me incomodaram, como se os anos de diferença entre uma leitura e outra, o que inclui várias mudanças na forma de olhar o mundo e a maternidade, parecem ter influenciado bastante.

E ao me sentir desagradada, a leitura acabou me trazendo uma reflexão de que a postura masculina descrita não é algo que ficou no passado, que não posso denomina-la como algo característico da época em que o livro foi escrito, pois as situações permanecem atuais, tanto de abuso infantil como a visão da mulher objeto. E talvez seja essa razão de eu não conseguir me divertir com a história.

Então sim, acho que terei que reler ele em um outro momento, para buscar a leveza e fluidez inteligente citada por Brian Boyd. Enquanto os anos não passam, eu deixo a dica para os leitores do blog, principalmente para os que adoram ler um clássico.

Resenha completa no blog: http://literamandoliteraturando.blogspot.com/2021/08/ada-ou-ardor.html?m=1
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 17/07/2021

Vladimir Nabokov - Ada ou Ardor
Editora Alfaguara - 608 Páginas - Tradução de Jorio Dauster - Posfácio de Brian Boyd - Capa: Violaine Cadinot - Foto de Capa: Mary Jane Ansell - Lançamento: 2021.

Vladimir Nabokov (1899-1977) é um autor que soube como poucos tangenciar o perigoso limite entre a literatura e a perversão, se é que tal limite existe de fato. Lolita, lançado em 1955, é o seu romance mais conhecido e também controverso ao descrever a paixão doentia de um professor universitário de meia-idade por sua enteada de 12 anos, com quem se envolve sexualmente. Ada ou Ardor, publicado originalmente em 1969 e também escrito em inglês, é um romance bem mais ambicioso e complexo do ponto de vista literário, contudo volta a abordar de forma explícita os temas de pedofilia e incesto.

Ivan Veen (Van) e Adelaida (Ada) vivem uma história de amor nada convencional desde quando eram crianças, ele com 14 e ela com 12 anos, acreditando que eram primos (os seu pais, Demon e Daniel, respectivamente, eram primos e as mães, Aqua e Marina, irmãs gêmeas), no entanto, a trama já deixa claro desde o início o verdadeiro parentesco de irmãos, decorrente de uma traição da mãe de Ada, mas este fato não irá impedir o nascimento de uma paixão por toda a vida. O casal Van e Ada é o resultado de uma complicada genealogia originada por uma família aristocrática desde o século XIX até o século XX. Felizmente, esta edição apresenta um esquema com a árvore genealógica de quatro gerações da família que precisa ser consultada com atenção para o entendimento da obra.

"Era ela realmente bonita aos doze anos? E ele, queria mesmo – quereria jamais – acariciá-la, realmente acariciá-la? Os cabelos pretos que cascateavam sobre um dos ombros, o jeito com que balançava a cabeça jogando-os para trás, a covinha na face pálida, essas revelações continham um elemento de identificação imediata. Sua palidez reluzia, o negror de seus cabelos resplandecia. As saias plissadas de que ela tanto gostava eram convenientemente curtas. [...] O que Van sentiu naqueles primeiros e estranhos dias em que ela lhe mostrou a casa – assim como os cantos e recantos onde em breve fariam amor – foi uma mescla de arrebatamento e exasperação. Arrebatamento, por causa de sua pele pálida, voluptuosa e inatingível, seus cabelos, pernas movimentos angulosos, seu cheiro de gazela e grama, o repentino olhar negro de seus olhos bem afastados, a nudez rústica sob o vestido. Exasperação, porque, entre ele, um estudante inábil porém muito inteligente, e aquela criança precoce, afetada e impenetrável, se estendia um vazio de luz e um véu de sombra que nenhuma força era capaz de superar ou romper." (pp. 66-7)

Outra característica marcante do romance é o tom farsesco que promove subversões na linguagem e em nossa própria História Universal ao ambientar a trama em um mundo paralelo, o planeta Antiterra (Demonia) que apresenta muitas características semelhantes à Terra, mas com a geopolítica bastante alterada; os Estados Unidos, por exemplo, incluem todas as Américas de colonização russa, o Canadá ocidental é formado por uma província de idioma russo chamada Estócia, e no Canadá oriental, Canádia, se fala a língua francesa. Logo, os idiomas russo, inglês, e francês são de uso comum na América do Norte, assim como no próprio romance. A Ásia é parte de um império chamado Tartária. Por fim, neste universo gêmeo, um evento referido como "o desastre L" fez com que a eletricidade fosse banida e os dispositivos como telefones são acionados por curiosos mecanismos hidráulicos.

"Suas pernas fortes e bem torneadas talvez estivessem mais longas, mas preservavam a brancura lustrosa e a flexibiidade dos tempos de ninfeta: ela ainda conseguia chupar o dedão do pé. O peito do pé direito e as costas da mão esquerda exibiam o mesmo pequeno sinal de nascença, discreto porém indelével e sagrado, com que a natureza havia assinado a mão direita e o pé esquerdo dele. Ela tentava pintar as unhas com o Esmalte Scheherazade (uma moda grotesca dos anos 80), mas como não era muito chegada a cuidados pessoais, o esmalte se soltava, deixando manchas feias, até que ele pediu que as unhas retornassem ao estado natural. Em compensação, comprou para ela na cidade de Ladore, onde havia muitas lojas elegantes frequentadas por turistas, uma corrente de ouro daquelas usadas no tornozelo, mas Ada a perdeu no curso de seus ardorosos encontros e, surpreendentemente, caiu em pranto quando Van disse que não fazia mal, pois outro amante um dia a encontraria e lhe daria de volta." (pp. 214-5)

Ao longo de um relacionamento intermitente de oitenta anos, o "egotismo narcisístico" do casal Ada e Van, como bem destacado no posfácio de Brian Boyd, assim como sua arrogante superioridade, faz com que desprezem todas as convenções sociais, legais e morais em nome de um ardor sensual que evolui da irresponsabilidade à pura e simples crueldade, principalmente quando se envolvem em outras relações amorosas, inclusive no caso de Ada com sua outra irmã Lucette, também apaixonada por Van, provocando um desfecho trágico para esta personagem.

"Estavam agora reclinados numa esteira da piscina, face a face, em poses simétircas, ele sustentando a cabeça na mão direita, ela apoiada sobre o cotovelo esquerdo. A alça do sutiã verde do maiô tinha escorregado pelo braço fino, revelando gotas e fios d´água na base do mamilo. Um abismo de poucos centímetros separava a camisa de jérsei que ele usava do ventre nu de Lucette, a lã preta de seu calção de banho da máscara púbica verde e encharcada. O sol esmaltava o osso ilíaco dela; uma depressão sombreada levava à cicatriz da operação de apêndice feita cinco anos antes. Seu olhar semivelado o fixava com uma avidez persistente e opaca – e ela tinha razão, estavam de fato bem sozinhos, ele havia possuído Marion Armborough pelas costas de seu tio em condições bem mais complexas, com a lancha saltando mais que um peixe-voador e seu anfitrião mantendo uma espingarda de caça junto ao volante. Sem alegria, sentiu que a robusta serpente do desejo se desenrolava pesadamente; com amargor, lastimou-se por não tê-la exaurido na Villa Vênus. Aceitou o toque da mão cega que lhe subia pela coxa e maldisse a natureza por ter plantado uma árvore nodosa estourando de seiva vil entre as pernas dos homens. De repente Lucette se afastou, deixando escapar um bem-educado 'merda'. O Éden estava cheio de gente." (p. 464)

A narrativa de seiscentas páginas é rica em jogos de linguagem e citações literárias a autores como Flaubert, Joyce, Proust, Púchkin, Tchékhov, Tolstói, entre muitos outros. O interesse de Nabokov pela Entomologia e o estudo do Xadrez também são recorrentes em muitas passagens. Repleta de perversões e subversões, esta é uma obra que deve ser lida por todos que se interessam pela literatura ocidental.

Sobre o autor: Vladimir Nabokov nasceu em São Petersburgo em 1899. Com a Revolução Russa, a família deixou o país natal e viveu primeiro em Londres, depois em Berlim. Em 1940, Nabokov mudou-se para os Estados Unidos, onde foi professor na Wellesley College e na Universidade Cornell. Seu primeiro romance escrito em inglês, A verdadeira vida de Sebastian Knight, foi publicado em 1941, e sua obra mais conhecida, Lolita, lhe valeu fama internacional. Morreu em 1977, em Montreux, Suíça.
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